Texto: Jacqueline Nóbrega e Renato Bezerra

A relação entre o homem e os bichos de estimação é, quase sempre, repleta de amor e companheirismo. Na contramão desse sentimento, no entanto, muitos acabam abandonados e entregues à própria sorte. Nas ruas, passam fome, sede e estão expostos a diversos riscos. Solidários a esse triste cenário, entram em ação voluntários de abrigos e casas de acolhimento para animais, verdadeiros anjos da guarda que demandam inúmeros esforços para melhorar a vida dos bichinhos. Sem estar necessariamente vinculados a instituições, existem, ainda, aqueles que abrem suas casas como lares temporários, até que o pet consiga uma morada definitiva.

Embora cercados de muito amor, a rotina dessas instituições e Organizações Não Governamentais (ONGs) se mostra um desafio diário. Um exemplo disso é a casa Arca de Noé, fundada em 2010 na Capital. A história do abrigo começou quando a assistente de veterinário Fernanda Paulino passou a receber, na sua própria casa, cães de rua resgatados por outras pessoas. A intenção era acolhê-los e cuidá-los de forma provisória até que os novos donos viessem pegá-los. A jovem conta, no entanto, que muitos acabavam não se responsabilizando pela adoção do animal e, como o espaço na casa é grande, os cachorros acabavam ficando. Apaixonada por bichos desde a infância, Fernanda então passou ela mesmo a fazer os resgates e dar um lar aos animais. “E assim surgiu a Arca de Noé. Há 7 anos que estamos na causa. Nós resgatamos, tratamos e depois os colocamos para a adoção”.

A rotina do abrigo, segundo conta, é cuidar dos 70 cachorros que hoje moram no local, promovendo cuidados básicos como alimentação e higiene, além das necessidades médicas. "Temos 50% deles ainda em tratamento de pele, outros com doença do carrapato, com câncer, então temos que dar medicação diária, colocar no soro, levar para o veterinário. Todo dia tem que tratar, lavar as casinhas, colocar ração, e brincar também porque eles são muito elétricos”, afirma. Para isso, conta com a ajuda de cerca de 60 voluntários, sendo a maioria presente nos eventos realizados pelo abrigo, e outros que colaboram no trabalho diário braçal.

A casa Arca de Noé foi fundada em 2010
A casa Arca de Noé foi fundada em 2010 Foto: Nah Jereissati

A fundadora da Arca de Noé explica que, só após entrar na causa, descobriu o quanto o homem pode ser perverso, já que boa parte dos cães resgatados são vítimas de maus-tratos e, quando sobrevivem, acabam com sequelas físicas ou traumatizados. “Temos cães que foram espancados, envenenados, queimados e uma até estuprada foi, por três homens”.

E é para reverter todo esse cenário, ou seja, tratá-los e disponibilizá-los para a adoção, que o abrigo encontra o maior desafio. Diante da grande demanda por cuidados clínicos e até cirúrgicos, a dívida com a clínica parceira já soma R$ 17 mil, um valor que não bate frente ao fixo mensal recebido por meio das doações: cerca de R$ 1.800. Valor este, que apenas ajuda a custear os gastos mensais, em torno de R$ 8 mil reais, sendo R$ 2 mil só com ração. “Já pedimos nas redes sociais, fazemos bazares, rifas e já chegamos ao ponto de pedir dinheiro no sinal. Mesmo com essa dificuldade eu não penso em desistir porque eles não têm culpa da maldade do ser humano”, relata.

Adoção

Para serem considerados aptos para a adoção, os cães passam por uma triagem no veterinário para a detecção de doenças contagiosas. São submetidos, então, à consulta, hemograma, exame do calazar e cinomose. “Só que muitos chegam lá e ficam em torno de 1 mês porque o estado é muito deplorável”, relata Fernanda. Só são colocados para os novos donos, segundo ela, vacinados, vermifugados e castrados. No caso dos filhotes, a castração futura ainda é prometida.

Apesar dos animais já estarem saudáveis nesse ponto do processo, a adoção também se mostra um desafio, conforme esclarece a artesã Jaqueline Andrade, responsável pelas entrevistas com os candidatos. Segundo a voluntária, nem todos estão preparados e entendem a real responsabilidade de ter um animal em casa. “Na entrevista é visto se a pessoa tem um entendimento de que o animal pode durar até cerca de 18 anos de idade e que o adotante é o responsável por essa vida. Se o animal adoecer ele vai ter que levar para o veterinário, prover uma vida digna e um lar digno para esse animal. Temos perguntas no questionário que, chegando a esse senso comum, é aprovada a adoção".

