Diário do Nordeste Plus

Tempos
de glória

Cinco times que brilharam no cenário do futebol cearense hoje amargam décadas sem a conquista de um título estadual

Publicidade

Texto: Bruna Salmito

Equipes que se destacaram no cenário de ponta do futebol local e conquistaram o máximo do futebol cearense experimentam hoje certo descontento enquanto lutam por dias melhores. América, Calouros do Ar, Ferroviário, Maguary e Tiradentes foram exilados da Primeira Divisão do Campeonato Cearens e vêm amargando, há pelo menos duas décadas, a falta da conquista do título de campeão estadual. Devido a diversas circunstâncias, os times que brilharam no passado enfrentam dificuldades na nova realidade no futebol cearense.

Dias de incerteza

Ferroviário x América, 1982. Foto: J. Justino

Apesar de estar classificado na terceira divisão do futebol cearense atualmente, o Mequinha, apelido carinhoso do América Football Club, passa por situações bem complicadas, realidade bem diferente de outrora. Fundado em 1920, o tradicional América já foi duas vezes campeão estadual. A primeira conquista veio em 1935, em partida contra o Maguary, e em 1966, 31 anos depois, contra o atual Campeão do Nordeste, o Ceará. Após 29 longos anos da segunda conquista, o time consagrado duas vezes campeão do Ceará foi rebaixado em 1997 para a Segunda Divisão do Campeonato Cearense. Em 2004, foi outro ano de rebaixamento para o América, que agora saía da B para a Série C do Cearense. Em 2008, o Mequinha que foi obrigado a pedir licença à Federação Cearense de Futebol (FCF), por não encontrar parcerias que o permitissem disputar a famigerada e deficitária Terceirona em 2008.

"São dois títulos estaduais. É uma tristeza pensar na nossa situação atual. O América está ameaçado de não participar do Cearense de 2016 por questões financeiras" Assessoria do América Football Club
América Futebol Clube, 1966.

Para a assessoria do clube, é com muita tristeza que um time que pertenceu à elite do futebol local está em tal momento. "São dois títulos estaduais. É uma tristeza pensar na nossa situação atual. O América está ameaçado de não participar do Cearense de 2016 por questões monetárias. Atualmente, não temos apoio financeiro, os times são formados nas vésperas, utilizando grêmios recreativos de empresas particulares quando nos preparamos para os certames. Não temos sede, campo para treino, nada. Conseguimos esse apoio que foi muito importante ano passado, mas não sabemos como vai ser no próximo ano", afirma.

O apoio, não financeiro, mas um impulso para o retorno à atividade, veio após a conquista do título de campeão da Série C do Cearense em 2013 sobe o Barbalha, conquista de um título (mesmo que fora da elite estadual) em mais de 40 anos de jejum. O América pôde, enfim, ter local para treinar, infraestrutura, alimentação e elenco reforçado por jovens atletas. O time vinha de dez anos seguidos na Terceira Divisão e agora está na Série B.

Do rádio aos corações

O Maguary também coleciona importantes capítulos na história do futebol cearense. Fundado em 24 de junho de 1924, o também chamado de “Clube dos Príncipes”, foi um dos mais elitizados do Estado, criado com o objetivo de ser um time de integração para funcionários e patrões da Agência Benzold, da empresa "Saunders, Barbosa & Cia”, entrando para o cenário profissional como Sport Club Maguary. A primeira disputa do Estadual foi em 1927. Dois anos depois veio a primeira conquista do título Estadual, em 1929.

Em 1936 houve o segundo título do Cearense. Sete anos depois, em 1943, veio o terceiro e, em 1944, o Maguary se consagrava bicampeão do Campeonato Cearense no estádio Presidente Vargas, obtendo o quarto título estadual. O campeonato de 1944 foi conquistado de forma invicta, o que fez do Maguary o franco favorito ao título de 1945. A diretoria do clube investiu pesadamente para ganhar o tricampeonato. Apesar da expectativa e esforço, a conquista daquele ano foi do Ferroviário. A comoção foi tal que o clube entrou numa grande crise, resultando na extinção do seu departamento de futebol. Sua torcida acabou "migrando" principalmente para o Fortaleza.

