Diário do Nordeste Plus

Depressão X Tristeza

saber a diferença é fundamental

Mudanças em critério internacional de classificação da doença podem estar levando muitos pacientes a serem tratados indevidamente

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Texto: Germano Ribeiro

É comum entre pessoas leigas confundir a tristeza, um sentimento até necessário do ser humano, com depressão, esta sim uma doença que precisa ser tratada devidamente. Contudo, a origem da confusão pode estar justamente nos critérios adotados para diagnosticar o problema, alterados há 35 anos, justamente quando o número de casos registrados passou a crescer em grande escala.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 350 milhões de pessoas sofrem de depressão em todo o mundo. Muitos destes pacientes perdem anos de produtividade em suas vidas tradando do problema com remédios e terapia. O que poucos sabem, é que há um crescente número de especialistas que questionam os critérios de classificação da doença.

Considerando a imprecisão dos fatores que levam ao diagnóstico da depressão, há pesquisas que indicam que de 80% a 90% dos casos relatados da doença são falsos. A classificação mudou com a criação, em 1980, do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, na sigla em inglês) III. A depressão passou então a ser classificada como “maior” ou “leve”.

Num editorial da Revista Brasileira de Psiquiatria, Gordon Parker, da Escola de Psiquiatria da Universidade de New South Wales, em Sydney, Austrália, defende que esses critérios são problemáticos. Segundo ele, as novas regras “indicam que os indivíduos que cumprem os critérios para serem diagnosticados com depressão maior podem ser classificados também como 'com melancolia', se acaso cumprirem os diversos critérios”, alertou.

O psiquiatra defende que os critérios são vagos e podem levar a diagnósticos equivocados. Em um deles por exemplo, Parker compara que seria “algo parecido como definir futebol enquanto 'não tênis'. Estudos empíricos demonstram que a frase é interpretada pelos médicos de diversas formas”, ressalta.

Assim, torna-se fundamental entender a diferença entre depressão e tristeza comum. A OMS define depressão como um transtorno mental comum, caracterizado por tristeza, perda de interesse, ausência de prazer, oscilações entre sentimentos de culpa e baixa autoestima, além de distúrbios do sono ou do apetite. Também há a sensação de cansaço e falta de concentração. De acordo com a organização, pelo menos 5% das pessoas que vivem em comunidades sofrem desse mal.

Contudo, a organização também define algumas diferenças entre alterações de humor mais comuns. “Depressão consiste num sentimento de tristeza prolongada por duas semanas ou mais e interfere na capacidade de exercer atividades no trabalho, na escola ou em casa”.

Reconhecendo a diferença

Charles Hodges Foto: Divulgação

Segundo o médico norte-americano Charles D. Hodges Jr., especialista em saúde da família e geriatria, com grande experiência nestes casos, não distinguir as diferenças pode ser perigoso. “Nós confundimos uma tristeza normal com a depressão. Os pacientes que tiveram uma perda significativa na vida e que lutam contra a tristeza por causa desta perda muitas vezes são diagnosticados como deprimidos e tratados com medicação”, alerta.

Para ele, “a diferença entre uma simples tristeza e a depressão é a diferença entre a tristeza normal e tristeza advinda de um distúrbio”, disse em entrevista por e-mail. “A tristeza normal ocorre com uma perda de qualquer espécie. Ela permanece até que a perda seja restaurada ou até que o paciente se adapta à perda. Já quela causada por um distúrbio vem sem nenhuma razão específica que possamos discernir”, explica.

“Se ele conseguir dizer quando ficou triste e qual foi sua perda, então é provável que ele tenham uma simples tristeza e não depressão”
Charles D. Hodges Jr.

Clinicamente, é possível saber a diferença conversando com o paciente. “Se ele conseguir dizer quando ficou triste e qual foi sua perda, então é provável que ele tenham uma simples tristeza e não depressão. Se eles não puderem dizer o que aconteceu com eles ou quando, então eles podem ter uma desordem emocional”, resume.