Atualmente 70 cachorros estão no abrigo Arca de Noé Foto: Nah Jereissati

Jaqueline revela que, mesmo após todo esse processo, ainda acontecem casos de pessoas que querem devolver o animal, pela não adaptação da família ou pelo fato de os donos não esperarem a adaptação do animal. "O animal quando sai daqui está numa realidade. Quando é levado para a casa do novo dono, vai passar por um processo de adaptação e às vezes dura um tempo. Têm animais que até ficam sem comer. Às vezes ele vai para um lar onde é o único cachorro, aqui são vários. A gente explica, mas, eventualmente, as pessoas, por quererem uma resposta rápida e que o animal não pode dar, acabam devolvendo e a gente até prefere que devolva do que abandonar de novo. Tivemos todo um trabalho de resgatar um animal, de tratar, para ele ser descartado novamente na rua, então a gente prefere receber de novo", revela.

Apesar da luta constante, a voluntária admite que a conscientização para a causa animal tem aumentado, embora não tanto como gostaria. "As pessoas têm acordado mais para a questão da causa animal, que hoje em dia a gente tem que prover a questão do bem-estar animal", fala.

  • Perfil Caramelo

    A filhote que atende pelo nome de Caramelo foi resgatada da rua ainda recém-nascida, junto com a mãe, que já foi adotada. Hoje, com 5 meses, a cadelinha sem raça definida é dócil, carinhosa, e espera por um novo lar. Já está vacinada e com castração futura garantida.

  • Perfil Branca

    Branca, de 4 meses, foi resgatada este ano no município de Tianguá, onde a fundadora da Arca de Noé passava o período do carnaval. Ainda mais nova, a filhote estava sendo chutada por alguns moradores locais, ao tentar se abrigar da chuva e do frio. Em Fortaleza, passou por exames médicos e ganhou peso. Ela está saudável e é bastante carinhosa, já sendo vacinada e com castração garantida.

  • Perfil Vitória

    A vira-lata Vitória tem 6 anos e há 3 mora no abrigo. Foi resgatada após ser atropelada no terminal de ônibus da Messejana. Passou por um tratamento de 1 ano e hoje está tudo bem. Apesar de ser considerada dócil e brincalhona, ou seja, uma ótima companhia para crianças, Vitória sempre retorna das feiras de adoção. Já castrada e vacinada, espera ansiosa por um lar.

  • Perfil Neguinha

    Neguinha foi resgatada há dois meses em uma praça no bairro Messejana. Muito carente, começou a dar cambalhotas quando Fernanda, da Arca de Noé, lhe fez um carinho. Com 4 anos, a cadela já está castrada e vacinada, ansiosa por mostrar todo seu amor a novos cuidadores.

  • Perfil Sorriso

    Sorriso é um macho de 1 ano de idade, resgatado quando sofria espancamento por parte de seu antigo dono. Hoje, o cãozinho é especial, pois as sequelas o deixaram com um problema motor em umas das pernas traseiras. Apesar disso, vive uma vida normal, sendo muito carinhoso e brincalhão. Já está castrado e vacinado.

  • Perfil Mel

    A Mel é uma cadela que veio de Juazeiro do Norte. Os antigos donos a abandonaram no quintal de casa e ela chegou aos voluntários do Adote um Amor Pet com o rosto cheio de feridas, sem pelos e com sinusite. Hoje ela está saudável e apta para adoção. É da raça labrador, tem 8 meses e será entregue para o novo dono castrada.

  • Perfil Cacau

    Ela estava sendo vendida por R$ 100 e foi comprada pela mãe de Sarah, do Adote um Amor Pet. A cadelinha estava com problemas de pele e carrapato, mas já foi tratada e está disponível para adoção. Como boa cearense, a Cacau só dorme de rede!

  • Perfil Nego do Borel

    Ele foi encontrado na rua, extremamente magro e com uma hérnia na barriga. É macho, preto e tem no máximo 2 meses. Ele está em tratamento e vai ser entregue saudável para o novo dono.