“Todo mundo imaginava que o Maguary tinha uma obrigação de ser campeão cearense. E esse campeonato de 45 foi marco. Nessa época, o time estava investindo muito, tinha comprado uma quadra de terra na Barão do Rio Branco, onde estava construindo a sua nova sede, era o time de maior torcida no Estado, além de ser uma referência em vários esportes. Na final de 45, acabou perdendo para o Ferroviário. Isso marcou muito o Maguary. Por duas razões: os seus diretores e associados, que pensavam que era obrigação o Maguary ser o campeão de 45, já que tinha sido feito um grande investimento; e os jogadores, que tinham sido contratados justamente para a conquista do tri. Então, com a perda do título, a diretoria decidiu sair do futebol. Eu imagino que parte da decisão tenha a ver com os gastos que foram feitos. Então o time se afastou do futebol”, destaca Aguiar Jr, atual presidente do Maguary.

Time bicampeão do Maguary (1943 e 1944). Foto: Arquivo Maguary
"A final de 45 marcou de duas razões: os seus diretores e associados, que pensavam que era obrigação o Maguary ser o campeão de 45, já que tinha sido feito um grande investimento; e os jogadores, que tinham sido contratados justamente para a conquista do tri." Aguiar Jr.

Em 1972, a diretoria realizou uma tentativa de volta aos gramados. A experiência durou 3 anos e em 14 de agosto de 1975, o clube extinguiu-se definitivamente e sua sede foi vendida para a Companhia Energética do Ceará (Coelce). “Teve uma crise grande, dificuldade de manter a estrutura do clube, impostos e salários atrasados. Surgiu a Coelce e adquiriu a sede, hoje é a subestação Maguary. O clube acabou fechando, vendeu os bens, pagou todas as contas e dividiu o valor entres os gestores”, destaca Aguiar.

Prédio da antiga sede do Maguary, no centro de Fortaleza - Arquivo Maguary
Time Bicampeão de 1943 e 1944 - Arquivo Maguary
Garotos do time de base do Maguary em 1973 - Arquivo Maguary
Certificado de campeão do título de 1936 - Arquivo Maguary
Concurso realizado pelo jornal UNITÁRIO constata que Maguary é Maior torcida do Ceará

Em uma nova jogada de amor pela camisa, o clube retornou ao futebol cearense em 2009, sob a presidência do advogado Aguiar Júnior, onde vem disputando os campeonatos de base. “A dificuldade ainda existe. Nós não temos espaço, não temos apoio financeiro. A torcida, parte importante, é conquistada de geração em geração. Se não temos espaço, não teremos torcedores. Os times do interior têm apoio do governo e nós não. Só para jogarmos no PV, para entrarmos, é R$ 2.500, independente de ser time de Série A, Série B, Série C. O custeio com uma partida é pelos R$ 4 mil. Não tem condições", revela o presidente.

Além das conquistas no futebol, o Maguary também entrou para a história da radiofonia cearense ao participar em 24 de dezembro de 1939 da primeira transmissão radiofônica de um jogo, pela Ceará Rádio Clube. Mesmo afastado dos gramados,o Sport Club Maguary continuou com forte presença na sociedade alencarina. Entre os destaques estão a eleição da Miss Maguary Emília Correia Lima, em 1955, que posteriormente foi também eleita "Miss Brasil".

No fundo do poço

Time Calouros do Ar de 1958.

Fundado no dia 1° de janeiro de 1952, o Calouros do Ar Futebol Clube ostenta como maior brilho a conquista do Cearense de 1955. Conhecido como Tremendão da Aerolândia, o time era formado por aspirantes a oficiais aviadores que chegavam à Base Aérea de Fortaleza, anualmente. Seus atletas tinham apoio do Comando da corporação. Após um ano da sua fundação, o Calouros estreia no futebol tradicional, em dia 10 de maio de 1953.

Calouros do Ar x Ceará, em 28.09.1980. Placar: 2 x 2. O gol de Cláudio Silva, jogador do Calouros do Ar, foi escolhido pelo público como o mais bonito do quadro "O Gol do Fantástico", daquele Domingo. Foto: Reprodução vídeo

No ano seguinte, em 1954, ocorria um importante acontecimento que impulsionaria a carreira do Tremendão: o jogo contra o Botafogo de Futebol e Regatas. Na épica partida, o diretor do Ceará, Ivonísio Mosca de Carvalho, trouxe a Fortaleza o time carioca e seus craques para comemorar os 40 anos do Ceará (1914-1954). Porém, após problemas no calendário dos times dos dois estados, o Botafogo jogou com o Calouros do Ar Futebol Clube, com Garrincha, faltando Didi e Nilton Santos. O resultado: o time cearense vencia o sulista por 1 a 0, com gol aos 40 minutos do segundo tempo anotado por Gilberto Ciarlini, placar suficiente para que o clube de oficiais da Base ganhasse destaque nas tordas e corações cearenses.

