Texto: Jacqueline Nóbrega Publicado em 07.08.2017

Desencantados com a atual situação do Brasil, Portugal se tornou um destino desejado entre os brasileiros. No entanto, mais do que somente uma viagem de férias, o país virou uma opção de moradia, além de ser a porta de entrada para a União Europeia. Falando do Ceará, em especial, sete horinhas de avião separam os cearenses do paraíso, já que a maioria se encanta com Portugal, considerado um destino "barato, bonito e seguro".

27.155 pareceres positivos emitidos em 2016, crescimento de 4,5% comparado à 2015
38,6% dos pedidos positivos concedidos foram para brasileiros

Total de pedidos de nacionalidade

Fonte: SEF / Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilos (RIFA) de 2016

De acordo com o Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilos (RIFA) de 2016, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), apresentado ao público no último dia 24 de julho, 397.731 cidadãos estrangeiros residem em Portugal com título de residência válido. A nacionalidade brasileira, com 81.251 cidadãos, ou 20,4% do total, é a principal comunidade estrangeira residente, o que reforça o êxodo dos brasileiros.

O Brasil também é 1º lugar no número de pedidos de nacionalidade por casamento e uniões de fatos. Foram 2.015 pedidos em 2016. Em 2º lugar, Cabo Verde aparece com 449 pedidos.

Por curiosidade, os brasileiros também foram os mais impedidos de entrar em Portugal. No total, 968 não desembarcaram no país, ou 58,5% do total. As principais razões vão desde ausência de motivo que justificassem a entrada a falta de visto adequado.

Ainda de acordo com o relatório do SEF, a imigração ilegal, no caso da nacionalidade brasileira, aumentou em 91,3%, relativo a 2015, o triplo se comparado com 2014. A principal justificativa é a continuação da crise econômica que começou em solo brasileiro em 2014, aliada à crise política e social ao longo de 2016.

Tipos de visto

De acordo com o advogado português Paulo da Fonseca e Castro, associado da Câmara Brasil-Portugal, associação civil sem fins lucrativos com a atuação no Estado do Ceará, Portugal e demais países de língua portuguesa, as possibilidades de visto para brasileiros são diversas, e o interessante é que cada caso seja analisado individualmente. No entanto, existem alguns tipos de vistos que são mais comuns, como os listados abaixo pelo Diário Plus:

Visto de residência D1: exercício de atividade profissional subordinada

Para dar entrada nesse tipo de visto, é necessário que o requerente, entre outros requisitos, tenha uma empresa portuguesa interessada em contratá-lo e apresente um contrato de trabalho ou contrato promessa. "Previamente, a empresa interessada deve observar em Portugal alguns procedimentos relacionados com o preenchimento dessa vaga, junto do Instituto de Emprego e Formação Profissional", ressalta Paulo.

Visto de residência D2: imigrante empreendedor

O requerente deste tipo de visto deve comprovar que realizou ou tem meios financeiros disponíveis em Portugal para realizar uma operação de investimento, que na maior parte dos casos se traduz na constituição de uma empresa e integralização do respectivo capital social.

É importante salientar que não existe um valor mínimo, mas o investimento deve ser adequado ao tipo de atividade que se vai iniciar. "O pedido deste visto de residência é apreciado tendo em conta a relevância econômica (valor do investimento), social (criação de postos de trabalho), científica, tecnológica ou cultural. Portanto, apesar de não existir um valor mínimo, o valor do investimento é crucial. O requerente deve igualmente demonstrar que possui experiência profissional adequada para alavancar o negócio", alerta o advogado.

Visto de residência D4: estudo, intercâmbio, estágio profissional e voluntariado

De acordo com o advogado Paulo, o visto D4, indicado para os brasileiros que irão estudar, realizar intercâmbio e fazer estágio profissional ou voluntário, é o que tem o maior número de aprovação. "A duração desse tipo de visto é sempre de quatro meses, pois o que vai variar é o tempo da autorização de residência inicial e renovações, a requerer em Portugal, que está diretamente relacionado com a duração do curso".

