Texto: Felipe Lima Publicado em 10.07.2017

Hallyu. O neologismo que pode ser entendido com "onda coreana" já faz parte do cotidiano do Ceará. Muito além da expansão da cultura pop que começou nos anos 90 na China com a chegada das produções televisivas, a sua presença da Coreia do Sul no Estado vem ficando cada vez mais forte. Seja por meio da cultura pop, educação, economia ou esporte, a influência sul-coreana é realidade no dia a dia do povo cearense.

De acordo com o professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) Antônio Guerra, que é pesquisador da História do Oriente, a busca pelo conhecimento coreano no Ceará tem dois grandes públicos: primeiro o público jovem, na maioria adolescentes atraídos pela cultura pop da Ásia Oriental, sobretudo da Coreia do Sul, do Japão e de alguns grandes centros urbanos da China Continental. Ele afirma que naquele país, o gênero musical que originou esse tipo de cultura, é conhecido por k-pop, termo que surgiu na década de noventa e é uma abreviação de korean pop, que significa música pop coreana ou música popular coreana. O outro público é o de profissionais ligados ao comércio exterior, técnicos ou simpatizantes das línguas orientais, alguns dos quais também já estudam o mandarim e o japonês.

De acordo com dados do Anuário Estatístico de Turismo 2017, que é um documento produzido pelo Ministério do Turismo (MTur) e pela Polícia Federal, o Brasil recebeu 190.898 turistas sul-coreanos de 2013 para 2016. Já no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em 2014 foram concedidas 1.429 autorizações de trabalhos para sul-coreanos, sendo, deste total, 858 para o Ceará. No ano seguinte, o País concedeu 1.936 autorizações, sendo 1.477 para o Estado, ou seja 76% de todas as autorizações do Brasil.

Curiosi-
dades
da Coreia
do Sul

  • Na Coreia do Sul, os bebês já nascem "velhos". É que lá já consideram idade de 1 ano ao nascerem

  • Dormir não é um hábito comum na Coreia. A média de sono dos habitantes do País é de 6h por dia

  • A velocidade média de um download via internet na Coreia é de 33,5 megabits por segundo

  • Cosmético é comum para os homens. Estima-se que 20% da população masculina adere à maquiagem

  • Escrever o nome de uma pessoa sul-coreana em vermelho indica que está prestes a morrer ou já morreu

  • Todo dia 14 há uma comemoração romântica, como o Kiss Day, em junho

  • Há dois tipos de matrimônio na Coreia: yonae, por amor, e chungmae, o casamento arranjado

  • A rosa de Sharon é uma das flores que representam o País

  • Sul-coreanos consomem bebidas alcoólicas em demasia. O Jinro Soju é a preferência nacional

Mãos que desenvolvem

Uma das principais molas propulsoras da economia cearense está localizada em São Gonçalo do Amarante, cidade distante 55 quilômetros de Fortaleza. Sonho de décadas, a Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP) começou a ganhar forma em 2008, quando constituída pelas empresas sul-coreanas Dongkuk e Posco, além da brasileira Vale.

A primeira é considerada a maior compradora mundial de placas de aço, já a segunda é a 4ª maior siderúrgica do mundo. Juntas, elas possuem 50% da CSP, a outra metade é de responsabilidade da empresa nacional. A usina, que iniciou a produção de placas de aço em junho do ano passado, tem como foco a geração de placas de aço para a indústria naval, de óleo e gás, automotiva e construção civil.

Apesar de contribuir para a geração de emprego e renda da população cearense, a CSP, durante seu processo de instalação, contou fortemente com a mão de obra sul coreana. De acordo com a empresa, hoje há apenas 43 profissionais sul-coreanos nos quadros diretos. Os profissionais que atuaram na elevação da Companhia trouxeram a experiência para a fase da inicial. Atualmente, dos empregados diretos da CSP, 98% são brasileiros. Com o início das atividades, já havia a ideia de reduzir o número de orientais.

2016
Maio / Junho
Início da produção dos primeiros itens e da operação de processos de produção de aço
2016
Julho / Agosto
Expedição da 1ª placa de aço para o Porto e dos embarques iniciais de placas para exportação
2016
Setembro / Outubro
Recebimento de certificação internacional e início da produção aço ultrabaixo carbono
2016
Novembro / Dezembro
Marca de 1 milhão de toneladas de ferro-gusa no alto-forno e início da fabricação de placas inéditas no País
2017
Janeiro / Fevereiro
Exportação de 306,7 mil toneladas de placas e marco de 1 milhão de toneladas exportadas
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Os profissionais sul-coreanos que ainda trabalham diretamente para a CSP foram trazidos pela Dongkuk ou Posco. Eles atuam tanto em áreas administrativas como em áreas ligadas diretamente à operação. Apesar da presença dos orientais, o grupo afirma que há cearenses em diversas áreas da empresa, ocupando cargos como coordenador, especialista, supervisor, líder, entre outros.

