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Texto: Jacqueline Nóbrega Publicado em

Tanto a Polícia Militar como o Corpo de Bombeiros possuem um canil, em Fortaleza, com cães de diferentes raças que ajudam os militares em operações distintas. De acordo com o médico veterinário da Polícia Militar, Jarbas Freire, os cães fazem parte da espécie animal que provavelmente tenha laços mais estreitos com a espécie humana. "Eles foram um dos primeiros animais a serem domesticados pelos seres humanos, possivelmente advindos dos lobos. Os cães possuem muitas vantagens para o policiamento militar, como ter um olfato extremamente apurado em relação ao homem". O veterinário frisa que certas raças têm o olfato milhares de vezes mais potente que o humano, o que possibilita localizar drogas e/ou entorpecentes que estejam escondidos em diversos lugares, inclusive sob o chão ou outros esconderijos

A CPCães funciona em Fortaleza, no bairro Conjunto Esperança. Eles trabalham com raças de cães de grande porte e com potência na mordedura FOTO: Thiago Gadelha

"Eles também possuem vigor para correr e mordedura fantástica, que os policiais utilizam para captura e imobilização de criminosos, e ainda possuem muito impacto visual, o que auxilia os policiais a controlar distúrbios em aglomerações de pessoas ou desencorajar a reação de bandidos perante os policiais", comenta Jarbas.

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O veterinário ainda pontua quais raças são ideais para as Polícias Militar e Civil. São elas: pastor belga de malinois, pastor alemão, rottweiler, labrador e doberman. "São cães de grande porte e com muito vigor físico, potência na mordedura e faro apurado", justifica.

Já os Bombeiros, ainda segundo o médico veterinário, optam por cães por temperamento mais tranquilo e também com um faro apurado. "Eles podem utilizar o pastor belga de malinois, o labrador, o beagle, entre outras raças".

Canil da Polícia Militar trabalha com três vertentes

A Companhia de Policiamento com Cães (CPCães), localizada no bairro Conjunto Esperança, tem atualmente 70 policiais militares, entre homens e mulheres, e 60 cães. Eles são fundamentais na rotina dos militares, seja no patrulhamento no dia a dia, ou em grandes eventos, como quando o 42º presidente americano, Bill Clinton, desembarcou no Ceará para dar uma palestra na Universidade de Fortaleza (Unifor), em 2012.

Nós temos cães de detecção de substâncias entorpecentes, substâncias explosivas e localização de pessoas. Nossa localização de pessoas é diferente da dos Bombeiros
major Vasconcelos, subcomandante do CPCães

O major Vasconcelos, subcomandante do CPCães, conta que o canil já existe há 41 anos. No início, em 1976, existiam quatro boxes e eles receberam pastores alemães provenientes do 23º Batalhão de Caçadores do Exército Brasileiro. "No entanto, desde 2007, ficou mais ostensiva a forma de utilizarmos os cães com as operações do grupo Ronda Ostensivas com Cães (Roca)", comenta.

Ele explica que a maioria dos cães de combate do canil são da raça rottweiler. "São cães que vão para a rua, que podem ser comparados com cães de guarda. É o mesmo cão que vai para o estádio, para evitar o que houve em maio de 2015 no Castelão, na final do Cearense, quando a torcida do Fortaleza invadiu o estádio e houve registro de violência e vandalismo. Os cães de combate trabalham no policiamento motorizado, nos estádios e nos presídios quando precisam fazer contenção. Além do rottweiler, esse grupo ainda tem pastor belga de malinois e pastor alemão".

Os cães do canil da Polícia Militar treinam todos os dias e são fiéis ao seu adestrador, que começa o treinamento quando eles ainda são filhotes FOTO: Thiago Gadelha

O subcomandante ressalta que os cães da Polícia não precisam morder, mas, sim, intimidar. O maior cão do canil é um rottweiler de 60kg, que cumpre bem esse papel.

Para a parte do faro, os policiais optam pelos pastores alemão e belga de malinois e o labrador. "Nós temos cães de detecção de substâncias entorpecentes, substâncias explosivas e localização de pessoas. Nossa localização de pessoas é diferente da dos Bombeiros. Quando a Polícia está perseguindo um marginal e ele se embrenha no mato, por exemplo, nosso cão vai perseguir essa pessoa. A medida que pisa na grama, ela libera um cheiro. Se eu caminhar em uma área de mata fechada, eu vou bater nos galhos e quebrá-los. Esse cão de localização de pessoas cheira esse rastro que o marginal deixa".

