A Capital do Ceará começou a surgir em 1654, em torno do Forte de Nossa Senhora de Assunção. A história é conhecida pelos moradores da cidade. No entanto, apesar de ter ganhado fama mundialmente como um destino de belas praias, demorou para que os cearenses valorizassem sua fachada marítima. É o que explica Aírton de Farias, professor e doutorando em História pela Universidade Regional do Cariri (URCA) e Universidade Federal Fluminense (UFF). No aniversário de 291 anos de Fortaleza, celebrado nesta quinta-feira, dia 13 de abril, reunimos pesquisadores para relembrar fatos poucos conhecidos ou desconhecidos sobre a cidade. Confira a lista:
Fachada marítima desvalorizada

Mil pessoas morreram em 24 horas
Fortaleza viveu uma seca entre os anos de 1877 e 1879 que secou os reservatórios de água da cidade e trouxe graves efeitos sanitários para a população. A estiagem expulsou mais de 100 mil sertanejos para a Capital, que até então tinha cerca de 30 mil habitantes. A maior parte desses retirantes ficou em abarracamentos nos subúrbios. Vivendo em condições sub-humanas, a multidão foi atingida por uma violenta epidemia de varíola, que logo se alastrou pela cidade.
No ano de 1878, a data de 10 de dezembro ficou marcada como o "dia dos mil mortos". Naquele dia, 1004 pessoas morreram por conta da doença. "Os cadáveres eram empilhados sem qualquer medida de precaução e transportados em carroças por coveiros completamente embriagados. A ingestão de cachaça era uma forma de evitar o mal-estar causado pelo terrível odor que emanava dos corpos. Muitos ficaram insepultos, não havia tempo nem lugar para enterrá-los", contou a pesquisadora e blogueira Fátima Garcia. Ela guarda em casa um acervo de cerca de 120 títulos sobre Fortaleza. Sua pesquisa começou em 2005, quando fez um mestrado na Universidade Federal do Ceará (UFC), que tinha a cidade como tema de sua dissertação. Naquela época, com a falta de informações na internet, começou a adquirir livros, a maioria em sebos ao redor do Brasil, sobre a Capital cearense. Quando terminou o trabalho, achou que as informações mereciam ser compartilhadas. Por isso, hoje, alimenta um site que mostra detalhes de uma Fortaleza desconhecida por muitos.
Fortaleza sofreu influência francesa

Nomes das ruas: iniciativa da população
Os nomes das ruas da cidade eram dados por iniciativa da população e adotados pelo poder público. No dia 18 de março de 1817, em sessão realizada na Câmara, foi aprovada a decisão de se colocar letreiros indicando a denominação da via. "Assim no ano seguinte, já se podia ler os nomes das ruas, colocadas nas esquinas das vias públicas da Vila: Rua do Rosário, da Palha, da Cadeia, Nova da Palha, de Cima, do Açougue, das Flores, do Monteiro, do Riacho, Nova da Boa Vista, do Pocinho, do Boticário, das Almas, da Cacimba dos Meirinhos, do Chafariz, do Quartel, e outras", comenta Fátima.
Em 1861, foi aprovada pela Câmara uma resolução para que se fizessem tabuletas para identificação dos nomes das ruas e travessas da cidade. A Rua do Rosário é a rua com a denominação mais antiga de Fortaleza.
Leis curiosas

A visita do Maestro Carlos Gomes
Uma visita a Fortaleza do maestro Carlos Gomes, importante compositor de ópera brasileiro, terminou em uma situação vergonhosa, de acordo com relatos do historiador Raimundo Girão no livro "Geografia Estética de Fortaleza" e contado por Fátima. O músico recebeu um convite de intelectuais e de pessoas cultas da cidade que queriam prestar-lhe uma homenagem. Levaram-no para o Teatro São Luiz (localizado no Passeio Público, esquina das Ruas Formosa com a da Misericórdia; atuais Barão do Rio Branco com Dr. João Moreira), onde a Banda do 15° Batalhão do Exército, apanhada de surpresa e mal ensaiada, torceu, ofendeu e assassinou a ouverture de “O Guarani”.
"De pé, braços cruzados à entrada do camarote presidencial, o maestro assistiu impassível e com rara elegância, à tortura da sua obra prima", ressaltou ela.
Bondes elétricos começaram a circular em 1913

Projeto Ruas Biográficas conta a história por trás de placas
Emmanuel Montenegro resolveu criar um projeto no Instagram para contar as histórias por trás dos nomes das placas da cidade. O perfil @ruasbiograficas surgiu em 2014 e hoje já conta com mais de 3.700 seguidores, que, de acordo com o jornalista responsável pela página, interagem e marcam os amigos quando veem suas ruas retratadas na plataforma digital.
Uma das primeiras vias que Emmanuel resolveu contar a história foi da Rua Vicente Leite, local onde morou por anos, depois que se mudou de Iguatu para Fortaleza, e nem imaginava quem tinha sido aquela figura que emprestava seu nome ao endereço.

"Ele é um grande artista plástico impressionista, nascido no Crato. Ainda soldado raso do Governo do Ceará, Vicente Leite buscou apoio junto ao Estado, no intuito de cursar a Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, e foi agraciado com uma bolsa de estudos pelo então presidente da Província do Ceará, João Tomé de Sabóia e Silva, transferindo-se para a capital fluminense, onde ingressou no curso de Pintura Livre", contou o jornalista, que, para atualizar o perfil todos os dias, faz pesquisa na internet e em livros.
"Outra via que traz uma história interessante é a Avenida Dr. Dolor Barreira, que também dá nome à Biblioteca Pública de Fortaleza. Nascido em Cachoeira (atual Solonópole), em 1893, Dolor Uchoa Barreira, bacharel pela Faculdade de Direito do Ceará, era sócio efetivo do Instituto do Ceará; da Academia Cearense de Letras, que presidiu no período de 1952-1954, e diretor da Casa Tomás Pompeu. Sua biblioteca, que contava com acervo de 3 mil livros, foi doada ao Município, constituindo a Biblioteca Municipal Dolor Barreira, situada na Avenida da Universidade, no bairro Benfica, e que possui hoje cerca de 29 mil títulos nas diversas áreas".
Estrada que liga Fortaleza a Maranguape

Fundação de Fortaleza é alvo de polêmicas
A historiografia sobre a fundação de Fortaleza é alvo de polêmicas. A história do final do século XIX e começo do século XX considerou a atual Barra do Rio Ceará como o local onde a capital cearense nasceu, atribuindo o feito a Martim Soares Moreno e ao Forte de São Sebastião. Nos anos 1960, porém, essa concepção foi questionada por Raimundo Girão. Aírton de Farias explicou: "Para Raimundo Girão, o núcleo original da cidade estaria no Forte Schoonenborch, construído em 1649, por ordem do capitão flamengo Matias Beck. A tese de Girão provocou enorme polêmica, sendo ardorosamente combatida por conservadores católicos, gerando debates até hoje. No fundo, havia uma disputa de memórias. Os conservadores não viram com bons olhos a tese da primazia holandesa por um princípio de civilização, pois, caso aceita a abordagem de Girão, se atribuiria a um evangélico, um calvinista, a criação do povo cearense”.