Entre os sul-coreanos da CSP está Kukhee Jo, de 32 anos. Na empresa, ele é chamado de Gregório Jo. Sua função na CSP é de Especialista de Gestão Corporativa. Vivendo há 3 anos e 2 meses no Ceará, ele escolheu o bairro Sapiranga, em Fortaleza, para morar. Já havia visitado o Brasil para turismo e depois para trabalho. Sua identificação com o País se deu ainda na Coreia do Sul quando começou a estudar português na Universidade Hankuk de Estudos Estrangeiros.

Fã de praia, tem uma filha que aprendeu a gostar de paçoca, um prato totalmente nordestino. Em entrevista ao Diário, ele conta como é viver em uma região diferente de sua cidade-natal.

Entrevista

Kukhee Jo

32 anos

Especialista em Gestão Corporativa

Mora em Fortaleza há 3 anos

Diário - Como foi a acomodação no Estado?
Kukhee Jo - No primeiro dia, quando acordei, consegui ouvir o canto de um galo sem outros barulhos e me lembrou bastante da minha cidade-natal Eumseong, que fica na Coreia do Sul. Isso foi uma sensação bem agradável. Os vizinhos são bem receptivos e simpáticos. Eles conversam sempre comigo e todo mundo sempre está disponível a ajudar. Estou aprendendo mais o português e percebendo mais o humor dos cearenses, que se mostram sempre cheios de vida e com muita alegria, mesmo quando estão passando por uma situação difícil.
Diário - Já havia visitado o Brasil anteriormente?
KJ - Minha 1ª visita foi em uma viagem para Foz do Iguaçu, para ver Cataratas. É maravilhosa a natureza do Brasil. A 2ª foi para estudar português no sul do Brasil, em Porto Alegre. Eu aprendi mais a assar carne do que a língua portuguesa. A 3ª visita foi para trabalhar e viver. Foi em Piracicaba, interior de São Paulo. Participei de um projeto da Hyundai Motors juntamente com uma empresa coreana de fornecimento de sistema de ar-condicionado para carros. Quando cheguei ao local, só tinha plantação de cana-de-açúcar. Durante 4 anos, acompanhei desde a obra da fábrica até o fornecimento de sistema de ar-condicionado do modelo HB20 para Hyundai Motors.
Diário - Como é sua vida fora do trabalho na CSP?
KJ - Eu gosto muito de assar carne. De vez em quando, eu chamo vizinhos ou amigos para fazer churrasco. Reunir com os amigos é muito gostoso. Quando vem amigos ou família de fora, eu os levo para algumas praias lindas como Canoa Quebrada, Lagoinha e Morro Branco. Tenho uma filha de 2 anos. Ela nasceu aqui, então é uma cearense de olhinhos puxados. Ela adora praia. Ela gosta de paçoca também. Aqui tem paisagem que existia somente em cartão-postal. É bem mais tranquilo do que as cidades onde vivi.
Diário - Tem sentido muitas dificuldades quanto ao clima?
KJ - Eu acho que nenhum coreano tem problema com o calor daqui, porque no verão da Coreia a temperatura chega entre 30 e 35 graus célsius. Em algumas regiões, chega até mais de 40 graus e, geralmente, com mais de 90% de umidade. Já o calor daqui é bem agradável, porque sempre tem vento e não é úmido. Na Coreia, tem 4 estações bem diferentes do outro: primavera, verão, outono e inverno (chega a -20 graus). Aqui, os coreanos só precisam evitar tomar sol, porque realmente é muito mais forte do que de lá.