Visto de residência D7: recursos próprios

Esse tipo de visto pode ser solicitado para quem consegue se manter através de recursos próprios, como, por exemplo, pensão, rendimentos de bens, aplicações financeiras etc. É indicado, em especial, para pensionistas, mas é válido destacar que não exclui outros tipos de rendimento, como citado acima.

"É o tipo de visto que tem o procedimento mais simples. O requerente deve comprovar o rendimento e a garantia do seu recebimento ou disponibilidade de outros rendimentos em Portugal", pontua Paulo. Apesar de ser associado aos aposentados, esse tipo de visto não tem idade mínima. Basta o requerente provar que tem renda suficiente para viver em Portugal.

Golden Visa: compra de imóvel ou outros tipos de investimento

O Golden Visa é uma autorização de residência para investimento. Entre as várias possibilidades desta opção, o mais conhecido é a aquisição de imóveis de valor igual ou superior a 500 mil euros. Esse valor pode baixar para 350 mil euros, se o requerente decidir investir em imóveis construídos há mais de trinta anos ou que estejam localizados em área de reabilitação urbana e sejam realizadas obras. Paulo ressalta que existem outras possibilidades neste opção, como a transferência de capitais no valor de 1 milhão de euros ou a criação de, pelo menos, dez postos de trabalho, entre outros.

Nesta opção, o requerente tem a obrigação de permanecer durante sete dias no primeiro ano e 14 dias nos anos seguintes. O Golden Visa pode ser solicitado por qualquer nacionalidade. "Inclusive, em números, o Brasil está em 2º lugar em solicitações. Em 2016, o Brasil foi o país com o segundo maior número de pedidos para o Golden Vida (142), atrás da China (848)", diz Paulo.

"Todos os tipos de vistos de residência são válidos por quatro meses, com direito em duas entradas, período durante o qual o requerente deve solicitar a sua autorização de residência por um ano, sendo renovável por períodos sucessivos de dois anos, podendo tornar-se permanente a partir do quinto ano", finaliza.

É importante ressaltar que qualquer titular de visto de residência tem direito ao reagrupamento familiar, ou seja, agrupar os membros de sua família que sejam dependentes. O pedido pode ser feito no Brasil ou em Portugal.

Quando o brasileiro não precisa de visto

Em caso de passeio, diferentemente de países como Estados Unidos e Canadá, o brasileiro não precisa emitir um visto para desembarcar em Portugal. "Os brasileiros estão autorizados a entrar, transitar e permanecer sem visto de curta duração no espaço Schengen por um período máximo de três meses no decurso de um período de seis meses. Relativamente a Portugal, devido ao tratado celebrado entre os dois países, esse período pode ser prorrogado por um período máximo de noventa dias. A estadia permite que a pessoa, além de atividades turísticas e visita a familiares, efetue prospecções de oportunidades comerciais, participe de reuniões, assine contratos, participe de conferências, etc...".

O advogado ainda ressalta que existem vistos de estadia temporária, de duração variável, mas não superior a um ano, com finalidades específicas, como tratamento médico, prestação de serviço, exercício temporário de atividade profissional subordinada ou independente, atividade docente em estabelecimento de ensino superior, entre outros.

Experiência de uma cearense em Lisboa

Nice Diógenes tem uma imobiliária e atua como consultora de negócios em Portugal Foto: Fabiane de Paula
Nice Diógenes tem uma imobiliária e atua como consultora de negócios em Portugal Foto: Fabiane de Paula

Há doze anos em Lisboa, Nice Diógenes, formada em sociologia, resolveu morar em solo português em 2005 para fazer um mestrado em políticas públicas. "Sempre trabalhei com pesquisa, tive bolsa de iniciação científica na faculdade. Gostava muito de lecionar e logo que eu me formei, substitui um professor. Ele ficou doente e me indicou para a vaga. Cheguei a começar um mestrado na Universidade Federal do Ceará (UFC), mas desisti quando surgiu a oportunidade de ir para Portugal, até para passar um tempo fora também".