Amor aos bichos

Sarah Viana é estudante de veterinária e a fundadora do Adote um Amor Pet. A história do grupo começou a se desenhar há 2 anos e meio, quando os voluntários fizeram o resgate de uma cadela parida em um terreno abandonado no Eusébio. A turma achou que seria mais fácil conseguir uma família para cuidar do bichinho se divulgassem a história do animal em seus perfis nas redes sociais. Só que os casos foram aumentando e o grupo viu a necessidade de oficializar as operações de resgate em uma página oficial.

Sarah Viana é a fundadora do grupo Adote um Amor Pet
Sarah Viana é a fundadora do grupo Adote um Amor Pet Foto: JL Rosa

Anos depois, e com oito voluntários na linha de frente do grupo, 468 animais, a maioria cachorros, foram resgatados pelo Adote um Amor Pet. Há um ano atrás, um cavalo, que ganhou o nome de Pé de Pano, também foi ajudado pelos voluntários. "Ele foi abandonado por ter câncer em São Gonçalo do Amarante. Fomos até lá para ajudar. Hoje ele está bem e em um espaço alugado", relembra Sarah, que além de cuidar da parte financeira do time, ajuda nas redes sociais, entrevista as famílias interessadas pelos animais e é a responsável por divulgar e fazer parcerias para o grupo.

A maioria dos bichinhos é resgatada pelos voluntários, mas eles também recebem pedidos de ajuda de quem encontra animais abandonados nas ruas da cidade. Quem tem vontade de ajudar, pode fazer doações através do site. Quem doa a partir de R$ 30, como forma de incentivo, ganha brindes do grupo. Por não contarem com um espaço físico, Sarah ressalta que o mais importante é que eles achem voluntários que se disponibilizem a ser lar temporário.

"A melhor forma de amar é doar para alguém que vá cuidar exclusivamente do bichinho com amor e com tudo do bom e do melhor".
Sarah Viana, fundadora do Adote um Amor Pet

Sarah, por exemplo, é mãe de cinco bichinhos e atualmente cuida da Cacau, que aguarda por uma família que a mime com muito amor e carinho. "Estavam vendendo ela por R$ 100, aí minha mãe foi e comprou. Ela estava com problema de pele e carrapatos. Tratamos e disponibilizamos para adoção. Pouco tempo depois, a Cacau pegou uma doença chamada cinomose, que é uma virose altamente contagiosa para outros animais. Por enquanto, aguarda uma adoção à altura dela. A Cacau só dorme de rede".

A estudante de medicina veterinária confessa que se apega aos bichos que passam pelo seu lar, mas tem maturidade para saber que não consegue se dedicar com exclusividade a eles, por isso é sempre melhor conseguir uma família para cada um. "A melhor forma de amar é doar para alguém que vá cuidar exclusivamente dele com amor e com tudo do bom e do melhor".

Lares temporários

Sem estar vinculado necessariamente a alguma instituição ou ONG, existem aqueles que não conseguem ignorar um animalzinho perdido na rua e, mesmo não havendo a intenção ou a condição de ficar com o bichinho, os resgatam para, a partir daí, tentar encontrar um dono para eles. Foi o que aconteceu com a estudante Lorena Colaço, tendo como exemplo a história dos próprios animais de estimação. Dona de dois gatos adotados por meio de lares temporários, a estudante acabou resgatando mais um na própria rua onde mora. "Eu estava em casa assistindo filme em um domingo à noite e comecei a ouvir os cachorros da rua latindo muito, mais do que o normal. Fui ver e me deparei com uma gatinha filhote encurralada por eles. Não pensei duas vezes e peguei. Cheguei a perguntar a uma vizinha se ela sabia de onde era, e vi que não poderia deixá-la sozinha na rua, até porque nesse dia estava chovendo muito".

Ciente de que não poderia ficar com um quarto animal - além dos dois gatos, a família ainda possui um cachorro - veio a missão de prover os cuidados à gatinha de forma provisória, enquanto a estudante encontrava um novo lar. "Eu fiquei divulgando, a minha irmã também ajudou, até que ela conseguiu uma pessoa que quis, um colega de trabalho dela, que a adotou. Foi meio difícil a separação porque a gente acaba se apegando, mas o que conforta é saber que uma pessoa vai cuidar e que ela não vai ficar na rua para ser maltratada".