O médico veterinário ressalta que existem duas formas de se adquirir cães para o canil da Polícia Militar. A primeira é através da cruza selecionada de cães do próprio plantel ou entre cães do plantel e cães de particulares. "Nesta modalidade já se selecionam os reprodutores antes mesmo da cruza". E a segunda é através de doações de cães particulares. "Já nesse caso, os cães a serem doados são rigorosamente inspecionados para adentrarem ao plantel. Nessa inspeção solicita-se o histórico vacinal e de vermifugação do animal, exames de sangue devidos e ainda é feito exame físico com o cão".

Na imagem, o cão demonstra como vai sentado dentro da viatura da Polícia Militar FOTO: Thiago Gadelha

O major Vasconcelos também acrescenta que recentemente foram adquiridos dois filhotes de um canil de Alagoas, que é referência em pastor belga malinois. Ele explica que com 40-45 dias de nascido, os filhotes já iniciam o treinamento com o seu adestrador. "Todos os militares do canil são adestradores, inclusive o comandante. Eles passam por um curso de formação que dura 45 dias. No último, que aconteceu em outubro, nós formamos até uma policial da Polícia Nacional do Paraguai".

"Os policiais procuram fazer testes com os filhotinhos para entender o temperamento de cada um e avaliar em qual função eles irão se encaixar melhor, futuramente", reforça ainda Jarbas, sobre o treinamento.

A versatilidade do pastor belga de malinois

"O adestrador tem que estimular o cão a caçar. É necessário que o cão tenha esse instinto, se não ele não desempenha nenhuma das funções dentro da Polícia. O malinois é considerado o cão, hoje, 'top' em termos de polícia, porque ele raramente refuga nesse início de treinamento e em relação ao custo-benefício. Por ser menor que o rottweiller, meu custo de manutenção desce e ele consegue se encaixar em duas funções. O malinois pode fazer tanto faro como pode ser o cão de combate", pontua ainda o subcomandante.

O pastor belga de malinois é o cão com melhor custo-benefício em treinamento para cães. E pode desempenhar duas funções, tanto faro como combate

O major Vasconcelos explica que os militares da CPCães podem conduzir qualquer cão do canil, mas o animal é fiel ao seu adestrador. "Ele se sente seguro com aquele adestrador que o pegou desde filhote. É uma relação de confiança. Até nas férias, eles vêm até o canil para manter relação próxima com seu animal".

O treinamento com os bichos acontece sete dias por semana. "O pessoal diz que o cão que fareja droga é viciado, mas isso é uma lenda. O bicho não toca em nenhum momento na droga. Ele recebe um brinquedo, que pode ser uma bolinha ou um kong, por exemplo, e dentro tem a substância. Na cabeça do cão, ele está procurando o brinquedo. O cão percebe que acha mais fácil o brinquedo quando ele fareja".

Um rottweiller que pesa 60kg é o maior cão do canil da Polícia Militar e cumpre bem a função de intimidar FOTO: Thiago Gadelha

O médico veterinário confirma que o cão enxerga a participação dele em operações como uma grande brincadeira. "O treinamento para as diversas funções que os cães desempenham nas Polícias Militar e Civil é feito como uma grande forma de brincadeira entre eles e seus condutores. Essa interação é realizada de uma forma em que esses caninos venham a sentir prazer na realização das funções para as quais eles estão sendo adestrados. Por isso, quando os mesmos saem para uma missão, eles acabam associando aquele 'trabalho' a uma forma de brincadeira prazerosa, na qual eles passarão mais tempo com seus condutores".

O cão de droga pode ser ativo e passivo, ainda de acordo com a explicação do subcomandante Major Vasconcelos. "O ativo mostra onde a droga está e cutuca. Já o passivo, que é o cão que encontra explosivo, não toca no local, só sinaliza, porque se encostar pode 'ir embora' ele e o condutor. Os cães sempre trabalham de dupla para haver confirmação. O mais experiente é o líder, à frente, e o menos atrás. O mais experiente, vai ter uma hora que vai embora, aí o segundo já está treinado para assumir".

