RAIOS NO CEARÁ

O Brasil é o país com maior incidência de raios no mundo. Foram 1.792 mortes de 2000 a 2014 no País. Mas nem todos tiveram fins trágicos. Saiba como se proteger e conheça a história de quem já conheceu de perto o poder dessas descargas elétricas.

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Texto: Lia Girão, Diário Plus

Do céu para a terra

O Brasil é o país do mundo com maior incidência de raios. Em média, 57 milhões de descargas elétricas atmosféricas atingem o solo anualmente no País. São 130 mortes, mais de 200 feridos por ano e prejuízos anuais que somam cerca de R$ 1 bilhão em todo o território nacional, aponta o Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

O Ceará, que ocupa a 19ª posição no ranking nacional de média de incidências de raio, registrou, entre junho de 2014 e junho de 2015, 148.063 raios. Neste período, segundo a Coelce, que monitora os raios no Ceará, a cidade de Santa Quitéria foi a que registrou a maior quantidade de descargas atmosféricas, com 5.903, seguida de Granja, com 5.589, e Sobral, com 4.330. A capital cearense contou com 239 raios no mesmo período.

Apesar de parecer pouco, especialistas já dizem que o número de mortes por descargas elétricas de raios no Brasil é mais preocupante do que as causadas por deslizamentos e enchentes. Em 2014, 98 pessoas perderam a vida por este tipo de incidente. Em 2013 foram 99; em 2012, 113; em 2011, 82 e em 2010, 89. São Paulo é o Estado com maior número de vítimas, seguido por Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Pará. De 2000 a 2014 no Estado do Ceará foram registradas 49 mortes.

Em cada 50 mortes por raios no mundo, uma é aqui. De acordo com levantamento feito pelo Elat, foram 1.792 mortes de 2000 a 2014 no Brasil.

A maioria das pessoas que morreu por este tipo de incidente entre 2000 e 2014 em todo o território nacional estava exercendo atividades rurais (24%), dentro de casa (17%), próximo a um veículo (11%) ou embaixo ou próximo de alguma árvore (9%).

Estados com maior incidência de raios

(Dados de 2000 a 2014)

Acima de 3 milhões
De 1 a 2 milhões
Até 1 milhão

Fonte: Grupo de Eletricidade Atmosférica (ELAT) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

“Não me lembro de nada…”

Por pouco, o empresário cearense Gilberto Costa não entrou nas estatísticas no Inpe. Em 2008, ele foi atingido pela descarga elétrica de um raio que caiu próximo a ele na fazenda de sua família no município de Itapiúna, a 200 km de Fortaleza, mas sobreviveu.

Gilberto, então com 45 anos, estava com a família e alguns amigos na varanda da casa descansando após o almoço quando, ao perceber a chuva forte que começava a cair, decidiu, com um amigo e o filho dele, tomar banho de chuva. “Não estava caindo raio e nem dando trovão, então nós fomos tomar banho de chuva próximo a um açude que tem ao lado da fazenda. Saímos correndo em cima da parede do açude e de repente aconteceu. Eu não me lembro de nada, só sei porque me contaram”, relatou o empresário.

Gilberto Costa

O raio caiu em uma árvore que estava perto da parede do açude e ele e o amigo acabaram recebendo a descarga. “Eu caí desmaiado, com os músculos todos contraídos e tive uma parada respiratória. Com a queda, cortei o rosto e as mãos”, relata. Uma amiga viu de longe que alguém tinha caído logo depois que viram o clarão do raio perto da casa e todos correram para onde os três estavam. “Meu amigo ficou desacordado por pouco tempo e logo depois despertou, mas ficou meio “grogue”. E o filho dele não sentiu nada. Mas eu continuava lá, sem respirar”. O filho mais velho de Gilberto tinha acabado de chegar de um intercâmbio no Canadá, onde tinha tido algumas aulas sobre primeiros socorros, e usou tudo o que sabia na tentativa de salvar o pai. O garoto, com 19 anos, fez massagem cardíaca e respiração boca a boca em Gilberto, que lentamente voltou a respirar.

