Diário do Nordeste Plus

Maternidade sem romantismo

Mulheres abrem o coração e falam, sem papas na língua, sobre os desafios de se tornar mãe

Texto: Jacqueline Nóbrega

A maternidade real e os desafios que a mulher enfrenta antes, durante e depois da gestação são cada vez mais discutidos, seja em grupos de apoio presencialmente ou nas redes sociais. Na contramão, a internet pode não ser uma aliada para mostrar a realidade do período, como, por exemplo, no caso da atriz Deborah Secco, que, em dezembro de 2015, postou uma foto da barriga sarada em seu perfil no Instagram pouco mais de 10 dias após dar à luz, o que levantou uma discussão sobre a pressão para as progenitoras voltarem à boa forma em tempo recorde.

Deborah Secco compartilhou com os seguidores do Instagram a imagem da barriga sarada, poucos dias após o nascimento da filha Foto: Reprodução/Instagram

Em fevereiro deste ano, o “Desafio da Maternidade” também repercutiu na internet. A proposta da corrente virtual era convidar mulheres a postarem fotos felizes da maternidade. No entanto, um depoimento escrito no Facebook pela jovem de 25 anos Juliana Reis, de Nova Iguaçu (RJ), que descreve sua real experiência como mãe, virou polêmica. "Vou lançar outro desafio, o desafio da maternidade real. De tudo o que as mães passam e as pessoas não dão valor, como se toda mulher já tivesse sido programada para viver isso. Postem fotos de desconforto com a maternidade e relatem seus maiores medos ou suas piores experiências para que mais mulheres saibam da realidade que passamos. Dizem que no final sempre acaba tudo bem, mas o meio do processo é lento e doloroso", dizia um trecho do texto.

É geralmente também no mundo virtual que acompanhamos mães, famosas ou não, que compartilham somente a versão “perfeita” da maternidade. A psicóloga Krys Rodrigues concorda que os perfis pessoais nas redes sociais não são obrigatoriamente o local para a mãe compartilhar os desafios da maternidade. É por isso que ela, como profissional, doula e mãe recomenda que as mulheres procurem grupos de apoio para compartilhar esse momento da vida.

“Um momento delicado, como é o pós-parto, tanto em nível hormonal como emocional, porque é uma mudança de rotina, sem um apoio coletivo, fica muito difícil. É por isso que nós vemos aumentar índices, por exemplo, de depressão pós-parto e de transtornos de ansiedade”, explicou a psicóloga, que é integrante da Equipe Maiêutica, que além de oferecer serviços como consultas de pré-natal, amamentação e cuidados com bebê, promove cursos, oficinas e rodas de gestantes e puérperas, que são abertas ao público.

“Um momento delicado, como é o pós-parto, tanto em nível hormonal como emocional, porque é uma mudança de rotina, sem um apoio coletivo, fica muito difícil”.Krys Rodrigues
Krys Rodrigues é psicóloga e doula. Na imagem, ela posa com o filho Foto: Reprodução/Instagram

“Existe um grande apelo midiático em torno dessa figura ideal da mulher e a gente foi comprando. As pessoas só mostravam a parte boa da maternidade. Se a televisão está dizendo que é possível, você não ser uma mãe perfeita é um fracasso. Por exemplo, no Facebook, geralmente as pessoas postam em sua timeline somente fotos de momentos felizes. Eu não sou contra isso, até porque ninguém é obrigado a compartilhar tragédias. Defendo que as pessoas tenham lugares para discutir sobre o assunto, sejam eles virtuais ou em grupos pessoalmente”, completou ela, que é administradora do grupo do Facebook Criação com Apego em Fortaleza, criado com a função justamente de unir mulheres e discutir os mais variados assuntos sobre a maternidade.

Campanha de amamentação

Em 2009, a cantora Claudia Leitte foi escolhida para ser a madrinha da Semana Mundial da Amamentação. A divulgação, ainda que trate de um tema relevante e enumere os benefícios do leite materno para as crianças, mostra uma mãe linda, magra, loira e maquiada, amamentando seu filho. O exemplo foi citado por Krys Rodrigues.

“A Claudia Leitte aparece em um fundo ‘clean’, em uma posição idílica amamentando, que mostra a maternidade como um paraíso. Eu não tinha gostado daquela propaganda, me incomodou, por algum motivo e depois que eu pari, durante o puerpério, eu lembrava daquele vídeo e pensava que tinha dias que eu não conseguia nem escovar os dentes direito… Queria tomar um banho de mais de três minutos e não dava. Pari há quatro anos e não voltei a pintar o cabelo. A nossa cultura em cima da mulher está cada vez mais cruel, porque nós temos que ser tudo. A mulher tem que ser uma excelente mãe, esposa, profissional e a casa tem que está em ordem. Ela só está agregando mais ocupações e não dá”, relata.