O que era para ser uma experiência curta, se tornou um projeto de vida. Teve um relacionamento e um filho, hoje com 8 anos, e trabalhou durante sete anos em uma multinacional inglesa, que a permitiu conhecer de perto o mercado português. Depois desse período, abriu uma agência de turismo receptivo em Lisboa, a Gold Compass. "Comecei sozinha, com um carro só, e o negócio foi crescendo. Foi uma fase que valeu muito a pena, já que o turismo em Portugal é muito forte. Durou dois anos e meio".

Portugal nesse momento está na moda. O país passou pela crise de 2008, por medidas de austeridade muito fortes. Hoje, Portugal passa por um momento de estabilidade econômica, política e social Nice Diógenes

Foi quando partiu para um doutorado e atualmente, desde 2016, investe na área de empreendimentos em Portugal, tanto na área empresarial quanto na parte de imobiliária, com a Winibe Real State. "Comecei na área empresarial, para estrangeiros que gostariam de abrir uma empresa em Portugal. O cliente diz que quer investir X euros em solo português e eu dou uma ideia de negócio ou as pessoas vêm com a ideia e faço a implantação e a implementação da empresa. A vantagem é que Portugal é a porta de entrada da União Europeia, embora seja um país muito pequeno".

Fonte: SEF / Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilos (RIFA) de 2016

Nessa nova área, a demanda de brasileiros interessados em investir em um imóvel em Portugal começou a existir. No início, ela passava os negócios para imobiliárias que conhecia. "No entanto, via a dificuldade que existia, os interessados tratando de longe com as imobiliárias. É complicado confiar em qualquer pessoa. Até o perfil de imóvel que o brasileiro gosta é diferente do português. Tenho esse feeling mais apurado". Por isso abriu sua própria imobiliária. "Portugal nesse momento está na moda. O país passou pela crise de 2008, por medidas de austeridade muito fortes. Hoje, Portugal passa por um momento de estabilidade econômica, política e social. E tem a questão da segurança, que é muito positiva".

Cascais localiza-se na região popularmente chamada de Riviera Portuguesa
Cascais localiza-se na região popularmente chamada de Riviera Portuguesa

Nice afirma que vende 3 apartamentos por mês, mesmo sem ter investido em propaganda. Seu trabalho acabou se tornando conhecido através do boca a boca, um cliente satisfeito indica outro e assim sucessivamente. A consultora de negócios conta que a maioria de seus clientes não são cearenses. A maioria é de São Paulo e do Rio de Janeiro. "Inclusive, nós temos um escritório em São Paulo com um parceiro. Temos uma parceira também em Fortaleza. Acho que é somando que a gente multiplica".

FIQUE ATENTO!

No último dia 28 de julho, de acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas, o índice de desemprego no país manteve o ritmo de queda em junho e chegou a 9%, contra os 9,2% de maio, registrando seu menor nível desde novembro de 2008.

Ela afirma que a maioria de seus clientes são pessoas fugindo da crise no Brasil ou que querem ter uma opção de segunda casa em outro país. "Os que querem investir, procuram casa em Cascais, por exemplo, pela qualidade de vida. É uma cidade muito charmosa e muito bonita. Também existe interesse em Lisboa e arredores. Os que não querem deixar o dinheiro parado, indicamos que a pessoa compre o imóvel e rentabilize. Também fazemos esse trabalho. Vendemos o imóvel em um lugar estratégico, mobiliamos e colocamos para alugar por curta duração, já que o investidor vem 1 ou 2 vezes por ano".

Outra vantagem que Nice também destaca é que Portugal não tem imposto sucessório, o que também atrai novos imigrantes. "Está acontecendo o que aconteceu em Miami. As pessoas mantêm suas empresas no Brasil e vem para Portugal com a família pela qualidade de vida".

Nice pontua que os apartamentos em Portugal variam entre 250 mil euros e 4 milhões. "A média de preço dos imóveis comprados por brasileiros é de 400 a 600 mil euros, até porque são os clientes interessados no Golden Visa".