Charles D. Hodges Jr. Esteve em Fortaleza em setembro passado para lançar no País o livro “Depressão e Transtorno Bipolar: ajuda e esperança para um tratamento eficaz”. A obra discute se estas duas enfermidades são realmente epidêmicas atualmente ou apenas o resultado de um sobrediagnóstico, termo utilizado na medicina para referir-se a conclusões equivocadas sobre a saúde de um paciente.

Cuidando do corpo e do espírito

Com formação também em teologia, o médico também ressalta a importância de tratar do assunto numa perspectiva cristã, tanto para o entendimentos do problema quanto para a aceitação da tristeza como algo positivo no longo prazo e a busca de um tratamento. Em um dos capítulos do livro, o autor usa o exemplo de sofrimento,tristeza e esperança de Jesus Cristo.

“As questões espirituais são sempre importantes no tratamento de uma doença”, disse. Hodges citou um estudo feito com dois grupos de indivíduos deprimidos, ambos tratados com antidepressivos. Num deles, as pessoas diziam não acreditar num Deus que se importava com elas. No segundo, elas informaram que criam em Deus e que Ele se preocupava com elas. “Aqueles que acreditavam num Deus que se preocupava eram 75% mais propensos a melhorar do que aqueles que não acreditavam”, destacou.

Acompanhamento é fundamental

Tanto a depressão, devidamente diagnosticada, quanto um sentimento de tristeza prolongada deve ser devidamente tratado. Para isso, o acompanhamento profissional é fundamental para lidar com os problemas. “A tristeza tem uma causa, seja porque se perdeu um ente ou foi demitido, por exemplo. Há um certo luto e isso é normal, até necessário para superar a situação”, explica a psicóloga Roberta Costa. “Mas é preciso que esse tempo não seja muito longo”, complementa.

“Se sua vida paralisar e não for adiante, isso merece uma atenção. É o caso de de procurar ajuda profissional, tanto um psicólogo quanto um psiquiatra”, destaca. Segundo ela, como o problema tem origem emocional, é fundamental um acompanhamento psicológico. “Mas também é bom procurar um psiquiatra pois, dependendo do caso, pode ser necessário o uso de algum medicamento”, explica.

Roberta Costa também alerta que é comum confundir tristeza com depressão. Contudo, assim como situações mais simples não devem ser tratados como uma enfermidade mais séria, casos devidamente diagnosticados não podem ser menosprezados. “Se a pessoa estiver triste sem motivo aparente, desmotivado para fazer coisas que antes tinha prazer, se perder o interesse sem nenhum motivo, isso merece atenção”, destaca. “Depressão é uma doença séria”, finaliza.

Tratando a depressão

A depressão pode ser de longa duração ou recorrente. Na sua forma mais grave, pode levar ao suicídio. Casos de depressão leve podem ser tratados sem medicamentos, mas, na forma moderada ou grave, as pessoas precisam de medicação e tratamentos profissionais. A depressão é um distúrbio que pode ser diagnosticado e tratado por não especialistas, segundo a OMS. Mas o atendimento especializado é considerado fundamental. Quanto mais cedo começa o tratamento, melhores são os resultados.

“Temos alguns tratamentos muito eficazes para combater a depressão. Infelizmente só metade das pessoas com depressão recebe os cuidados de que necessitam. De fato, em muitos países, o número é inferior a 10%”, disse o diretor do Departamento de Saúde Mental e Abuso de Substâncias, Shekhar Saxena. “É por isso que a OMS está trabalhando com os países na luta contra a estigmatização como ato essencial para aumentar o acesso ao tratamento”, completou.

Vários fatores podem levar à depressão, como questões sociais, psicológicas e biológicas. Estudos mostram, por exemplo, que uma em cada cinco mulheres que dão à luz acaba sofrendo de depressão pós-parto. Especialistas recomendam que amigos e parentes da pessoas que sofrem de depressão participem do tratamento.