Após a vitória contra o Botafogo em 54, o clube ganhou respeito perante os adversários cearenses e, no ano seguinte, em 1955, avançava no Estadual. Venceu o segundo turno do torneio e enfrentou o Ferroviário na final, em três partidas. Na primeira, ganhou do Ferrão por 2 x 0. Na segunda goleou o Ferroviário por 3 x 0. Na última, venceu por 2 x 0 com gols de Zezinho e Zuzinha, conquistando pela primeira vez o título de campeão Cearense.

Ceará x Calouros do Ar, 1982. - Foto J. Justino
Parte do time Calouros do Ar de 1967
Time Calouros do Ar de 1958. - Foto Arquivo Diário do Nordeste
Time Calouros do Ar de 1985
Treino Calouros do Ar na Vila Olímpica do Parque Genibaú, 2008 - Foto João Luiz

Atualmente, o Calouros enfrenta grandes dificuldades. O time não possui sede própria, campo de treinamento nem apoio aos atletas. O time só consegue participar do Cearense com ajuda de empresas locais. Ano passado veio contando com o apoio de uma farmácia da Capital, que cedeu o grêmio para que os atletas usassem. “É muito, muito triste ver um time que já se destacou como o Calouros. A situação é muito ruim. A gente não tem o apoio de ninguém, governo também não ajuda. Então, temos que retirar do nosso bolso, que já não tem. Só para jogar uma partida fora, gastamos uns R$ 10 mil com passagens e hospedagem para os jogadores, entrar no estádio e pagar assistência médica. é triste ver isso”, destaca Eudásio Barroso, diretor de futebol profissional do Calouros do Ar.

De acordo com o diretor, a situação só não é pior por que conta com a compreensão dos próprios jogadores. “Eles não ganham nada, o que já fizemos foi dar entradas para a partida. E eles sempre perguntam sobre o jogos, ligam para saber como estamos de competição. É realmente bem triste. Aqui, diretor é presidente, é mãe, pai, é tudo. Uma grande perda que tivemos foi a morte de Wambar Menescal, símbolo do clube torcedor, que faleceu recentemente, há 3 meses”, enfatiza Barroso.

Futuro ameaçado

América x Tiradentes, 1985. Foto: Eduardo Queiroz

Mantido por policiais militares da Polícia Militar do Estado do Ceará, a Associação Esportiva Tiradentes foi fundada em 15 de setembro de 1961. O time, conhecido também como Tigre da Polícia, teve seu início como um clube de interação para os agentes. O mascote não poderia ser mais apropriado: um tigre guerreiro.

Somente em 1966 foi que o Tiradentes disputou pela primeira vez o Campeonato Cearense, começando na Segunda Divisão. Três anos mais tarde, em 1969, sobe para a elite do futebol local, ficando na quarta colocação da Série A. 23 anos depois, veio a primeira e grande conquista do Tigre: o título de campeão do Estado ao lado de Fortaleza, Ceará e Icasa Esporte Clube. Após a conquista, o Tiradentes conseguiu o título de campeão da Segunda Divisão em 2004 e 2010. Em 2013 depois da boa campanha no Estadual (ficou na quinta colocação, superando times tradicionais, como o Ferroviário), o clube conseguiu espaço e ficou na Série D. No mesmo ano foi iniciada a construção da Arena do Tigre. Esse ano, o time o venceu o torneio da Série B do Cearense e se prepara para disputar a Série A do Estadual em 2016. Além das conquistas no campeonatos sub 20.

A exemplo de Maguary, Calouros e América, um dos grandes problemas para o Tigre são os custos para a realização das partidas, situação que o faz ter um grande prejuízo toda vez que atua como mandante. De acordo com o subtenente Fernandes, presidente do clube, para atuar em determinados estádios, o time tem que pagar mais de R$ 2 mil por partida, além de assistência médica, ambulância com desfibrilador e mesa de árbitros. “Uns R$ 6 mil é o que a gente gasta. É muito dinheiro só para o time poder jogar. Se não fosse pelo apoio dos policias militares, não dava. E não sabemos como vamos ficar em 2016, já que a Federação já possui outros critérios. O futebol só vai se fortalecer se as pessoas acreditarem. Hoje o futebol cearense está mais complicado. Mas vamos jogar, esperamos fazer um campeonato para conseguirmos o nosso objetivo, que é chegar à Série B do Brasileiro ”, destaca Fernandes.