“Me levaram de carro para o hospital da cidade e, no caminho, eu acordei. Não lembrava de nada do que tinha acontecido e estava tendo muitas contrações musculares involuntárias, ficava me debatendo no carro”, relatou. O empresário foi encaminhado em um helicóptero da Coordenadoria Integrada de Operações Aéreas (Ciopaer) ao Instituto Dr. José Frota (IJF), em Fortaleza, onde recebeu atendimento médico e ficou internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

Depois de poucos dias de atendimento no IJF e em um hospital particular de Fortaleza, Gilberto recebeu alta sem nenhuma sequela. “Foi um milagre mesmo. Depois eu soube que várias tomadas da casa da fazenda pegaram fogo com o raio. Um cavalo que estava preso em uma cerca, a mais de 300 metros de onde eu estava caiu e passou várias horas para conseguir levantar de novo. E eu fiquei vivo e sem sequelas”, finalizou, dizendo que depois disso, sempre que começa a chover forte os filhos e a esposa ligam para ele para saber onde Gilberto está. “Acho que foi ainda mais traumático para eles do que para mim. Minha família viu tudo o que aconteceu e eu não”.

Raios no Ceará

O raio e a surpresa

A história do servidor público do Inpe, José Vicente Moreira com a descarga elétrica recebida por ele não é só de susto e tensão. Em 1997, José Vicente, natural de São José dos Campos (SP), voltava do trabalho para casa de bicicleta quando, em uma tarde chuvosa, uma descarga elétrica o atingiu. O raio caiu em uma árvore, passou para um cerca e, em seguida, atingiu o corpo dele. A bicicleta do servidor se partiu ao meio e ele foi arremessado a 10 metros de distância.

Vicente Moreira

“Eu caí desmaiado em uma vala. Pouco tempo depois passou um ônibus cheio de trabalhadores de uma fábrica e o motorista resolveu parar. Uma moça desceu do ônibus e me reconheceu. Era minha vizinha de frente. A gente nunca tinha se falado, mas ela me reconheceu e chamou a ambulância”, relatou Moreira, 52, que passou três dias desacordado. Com a descarga e a queda, a perna de José Vicente foi fraturada em várias partes e foram necessários sete pinos e duas placas para reconstruí-la.

A vizinha passou a visitá-lo no hospital, depois em casa e anos depois se tornou sua esposa, com quem hoje tem duas filhas e dois netos.

Em cada 50 mortes
por raio no mundo,
uma é aqui no Brasil

Em 14 anos, foram 1.792 mortes no País e 82% das vítimas são homens. As regiões Sudeste e Centro-Oeste são as que concentram o maior número de casos.

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São Paulo é o primeiro do ranking em número absoluto com 288 mortes

Número de Vítimas

Circunstâncias
    do Acidente

  •  24%
  •  17%
  •  11%
  •  9%
  •  8%
  •  5%
  •  5%
  •  21%

82%

18%

Faixa Etária (em anos)

  • 25% 
  • 43% 
  • 24% 
  • 8% 

Fonte: Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Excesso de confiança e desinformação

Além de estarem em ambientes abertos, Gilberto Costa e José Vicente Moreira estavam próximos a árvores, situação responsável por 9% das fatalidades deste tipo no País. O pensamento de que “nunca vai acontecer comigo” e a falta de informação são os principais motivos que fazem com que as vítimas sejam atingidas.

A Companhia Energética do Ceará (Coelce) desenvolveu um projeto de pesquisa em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade do Estado do Ceará (Uece) para monitorar as tempestades e raios que caem no território cearense. Batizada de Zeus, a ferramenta é conectada a várias antenas do País que captam a frequência das descargas elétricas que tocam o chão e servem para melhorar o atendimento da Companhia durante as chuvas fortes.