Os cães da PM também são treinados para encontrar drogas FOTO: Thiago Gadelha

Com oito anos, os cães se aposentam. Os animais podem ter dois destinos: eles são doados ou permanecem no canil, sendo cuidados pela equipe. Normalmente é o adestrador que leva o cachorro para casa, se ele tiver condições, que é o mais comum. "Não podemos entregar o cão para qualquer um. Eles são animais treinados", pontua o Major. Atualmente só existe um cão no canil que não trabalha. É o Apolo, um rottweiller 'temperamental' que tem um problema na pata traseira e já passou, inclusive, por cirurgia, por isso permaneceu no local.

Trabalho social com cães

A última vertente do trabalho com cães da Polícia Militar é o projeto social. No grupo de animais que fazem parte do programa está a Pirulita, uma SRD (sem raça definida) que foi achada filhote e levada para o canil, e o Marley, um labrador que ficou famoso em 2017, durante o desfile de 7 de Setembro, na Avenida Beira-Mar, quando foi carregado nos braços durante todo o percurso por um policial.

Ano passado aconteceu a primeira turma do Adestrador Cidadão na CPCães. Participaram crianças, de 7 a 12 anos, que estudam na rede pública e gozam de boas notas. "Elas passaram seis meses com a gente ano passado, nas manhãs de sábado, brincando com os cachorros e aprendendo a adestrá-los. No final, receberam um certificado de 'adestrador de show dog'. É uma oportunidade de ajudar essas crianças a se profissionalizar, já que o adestrador só é formado em escola militar. As pessoas que aprendem fora, os adestradores civis, começaram observando um militar e depois, por esforço próprio, buscaram aprimoramento. E a função de adestrador é bem remunerada", finaliza o major, que frisa que terá uma nova turma de Adestrador Cidadão no segundo semestre.

A Pirulita é uma SRD, encontrada ainda filhote, que atua no projeto social da Polícia Militar FOTO: Thiago Gadelha

O médico veterinário Jarbas ainda frisa que o canil da Polícia Militar tem uma parceria com o Laboratório de Reprodução de Carnívoros da Faculdade de Veterinária da Universidade Estadual do Ceará (UECE). "Em muitas pesquisas eles utilizam os cães do plantel canino da Polícia Militar do Estado do Ceará para coleta de dados, como amostras de sêmen e avaliações ultrassonográficas de certos órgãos dos animais. Em contrapartida o Laboratório oferece ao canil exames gratuitos em situações que haja necessidade dos mesmos. Especialmente ultrassonografias, espermogramas citologias vaginais".

Por fim, ele destaca que o cavalo é outro animal bastante utilizado pela Polícia ao redor do mundo. "Aproveitando-se das características de serem animais com grande volume corporal e força, imponência diante da presença de aglomerados humanos ou de poucas pessoas, e capacidade de transporte dos policiais por distâncias consideráveis. São de extrema valia para o policiamento em cidades".

Trabalho no Corpo de Bombeiros: serviço de busca

Parte da Seção de Busca, Resgate e Salvamento com Cães com os animais no canil, no bairro José Walter FOTO: Fabiane de Paula

O trabalho com cães do Corpo de Bombeiros é diferente do que é feito na Polícia Militar. Os animais participam do serviço de busca de pessoas perdidas em matas, escombros e em ambientes de difícil acesso. "O cão da Polícia se mantém sempre na guia, o nosso não. Ele tem que criar um vínculo com o condutor", explica o tenente Thiago, subcomandante do 1º Grupamento de Bombeiros, onde funciona a Seção de Busca, Resgate e Salvamento com Cães (SBRESC).

É por isso que o treinamento dos cães do canil, localizado no bairro José Walter, inicia nos primeiros seis meses de vida do cachorro. "Nos primeiros treinamentos, o cão tem que criar gana pelo brinquedo. Na segunda fase, começamos a colocar obstáculos entre o cão e o brinquedo, para dificultar. Depois a gente inclui a pessoa na brincadeira, como se fosse a vítima. Para o cão ficar pronto, demora dois anos. Só aí ele está pronto para participar de uma busca".