Apesar de ser envolvida na causa, a psicóloga confessa que se aprofundou no tema somente após a gravidez. Antes, sua única vivência de maternidade era com a família e dentro da sua profissão, já que trabalhou com crianças durante bastante tempo.

A Equipe Maiêutica promove rodas de conversas para pais e mães Fotos: Roberta Martins

“Uma das grandes razões da gente ter montado esse grupo de puérpera, através da Equipe Maiêutica, foi justamente porque na minha gravidez eu convivi com mulheres que tiveram bebês. Ao invés de fazer amizade com grávidas, fiz com quem tinha acabado de parir e vi a realidade nua e crua. A vivência com outras mulheres que estavam passando pelo puerpério, me ajudou no meu puerpério. Eu não tive um puerpério com problemas. Não é que foi fácil, mas eu não me preparei para ser fácil. Eu me preparei para ser até mais difícil do que foi. Fui preparada, sim, para ter muitas noites em claro, mas não tive. Não botei meu filho no berço, ele dormia na cama compartilhada comigo, e isso me ajudou nas ‘levantadas’ da madrugada e na minha sanidade mental. Eu me muni muito de informações, tanto teóricas quanto práticas, e formei uma rede de apoio importante para me ajudar”, relata, sobre sua experiência.

Pais ativos

Krys Rodrigues destaca que assim como existem as rodas de conversa para as mães, os pais também devem procurar grupos de apoio. “Os pais mostraram nas rodas de gestantes, que a gente já fazia, interesse em fazer uma roda focada neles. Tem um psicólogo da equipe que facilita a conversa. O mais interessante é que começamos a receber o feedback das mulheres de como essas rodas com os homens estavam ajudando na maternidade delas. Eles compreendem melhor algumas questões, extravasam suas angústias…Estamos em um momento em que a atitude do pai de ajudar a mulher é superlouvável. Mas pai não é para ajudar, é para compartilhar. Ele deve ter a mesma contribuição”.

“Temos que estar preparadas para a maternidade real e para os desafios. E mais do que qualquer outra coisa, as mulheres têm que se apoiar e não ficar apontando o dedo no olho da outra, questionar se o parto foi natural ou cesárea, se usa carrinho ou sling, se vai deixar no integral ou se vai cuidar da criança até os cinco anos. Temos que se acolher na diferenças e, assim, poderemos construir um mundo melhor para eles”, finaliza Krys.

Munida de informações

Ingrid Uchoa é mãe da pequena Olga, de seis meses. Ela conta que durante sua gestação fez questão de buscar informações para estar preparada para a nova fase. Ainda assim, conta que os dois assuntos mais abordados nas rodas de conversas de que participou eram a dificuldade de dormir e para amamentar. “Ninguém me chamou no cantinho e explicou que o puerpério não se resume a isso. Você fica sensibilizada, os hormônios estão alterados, com a barriga mole… Amamentação não só dói, mas também pode não acontecer. E existem outras formas de amamentar e isso não vai deixar nenhuma mulher ‘menos mãe’. Mesmo tendo todas as informações possíveis, percebi que quando cheguei no puerpério, era muito mais complexo”, relata.

Ingrid Uchoa posa com a filha de seis meses, Olga Foto: Thiago Gadelha

Com apenas 24 anos, Ingrid ressalta que não escapa de julgamentos. No entanto, reforça que a maior crítica vem das próprias mães. “O puerpério tem uma carga de culpa grande. Quanto mais informações você tem, maior a responsabilidade de colocar o que aprendeu em prática. Nós somos seres humanos e vai ter uma hora que você vai explodir, cada um tem seus limites. Algumas pessoas vão olhar e te julgar, achar que você não é mãe porque não tá aguentando a barra. A gente se autocritica e cobra muito mais do que as pessoas ao nosso redor. Nunca me apontaram o dedo, mas existem comentários velados, como quando dizem que minha filha está muito magrinha ou que ela não está pegando no meu peito direito… Mas a maioria ao seu redor ajuda, sim”.

Segundo ela, a rede de apoio é fundamental para a mulher atravessar os desafios da maternidade. “Temos que aceitar que não somos capazes de suprir todas as necessidades de outro ser humano. Até porque não sou um robô, tenho minhas necessidades. As rodas nos mostram que as outras pessoas estão passando pela mesma situação. Você se identifica e desmistifica a maternidade”.

Mãe de dois

De licença maternidade da segunda gestação, Vivian Saraiva divide-se entre os dois filhos, Maitê, de 4 anos, e Vinícius, de 3 meses. Ela conta que, por medo, optou por uma cesárea eletiva, na primeira gestação. Foi a experiência com a primeira filha que a fez optar pelo parto normal no nascimento do filho homem. "O pós-operatório foi o que me incentivou ao parto normal. A cesárea também comprometeu a amamentação da Maitê. O parto normal é fisiológico, tudo vai se encaixando, inclusive amamentar. Na cesárea, o bebê não tá pronto para nascer, ele é arrancado. Na primeira gravidez, eu fiquei dois meses penando para me recuperar totalmente".