Saiba como se prevenir
durante as tempestades

Evite estar na rua
durante tempestades

  • Procure abrigo nos seguintes lugares:
  • - Veículos metálicos não conversíveis
  • - Em moradias ou prédios, de preferência que possuam proteção contra raios;
  • - Em abrigos subterrâneos, tais como metrôs ou túneis, em grandes construções com estruturas metálicas, ou em barcos ou navios metálicos fechados.

Situação de risco
como saber?

Se você estiver em um local sem um abrigo próximo e sentir que seus pêlos estão arrepiados, ou que sua pele começou a coçar, fique atento, já que isto pode indicar a proximidade de um raio que está prestes a cair.

Situação de risco
o que fazer?

Neste caso, ajoelhe-se e curve-se para frente, colocando suas mãos nos joelhos e sua cabeça entre eles. Não fique deitado.

Fonte: Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

“Quando vemos por meio da ferramenta que há tempestade e probabilidade de incidência de raios, já deslocamos uma equipe para as proximidades para ficar de prontidão para restabelecer o fornecimento caso haja alguma interrupção na transmissão da energia devido às descargas atmosféricas”, disse Eduardo Gomes, Gerente de Operações da Coelce. Segundo a ferramenta, no Ceará, entre junho de 2014 e junho de 2015, foram registrados 148.063 raios. Em primeiro lugar apareceu a cidade de Santa Quitéria, seguida pelo município de Granja e Sobral. Em Fortaleza, no mesmo período, 239 raios foram registrado pelo Zeus.

Para ele, mesmo com o monitoramento da Companhia, é preciso tomar bastante cuidado, pois podem ser as pessoas as principais prejudicadas caso um raio caia. O gerente de operações destacou que, dentro de casa é importante evitar o uso de chuveiro elétrico, evitar o contato com objetos de estrutura metálica como fogão, canos, torneiras e cabos de aterramentos, tentar não ligar equipamentos elétricos e eletrônicos, desconectar das tomadas aparelhos elétricos e eletrônicos, e, se possível, permanecer dentro de casa enquanto a tempestade durar.

Já do lado de fora, é prudente que se evite o contato com objetos metálicos como cercas de arame, portões metálicos, tubos metálicos, cabos de aterramento e principalmente linhas telefônicas ou elétricas, é bom não estar perto de tratores, máquinas agrícolas, motocicletas, carroças e veículos e evitar permanecer em locais como campos abertos, pastos, piscinas, lagos, praias, árvores isoladas, postes e locais elevados.

Ranking
mundial
de incidência
de raios

raios por ano

*entre os países que estudam esses dados

Brasil
57,8 milhões
República Democrática do Congo
43,2 milhões
Estados Unidos
35 milhões
Austrália
31,2 milhões
China
28 milhões
Índia
26,9 milhões

Fonte: Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Como se formam

Os raios são formados a partir do atrito de pequenas gotas de água, condensadas em nuvens, que arrancam partículas de energia uma da outra. As nuvens formadas podem, então, conter enormes quantidades de cargas elétricas. Quando as gotas acumulam uma quantidade de cargas muito grande, de tal forma que as forças envolvidas não mais conseguem mantê-las, pode ocorrer a movimentação de elétrons. Como resultado, aparecem enormes faíscas, que é o conhecemos como raios. Esses raios possuem uma quantidade enorme de energia, que procura meios menos resistentes de se propagar, atingindo, assim, o chão.

Raios no Ceará

Parte dessa energia pode se transformar em calor, fazendo com que o ar ao redor dos raios se "inflame", produzindo um clarão, denominado de relâmpago. A expansão do ar aquecido pela energia do raio provoca um ruído, o conhecido trovão.

Para entender o fenômeno e desvendar os mitos

O que são raios, trovões e relâmpagos?

Raios são as descargas elétricas de grande intensidade que acontecem na atmosfera e atingem o solo. Os relâmpagos são descargas elétricas como os raios, mas que não atingem o chão e acontecem entre as nuvens. Trovão é o som produzido pelo rápido aquecimento e expansão do ar na região da corrente elétrica do raio.