Ao se aposentarem, entre 5 e 7 anos, os cães são adotados pelo condutor FOTO: Fabiane de Paula
A cadela da raça golden retriever é usada em atividades com crianças e adolescentes em um projeto do Corpo de Bombeiros de cinoterapia, terapia realizada com auxílio de cães

À disposição dos Bombeiros estão atualmente 9 cães. Thiago explica que todo cão serve para busca, inclusive o SRD. Hoje eles trabalham com labrador, pastor belga de malinois e golden retriever. "Porém, algumas raças se adequam melhor a diferentes finalidades. Qual o requisito para o cão fazer uma busca? Ter um bom olfato. Não existe ainda a raça perfeita para a busca, mas as que se adequam melhor são o labrador e o pastor belga de malinois. Nós precisamos de cães dóceis, que não podem atacar. O malinois é mais agressivo, porque é um cão de caça. Já o labrador, o ponto negativo é que é mais difícil para ele se adaptar ao nosso clima", explica.

A cadela da raça golden retriever foi doada e é usada em atividades com crianças e adolescentes em um projeto de cinoterapia do Corpo de Bombeiros, de terapia realizada com auxílio de cães, que acontece no Centro de Atendimento Educacional Especializado. A cinoterapia tem formação da união do prefixo grego “cino” (cão) ao radical “terapia” (tratamento) e é uma técnica que define o cão como um dos recursos terapêuticos, servindo como instrumento reforçador, estimulador e facilitador da reabilitação do assistido.

Cão enxerga o trabalho como brincadeira

Assim como na Polícia Militar, o Tenente ainda afirma que o cão vê todo o trabalho feito em parceria com os Bombeiros como uma brincadeira. "É tanto que na busca, nem sempre a gente localiza, porque nem sempre a vítima está naquela área. Então, caso a vítima não seja achada, temos que fazer uma brincadeira com o animal para que ele sempre saia ganhando. A brincadeira sempre acaba feliz".

O treinamento dos cães tem diversas fases. Uma dela é achar a vítima em caixas FOTO: Fabiane de Paula

O subcomandante ainda explica que o Corpo de Bombeiros trabalha há 10 anos com cães em serviços de busca. "A nossa ideia é achar a vítima viva, porém a estatística nos mostra que, em mais de 90% dos casos, infelizmente, a vítima já evoluiu para o óbito. Até configurar uma pessoa como desaparecida leva 24 horas e a nossa estrutura de canil só está em Fortaleza. Ou seja, se tiver uma ocorrência em Juazeiro do Norte, por exemplo, depois de 24 horas da pessoa desaparecida, aí vai ser mandada uma equipe de busca local do Corpo de Bombeiros. Se não encontrar, aí que acionam a gente aqui. Às vezes, quando é algo de muita repercussão, nós somos acionados pela Coordenadoria Integrada de Operações Aéreas (Ciopaer). Fizemos até treinamento com os cães para eles se adaptarem, já que é diferente de ser transportado na viatura".

Mais de 90% das ocorrências atendidas pela Seção de Busca, Resgate e Salvamento com Cães são vítimas em óbito na área de mata, de acordo com o tenente Thiago. "O treinamento é diferenciado para encontrar a vítima morta. O cão tem que estar preparado para todas as situações. Já aconteceu de um cão da gente, em uma prova de certificação, pois todo ano existe uma prova nacional para avaliar os cães do Corpo de Bombeiros, não encontrar uma mulher grávida. Como ele nunca tinha brincado com mulheres gestante nos treinamentos, aconteceu isso".

Os cães passam por provas de certificação do Corpo de Bombeiros anualmente FOTO: Fabiane de Paula

Atualmente 15 pessoas compõem a Seção de Busca, incluindo o tenente Thiago e o comandante major Francisco Tallys Pereira de Lima. O cão mais novo no canil tem dois meses. Quando o cachorro completa entre 5 e 7 anos, eles se aposentam. "O trabalho é muito físico, então ele se cansa", explica o Tenente. O condutor do cão tem prioridade e geralmente o leva para casa, após a aposentadoria.

O treinamento com os animais acontece às segundas, quartas e sextas-feira pela manhã. "Tem treinamento com o bombeiro, de obediência e operacional. Varia de acordo com o dia. Um veterinário, que é o major Alexandre, que já foi comandante do 1º Grupamento de Bombeiros, ainda nos dá um suporte, além de três bombeiros do nosso canil que estão cursando Veterinária", finaliza.