A enfermeira confessa que não imaginava o que era o puerpério. "Pensava, por exemplo, que a amamentação era só colocar no peito e pronto, que a natureza tomava conta de tudo. E não é. Acho que as mulheres têm quer ter uma preparação prévia, tanto para o parto como para a amamentação. Hoje o mundo conspira para a amamentação não dá certo", alerta ela.

Após ter a primeira filha por meio de uma cesárea e um pós-operatório difícil, Vivian optou pelo parto normal na segunda gestação Foto: Thiago Gadelha

Vivian faz questão de reforçar a importância do aleitamento. "Como eu sou enfermeira e trabalho com doenças crônicas, era algo que me preocupava muito. A gente começa a prevenir as doenças crônicas ainda no útero e com a amamentação. Com a Maitê eu tive dificuldade com a amamentação até perto dos três meses, e isso me frustrou muito porque eu me preparei a gestação toda para aquele momento. O peito feria, eu achava que não tinha leite suficiente, ela não ganhava peso... Sou muito insistente e acabou dando certo. Procurei grupos no Facebook e dividia minha experiência com outras mães", explica Vivian, que indiciou o grupo "Aleitamento Materno Solidário".

Com a licença maternidade no meio, a enfermeira diz que pretende, sim, voltar a trabalhar. Ela é professora da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab). "Eu amo ser mãe, mas também amo trabalhar. Nunca recebi críticas sobre minha decisão. Eu admiro quem se dedica 100% à maternidade, acho que é uma atitude nobre, tenho amigas que optaram por isso. Mas, no meu caso, é uma questão de realização pessoal, fiz graduação, pós-graduação...".

Vivian faz questão de frisar que não existe prazer maior na vida do que você olhar para seu filho e ele esboçar um sorriso de volta ou dizer que ama a mãe. "Por outro lado , é extremamente exaustivo. Estou vivenciando dois momentos difíceis, pois tenho um bebê de colo e uma menina de quatro anos. Quem não passou pelo processo, por exemplo, acha que amamentar é botar no peito e acabou. Por outro lado, acha que se eu estou no shopping e levanto a minha blusa para dar o peito para o bebê é moda. Muitas pessoas acham que eu optei pelo parto normal por moda também. Existe um julgamento independente de qual decisão a mãe tomar".

Maternidade real com uma pitada de humor

Thaiz Leão ganhou popularidade na internet com o projeto intitulado "Mãe Solo", onde através de ilustrações mostra com bom humor as facetas da maternidade da vida real. A brincadeira, que ganhou grandes proporções e se transformou no livro "Chora Lombar", iniciou em 2014, com o nascimento de seu primeiro filho, aos 20 e poucos anos.

"Comecei a desenhar essa personagem mãe porque eu só a via no espelho, nunca nos comerciais, nas revistas, em lugar nenhum. De início eu não tinha nem ideia de que acabaria se tornando um projeto, eu fiz para compartilhar com as pessoas que conhecia na minha timeline. Essas pessoas compartilharam com outras, que compartilharam com outras... Lembro que teve uma mulher que comentou, acho que na segunda postagem da série, para eu criar uma página com o trabalho. Eu até hesitei, em 4 meses estaria de volta ao trabalho, mas aí eu pensei, bem... se der deu, se não der não deu".

"Maternidade real é aquela que a gente vive, em todas suas formas, e não pode ser confundida com a maternidade que a gente idealiza, que é distante, e muito menos com aquela que nos vendem, que é impossível"Thaiz Leão

A designer ressalta que, se hoje as mulheres podem assumir que a maternidade não é mil maravilhas, é graças à transmissão do "feminino" e do "ser mulher" que elas construíram através dos tempos. "A questão é que nós, nesse tempo que vivemos e com o empoderamento que trabalhamos muito para conquistar, conseguimos chegar a esse lugar onde há ambiente fértil e ferramentas suficientes para conseguirmos refletir sobre nossas vidas com menos medo, vergonha e culpa".

"Maternidade real é aquela que a gente vive, em todas suas formas, e não pode ser confundida com a maternidade que a gente idealiza, que é distante, e muito menos com aquela que nos vendem, que é impossível. É simplesmente o que der pra hoje e o quanto a gente lutar e conseguir conquistar amanhã", finaliza.

Serviço:

Equipe Maiêutica: equipemaieutica.com

Psicóloga e doula Krys Rodrigues: (85) 99275.6033 (WhatsApp)