O trovão oferece perigo?

Embora o som assuste, em geral o trovão é inofensivo. Mas o deslocamento de ar pode derrubar uma pessoa que esteja muito perto do local do raio, podendo levar à morte.

Se uma pessoa for atingida por um raio, o que pode acontecer?

A corrente do raio pode causar queimaduras e outros danos ao corpo. Maioria das mortes é causada por parada cardíaca e respiratória.

Como se proteger de um raio?

Em casa, evite usar telefone e tocar em qualquer equipamento elétrico. Na rua, não segure objetos metálicos, empine pipas e aeromodelos com fio, ande a cavalo, nade ou fique em grupo.

O raio pode atingir locais diferentes no solo?

Sim. Isso acontece geralmente por desencontro de caminhos percorridos pelas descargas elétricas.

Um raio pode cair no mesmo lugar duas vezes?

Sim! Antenas de TV e grandes arranha-céus recebem raios muitas vezes durante as tempestades. Quando o tronco principal de um raio alcança o solo, todas as suas ramificações tentam usar esse mesmo caminho que já foi aberto e, às vezes, caem no local exato do primeiro raio.

Pessoas com metais no corpo têm mais risco de ser atingidas por um raio?

Não. Os metais que porventura trazemos no corpo - como próteses, pinos e aparelhos dentários - são muito pequenos para que o raio os considere como um atalho para o solo.

É perigoso nadar durante uma tempestade?

Sim, pois a água conduz bem a eletricidade e as piscinas, rios, açudes ou o mar se configuram como um campo aberto. Se você estiver no mar e um raio cair a menos de 50 metros, você tem grande risco de receber toda a força da descarga. Em piscinas é ainda pior, pois o choque também pode chegar pelas tubulações metálicas.

O que acontece quando alguém é atingido diretamente por um raio?

Se o raio cair exatamente em cima da pessoa, é quase certo que ela seja carbonizada, já que o fenômeno gera um aquecimento de quase 30 mil graus Celsius. Caso ele caia a metros de distância é provável que a pessoa tenha uma parada cardíaca e/ou respiratória.

É perigoso falar ao telefone durante um temporal?

Se for um telefone com fio, é. Assim como um raio pode atingir um poste e se propagar pela fiação elétrica da casa, queimando eletrodomésticos e o que mais estiver conectado às tomadas, ele pode viajar pela linha telefônica até atingir a orelha da pessoa que está ao telefone. Aparelhos sem fio e celulares não têm esse risco.

O que acontece se uma aeronave receber um raio em pleno voo?

Provavelmente, nada. A fuselagem de helicópteros e aviões tem um tipo de revestimento de metal - normalmente, o alumínio -, que funciona como uma blindagem para o que há do lado de dentro. Como o metal é um bom condutor de eletricidade, a corrente elétrica irá contornar a fuselagem, dando a volta por fora antes de chegar ao chão. Essa técnica de proteção é conhecida como "gaiola de Faraday", em homenagem ao físico inglês Michael Faraday. O mecanismo é semelhante ao que existe nos carros. Como a descarga sofre esse desvio, a aeronave continua firme e forte e os passageiros ficam em segurança. Ainda assim, em dias de fortes tempestades os aeroportos costumam ficar fechados por precaução.

Como saber se o raio caiu perto?

A luz produzida pelo raio chega quase instantaneamente à visão de quem o observa. Já o som (trovão) demora um bom tempo, pois a sua velocidade é menor. Para obter a distância aproximada da queda do raio, em quilômetros, basta contar o tempo (em segundos) entre o momento em que se vê o raio e se escuta o trovão e dividir por três.

Por que o Brasil é o país campeão mundial em incidência de raios?

No Brasil, caem 50 milhões de raios por ano e a explicação é geográfica: é o maior país da zona tropical do planeta - área central onde o clima é mais quente e, portanto, mais favorável à formação de tempestades e de raios.