De aço e ferro

Final Fortaleza x Ferroviário, 1988. O Ferroviário conquista seu 7º título do estadual com um gol de pênalti. Foto: Stênio Saraiva

Fundado por operários ferroviários em 1933, o Ferroviário Atlético Clube teve em 1945 o seu primeiro título de campeão do Campeonato Cearense, após vencer para o Maguary em partida famosa: o título, que era favorável ao “Time dos Príncipes”, acabou caindo nas mãos do Ferrão, o que causou a saída do rival do futebol. O clube é fruto da junção das equipes Matapasto e Jurubeba.

Em 1946, o Ferroviário disputa o bicampeonato com o Fortaleza, sendo derrotado pelo Leão. No ano seguinte, ambas as equipes disputaram mais uma vez a final. No primeiro jogo, a vitória do Fortaleza por 4x1. Na segunda partida foi empate de 3x3 só que com contestação dos corais, pois um atleta acabou sendo expulso por reclamação.

Em 1950 o Ferrão conquista mais um estadual, com três pontos na frente do Fortaleza. Após um vice-campeonato em 51, o Ferrão retorna aos trilhos no ano seguinte e conquista o terceiro título de campeão Cearense após uma emocionante sequência de 4 jogos improváveis contra o Ceará. No dia 11 de janeiro de 1953, o Ceará comemorava o título cearense em cima do Ferroviário. Em 1968 vence mais um estadual quebrando um longo jejum de títulos desde 1952. O começo da década vem com mais uma conquista coral com o título de 1970. De 1971 a 1977, o Ferroviário não consegue retornar ao primeiro lugar do Estadual, ficando nas segundas e terceiras colocações. O jejum chega ao fim em 1979, com a ajuda do treinador Urubatão Calvo Nunes.

Em 1980 chega à final numa melhor de três, no dia 20 de novembro de 1980 o Ferroviário vence o Ceará no Castelão no primeiro jogo da melhor de três. Bibi (filho de Didi) encheu o pé e fez um gol de placa e o da vitória por 1–0 logo depois aconteceu um terremoto em Fortaleza ficando marcado para sempre na memória dos corais essa partida, mas depois perde o campeonato de 1980 e 1981 para o Ceará e 1982 e 1983 para o Fortaleza. Em 1984 tem um queda ficando em oitavo lugar de dez que disputaram. Em 1985, 1986 e 1987 ocupa a terceira colocação do estadual, sendo que em 1985 tem o artilheiro do estadual Luisinho das Arábias com 24 gols. Em 1988 quebra o jejum de 9 anos com o gol de Marcelo Veiga de pênalti contra o Fortaleza, no ano seguinte perde o estadual para o Ceará.

Em 1993, o Ferroviário fica com a quarta colocação da Série A, já preparando o time para o bicampeonato que viria com a dobradinha 1994/1995. Naquele 95, o Ferroviário contava com um grande time, que tinha o lateral Marcelo Veiga. Anos depois, em 1999, o Ferroviário fica no sétimo lugar geral.

Ferroviário x Calouro do Ar, 1987 - Arquivo Diário do Nordeste
Ferroviário x Calouro do Ar, 1987 - Arquivo Diário do Nordeste
Ferroviário x Quixadá,1992 - Arquivo Diário do Nordeste
Final Fortaleza x Ferroviário, 1988 - Foto Stênio Saraiva
Final Fortaleza x Ferroviário, 1988 - Foto Stênio Saraiva
Final Fortaleza x Ferroviário, 1988 - Foto Stênio Saraiva

Em 2014 o pesadelo coral se confirma: pela primeira vez em sua história o time é rebaixado para a série B de 2015, junto com Tiradentes e Crato. Em 2015, o Ferroviário disputou, pela primeira vez em sua história, a Série B do Campeonato Cearense. Depois de uma fraca campanha, terminou a classificação em 6º lugar, não conseguindo o sonhado acesso.

Além do sucesso nos gramados, o Ferroviário sempre foi um celeiro de craques no campo. Craques como Mirandinha, Jardel, Mota, Iarley, foram revelados nas bases do clube coral.