Lorena Colaço foi lar temporário de uma gatinha de rua
Lorena Colaço foi lar temporário de uma gatinha de rua, que ganhou o nome de Frida. Pouco mais de um mês após ser resgatada, ganhou um novo dono Foto: Nah Jereissati

A estudante revela que em cerca de um mês em que a gatinha, agora batizada de Frida, esteve em sua casa, mudou a rotina e o clima do lugar, de forma bastante positiva. A experiência, segundo avalia, foi muito satisfatória, já tendo inclusive a intenção de fazer novamente. Para Lorena, se mais pessoas seguirem exemplos assim fará uma diferença muito grande na realidade dos animais de rua. "Não é todo mundo que tem condição de pegar um animal, mas acho que se a pessoa fizer um esforço ou perguntar se outra pessoa pode, já vale a pena. Acho um gesto muito importante porque a gente tira ele da rua e dá os cuidados de que precisa, enquanto não consegue um novo lar. Só ficar no querer não vai mudar em nada a vida do animal, é uma questão de ter atitude", comenta.

Carinho especial

Úrsula Pinheiro também oferece seu lar de forma temporária e acolhe bichinhos abandonados enquanto eles aguardam por uma nova família de forma definitiva, além de também ser voluntária do grupo Adote um Amor Pet. O amor pelos animais vem desde sua infância. Ela conta que vivia colocando bichinhos de rua dentro de casa. "Meus pais tinham muito trabalho comigo".

Úrsula Pinheiro posa em sua casa com parte de seus bichinhos
Úrsula Pinheiro posa em sua casa com parte de seus bichinhos Foto: JL Rosa

Com o passar dos anos, o carinho pelos animais aumentou. Atualmente ela é dona de três cachorrinhas, Malu e Nutela, ambas sem raça definida e adotadas antes de Úrsula fazer parte do grupo, Aiyra, uma bulldog francês comprada pelo marido antes de se conhecerem, e três gatas, Carmem, resgatada grávida por ela, Valentina, filhota da Carmem e Raja, resgatada pelo seu companheiro. Além dos seis animais que a acompanham diariamente, cuida de um gatinho que aguarda por uma novo dono. Ele foi encontrada no dia 19 de abril, em frente à empresa onde trabalha e já ganhou um nome especial: Nego do Borel.

Ao adotar, você ajuda a reduzir o número de cães e gatos abandonados. Os animais de rua já passaram por muito sofrimento e tudo o que precisam é de amor e carinho da nova família.

Recentemente também recebeu em sua casa 4 filhotes de cachorros que foram encontrados em uma caixa. "São as Spice Girls. Só entreguei elas quando aprenderam a comer ração e não tinham mais pulgas e carrapatos. Todas foram adotadas por mães zelosas". Úrsula explica que após os animais ganharem uma nova família, ela acompanha os adotantes por um período, principalmente para sanar todas as dúvidas que surgem no período inicial.

Ela reforça que as pessoas são selecionadas com rigor e os casos de desistência são raros. Caso alguém ache um animalzinho abandonado na rua, explica que a melhor forma de agir é resgatá-lo e levar a um veterinário. Também é importante que a pessoa evite o contato do animal resgatado com seu animal de estimação, pelo menos no início, para prevenir contaminação. "Depois cuide dele com muito amor até que o animal esteja pronto para ser disponibilizado para adoção", reforça Úrsula.

Serviço

Arca de Noé

O abrigo realiza mutirões de adoção cerca de uma vez por mês. Além de aprovação na entrevista, para levar o novo pet para casa, o candidato deve ser maior de idade e preencher um termo de responsabilidade. A instituição mantém contato pelo telefone (85) 99810.8037 ou pelo perfil do Facebook.

As doações, seja de quantia em dinheiro, medicamentos, ração ou produtos de higiene, podem ser deixadas na clínica Medicão, parceira do abrigo, que fica na Av. Antônio Sales, 707, Joaquim Távora.

Adote um Amor Pet

Os interessados em adotar algum animal devem entrar no site do Adote um Amor Pet para ver os bichinhos disponíveis e preencher uma ficha. A partir disso, os voluntários"do grupo entram em contato com os interessados para darem continuidade ao processo. No Instagram também é possível ver o perfil de vários bichinhos. O hotel Dulce Pet é parceiro do grupo nos resgates e acolhe os animais sem cobrar hospedagem.