Kukhee Jo

32 anos

Especialista em Gestão Corporativa

Mora em Fortaleza há 3 anos

Diário - A culinária local também tem suas especificidades. Já conseguiu se acostumar com alguma ou ainda tem que resguardar costumes sul-coreanos?
KJ - Adoro tomar sopa coreana, junto com porção de arroz tipo japonês. Nas refeições coreanas, não faltam uma sopa e porção de arroz. Isso eu sinto muita falta. Recentemente, descobri que aqui tem alguns pratos típicos que lembram bastante a culinária coreana, como a panelada, buchada e sarapatel. Na Coreia, há sopas que usam algumas partes de intestino suíno e bovino. Depois que experimentei estes pratos, percebi que a comida coreana e a comida cearense têm alguns pontos parecidos. Eu estou adorando a comida típica do Ceará.
Diário - Quanto à língua, quais foram as primeiras palavras em português que aprendeu?
KJ - A primeira palavra que eu aprendi foi “bom dia”. Eu estudei a língua portuguesa e aprendi algumas coisas, primeiramente, na Coreia. Na Universidade Hankuk de Estudos Estrangeiros, ensinam várias línguas do mundo e eu escolhi estudar o português, o que é raro de acontecer.
Diário - O que mais gostou e o que ainda está difícil de se acostumar no Ceará?
KJ - Gosto bastante da relativa tranquilidade em relação a Seul e Fortaleza. Da minha casa até a praia, são 10 minutos. É uma vantagem extraordinária. Quando tenho alguma dificuldade ou estresse, só preciso dirigir 10 minutos até praia, para ficar sentado na areia, olhando o mar e tomando vento.
Diário - O que sente mais falta da Coreia do Sul?
KJ - Somente saudade da família que, às vezes, me toca. Mas estou pensando trazê-los para cá. Lá na Coreia, as pessoas vivem com pressão e estresses que na verdade não precisam ter. Quero mostrar como é vida de verdade, cheia de alegria.

Kukhee Jo ou simplesmente Gregório é um dos milhares de sul-coreanos que conseguiram concessão de trabalho no Ceará. De acordo com o Ministério do Trabalho (MTE), somente em 2015, o Estado recebeu 1.477 autorizações. Os orientais, inclusive, representaram, disparadamente, o maior número. Os italianos, em segundo, tiveram apenas 120. O relatório anual do MTE aponta ainda que a maior mediana salarial dos estrangeiros no momento da contratação foi registrada no Estado: R$2.414. A distância em termos de mediana salarial do Ceará em relação aos outros estados está relacionada com a própria Companhia.

Onda 'K'

Em 2012 o mundo conheceu e se divertiu muito com o cantor sul-coreano Psy. O clipe da música “Opa Gangnam Style” foi a primeira a bater a marca de 1 bilhão de visualizações no YouTube. Havia quem não soubesse cantar, mas o refrão e a dancinha ficaram na cabeça. De lá para cá, a onda coreana não parou. As tradicionais boy bands da Coreia do Sul tomaram conta dos palcos e da Internet.

Para se ter uma ideia do sucesso da música coreana, o grupo BTS, que é formado por 7 cantores, tornou-se o primeiro grupo K-pop a vencer uma categoria da Billboard Music Awards, uma das principais premiações do mundo.

Foto: Nah Jereissati
Sana é o festival que impulsona a cultura oriental no Estado. O evento, que chama a atenção pelos cosplays, vem abrindo portas para o K-pop Foto: Alex Costa

No Ceará, a chegada da cultura pop do país oriental se deve muito à Super Amostra Nacional de Animes (Sana). Chegando a sua 16ª edição neste ano, o evento reúne milhares de amantes não somente do K-pop, mas também do j-pop (cultura pop japonesa), games e tecnologia.

Como propulsor da onda coreana no Estado, o Sana receberá as finais regionais do K-pop World Festival em 2017. Organizado pela Embaixada da República da Coreia no Brasil e pelo Comitê KoreaON, o vencedor das categorias dança ou canto nesta seletiva passará por mais uma etapa online a ser julgada pela emissora coreana KBS. Caso passe desta etapa, o grupo pode se apresentar na edição do K-pop na Coreia, para um público de cerca de 20 mil pessoas.

Igor Lucena, idealizador do Sana, comenta sobre a evolução da cultura coreana no Ceará e as novidades do evento que acontecerá entre os dias 13, 14 e 15 de julho.

Expansão do conhecimento

Quem deseja conhecer a língua coreana, Fortaleza possui não somente cursos de línguas, mas um grupo de estudo em torno da linguagem sul-coreana. É o caso do Laboratório de Estudos e Pesquisas Orientais (LEPO) da Universidade Estadual do Ceará (UECE). O grupo procura congregar no âmbito acadêmico, todas as atividades relacionadas ao mundo oriental. De acordo com professor Antônio Guerra, que é coordenador, o Laboratório é de um espaço multidisciplinar e aglutinador.