A consultora ainda ressalta que auxilia os interessados no visto de residência d2. "Não precisa ter um capital social alto. Basta ter uma empresa estável, com uma ideia interessante. Quando as pessoas se mudam de vez, orientamos, por exemplo, onde os filhos podem estudar. Damos consultoria de um modo geral. As pessoas chegam com muitas dúvidas".

Portugal: paixão antiga

Cascais localiza-se na região popularmente chamada de Riviera Portuguesa
Marlu reside em Portugal com o marido português. Ela não imagina voltar para o Brasil Foto: Arquivo pessoal

A cearense Marlu Rodrigues, de 29 anos, nutre por Portugal uma paixão antiga. Visitou o país pela primeira vez aos 9 anos, na companhia dos pais. Esse ano, se casou com um português.

(...) a Europa ainda não superou totalmente a crise. Arranjar emprego aqui não é fácil e não pagam tão bem como outros países europeus, pontua Marlu Rodrigues

O relacionamento, no entanto, começou por acaso. Marlu fez intercâmbio na Espanha, em 2008, e, depois da experiência, a vontade de morar fora só cresceu. Anos depois, em 2013, ao viajar para Guimarães para um congresso, conheceu o marido. A paixão motivou a mudança de continente. Ela reside há quatro anos em solo português, onde termina uma especialização em design de calçados.

A designer de moda lê constantemente notícias que o número de brasileiros que estão se mudando para Portugal aumentou, mas pontua que seu ciclo de convivência é praticamente todo com a comunidade portuguesa. "Não sei até que ponto isso é totalmente verdade, ainda mais para Portugal. Isso porque a Europa ainda não superou totalmente a crise. Arranjar emprego aqui não é fácil e não pagam tão bem como outros países europeus", analisa.

"Alguns amigos que moraram aqui tiveram muitos problemas com o visto de trabalho, alguns migraram para Alemanha, por exemplo, e outros já retornaram para o Brasil", completa.

Vista de Alfama, um dos bairros mais tradicionais e antigos de Lisboa. É também onde fica o Castelo de São Jorge
(...) é o país mais barato da Europa, para o consumo de bens e serviços. A beleza de Portugal é diversificada e única. Costumo dizer que apesar de ser um país pequeno, é o maior do mundo Marlu Rodrigues

Mesmo mostrando os pontos negativos, Marlu se considera apaixonada por Portugal. A língua portuguesa, na sua opinião, é a principal vantagem para os brasileiros que pensam em se mudar para o destino. "Além disso é o país mais barato da Europa, para o consumo de bens e serviços. A beleza de Portugal é diversificada e única. Costumo dizer que apesar de ser um país pequeno, é o maior do mundo. Tem clima e vegetação variada, praias belíssimas, montanhas, cultura extraordinária e o povo é muito simpático, além da comida ser maravilhosa. Vale a pena lembrar que Portugal tem somente 10 milhões de habitantes. São Paulo, por exemplo, tem 12 milhões".

Questionada sobre a cultura, ela confirma que é diferente da brasileira, mas nada que não seja adaptável. "As diferenças estão no próprio cotidiano português. A intimidade que eles têm com a culinária é magnífica. Eles adoram comer, sentam todos à mesa aos domingos com a família reunida e o assunto é sempre o mesmo: viagens e mais comida".

Apesar do casamento com um português, ela ressalta que já tinha o visto para residir em solo lusitano antes da união. E comemora que, ano que vem, ao completar 5 anos no país, poderá pedir o visto de permanência por tempo indeterminado. Para entrar no país, ela transferiu sua faculdade para Portugal, onde terminou o curso. "Lembrando que é burocrático e é preciso ter todos os documentos necessários, o que varia de acordo com cada universidade", relembra, sobre sua experiência.

"A saudade da minha família e dos amigos permanece, mas eles torcem por mim e sabem que a minha felicidade está aqui. O que seria difícil para mim é voltar a morar no Brasil novamente. Me adaptei ao estilo de vida daqui e seria quase impensável voltar", finaliza Marlu.