"O Laboratório tem funcionado com grupos de estudos, como o Sangha, por exemplo, que é um grupo de estudos budistas; realização de seminários de Filosofia das Artes Marciais; oferta de cursos de línguas asiáticas (árabe, chinês mandarim, coreano, hebraico e russo) e outras atividades", comenta o sinólogo.

Especialista acredita que o estudo da língua coreana no estado deve ganhar ainda mais força ao longo dos próximos anos FOTO: ARQUIVO PESSOAL

O LEPO surgiu no início de 2011 e de lá para cá tem realizado variados eventos com temáticas orientais. De acordo com Guerra, os cursos surgiram inicialmente para atender uma demanda interna do próprio Laboratório, pois alguns membros tinham interesse em estudar o mandarim e um dos participantes já dominava esse idioma.

"Ao todo passaram cerca de mil alunos em nossos cursos. Trata-se de um número pequeno, se comparado ao Núcleo de Línguas do Centro de Humanidades. O nosso propósito é investigar o universo oriental e o estudo das línguas orientais surgiu apenas como mais uma de nossas atividades", explica o coordenador, que é Mestre em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com ênfase em pesquisa sobre Budismo e Educação.

Guerra afirma que o coreano tem sido o mais procurado, mesmo o curso tendo sofrido um ano de hiato devido a uma reforma no espaço onde ele era ofertado. O professor ressalta que a oferta no período de férias, de minicursos intensivos para iniciantes, marca o retorno das aulas.

"Com a conclusão da reforma do prédio recentemente, esperamos voltar a oferecer esses cursos de línguas orientais novamente, de forma regular, com aulas durante todo o semestre", comenta.

O professor explica que o número ideal para o ensino de línguas estrangeiras é de uma sala com, no máximo, 20 alunos. Porém, a busca pelo curso de coreano tem aumentado de forma brusca. Da última vez houve abertura, foram disponibilizadas apenas 15 vagas, mas a turma acabou sendo ocupada por 33 pessoas, já que houve uma busca intensa.

Emanuelle Lins- 19 anos
Inicialmente, o que me motivou a ingressar foi minha admiração pela cultura rica, e expansão de valores da Coréia do Sul, por meio da música e os dramas, o que me apaixonou. O coreano não é, na minha opinião, apenas um idioma. Implica amor, paciência, e sobretudo, dedicação
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Rafaella Timbó- 23 anos
Eu comecei o curso porque fiz intercâmbio para Coreia em 2014 e gostei muito do país, então tenho planos de morar lá. A língua coreana para mim é importante, não só para que eu possa visitar ou morar, mas também para que eu consiga um emprego e visto de trabalho
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Mitsue Ito- 23 anos
Pelo YouTube eu conheci o K-pop. Eu achava legal escutar mas não entendia nada! Eu comecei a estudar porque eu gosto muito das coisas da Coreia e queria entender. Eu tenho vontade de no futuro me aventurar e conhecer o país, a história, a culinária fazer um tour por lá
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Além do Laboratório da UECE, o Hilpro Idiomas também oferta curso de coreano. A empresa conta com nove unidades distribuídas em Fortaleza, Caucaia e no Pecém. Para saber mais detalhes do curso, basta ligar na Central de Atendimento por meio do telefone 3272-5324. Já para quem quer aprender pela Internet, o canal 'Surviving In Korea' é uma boa opção. As aulas possuem traduções em inglês e português. Há também o aplicativo 'LingQ', que disponibiliza aulas gratuitas em coreano.

O caminho do pé e da mão

Quem foi aos cinemas para assistir ao filme 'O Shaolin do Sertão' em 2016 viu o ator Edmilson Filho usar de técnicas de artes marciais ao interpretar o protagonista 'Aluízio Li' sem precisar de dublê. É que tanto ele como diretor Halder Gomes são campeões de taekwondo, luta milenar da Coreia do Sul.

Taekwondo significa 'caminho do pé e da mão', daí vem o uso dos membros inferiores e superiores nos combates. Praticado em mais de 200 países, o esporte teve seu batismo nos Jogos Olímpicos de Verão em 1988 e entrou para as Olimpíadas no ano 2000.

No Ceará, o esporte começou a ganhar força há cerca de 30 anos. Nesta época, Fábio Almeida, mais conhecido por 'Ronin' - que é a classificação dos samurais errantes -, começou a dar seus primeiros golpes. Após conquistar diversos títulos locais, regionais e até mesmo fora do País, ele hoje se dedica à formação de jovens atletas e preside a Federação Cearense Esportiva de taekwondo (FECET). Confira entrevista em vídeo: