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Texto: Aline Conde Publicado em

Se por um lado o cearense, em geral, não come atum, nem sabe que com o peixe podem surgir diferentes receitas, por outro lado há em nosso Estado uma tradição pesqueira que começou a olhar para o peixe de águas profundas com bons olhos, com a finalidade de abastecer a indústria brasileira. Pensando em unir essas duas pontas, isto é, levar o atum pescado pelos locais à mesa dos cearenses, a Secretaria de Agricultura, Pesca e Aquicultura do Estado (Seapa) tem realizado diversas ações, desde o segundo semestre do ano passado, que fazem parte do projeto “Ceará Mares do Atum”.

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A principal ideia do projeto é ampliar o mercado de atum e fazer com que o peixe seja consumido pelos cearenses, já que cerca de mil toneladas de atum são pescadas mensalmente, de acordo com o secretário Euvaldo Bringel. As indústrias brasileiras e os restaurantes de sushi, principalmente de São Paulo, fazem parte do mercado que compra o peixe cearense. No entanto, de acordo com o gestor, sobra ainda muito atum para ser consumido.

O atum é um peixe de sangue quente, que possui uma temperatura interna maior do que as águas que habita. O fato possibilita ao peixe viajar mais depressa e para distintas regiões. Ou seja, o atum é um grande nadador, chegando a cumprir uma rota de até 170 km no mesmo dia. “Ele viaja da região mais gelada para a região mais quente, vai e volta. Sobrevive em cima e em muitas profundidades. Eles são muito agressivos e são donos dos mares mesmo”, afirma ainda Euvaldo Bringel.

“Se a gente for em um restaurante aqui em Fortaleza, não tem atum para o cliente comer. Se eu perguntar a alguém se ele comeu atum essa semana na casa dele, a resposta vai ser não. Se você não come atum e se não tem no restaurante, onde é que esse pessoal está vendendo o peixe (pescado pelos cearenses)? Está vendendo o atum no subúrbio da cidade e nas pequenas cidades do Piauí, com preço barato, a R$ 4 ou R$ 5 reais o quilo”, explica o secretário.

Foi neste contexto que a Seapa se uniu a diversos parceiros, como a Associação Cearense dos Chefs de Cozinha (ACC) e a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes no Ceará (Abrasel-CE). “A gente viu que era uma oportunidade, e você tem que trabalhar para melhorar esse preço, melhorar a venda dele. Surgiu, então, a Quarta-feira do Atum. Mas como o cearense não sabe fazer atum, nem comer atum, a gente fez um livro”.

Quarta-feira do Atum em Fortaleza

FOTO: Thalma Escócia / Livro Ceará Mares do Atum

Uma das etapas do projeto “Ceará Mares do Atum”, visa a promoção do produto para chegar ao consumo do cearense. Com isso, a Seapa e a ACC produziram um livro com receitas e organizaram o lançamento da publicação no Mercado dos Pinhões, em outubro do ano passado, com o “Festival Gastronômico Ceará Mares do Atum”. Na ocasião, os pratos das receitas do livro foram vendidos no local.

“A gente reuniu 20 chefs de cozinha, cada um fez uma receita. Foi tanto sucesso que foram consumidos 800 kg de atum e tudo acabou antes da solenidade. Mostrou claramente que é um prato muito bem aceito”, fala com empolgação o secretário, revelando ainda que muitas receitas foram desenvolvidas com temperos típicos da culinária cearense, como o que mistura atum com caju.

Alguns dos pratos disponíveis no festival e no livro "Ceará Mares do Atum"

FOTO: Thalma Escócia / Livro Ceará Mares do Atum
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Para ter acesso ao livro com as receitas, clique aqui.

O presidente da ACC e chef de cozinha, Luciano Ferreira, confirma o potencial do atum para chegar à mesa do cearense. “A gente quer apresentar o atum de maneira diferente, com outras receitas, outras releituras e mostrando possibilidades e formas diferentes a serem feitas com o atum. Já está sendo um potencial com essas ações iniciais que a gente fez, a gente já percebe. Em contato com os comercializadores do atum no Mercado dos Peixes, a aceitação e o volume de vendas dele têm aumentado consideravelmente”, comenta o chef de cozinha.

O Estado virou um grande pescador de atum e estamos hoje pescando cerca de um milhão de kg de atum por mês
Euvaldo Bringel

Como exemplo, ele cita o restaurante Turatti, na Varjota, o qual Luciano é consultor gastronômico. O local já serve aos clientes o prato "Ceviche de atum" (R$ 29,95) mas já está atualizando o cardápio para incluir novas possibilidades com o peixe. "Temos certeza que terá procura e queremos ter opções para servir", comenta o chef.

Confira receita de dois pratos preparados com atum:

Outra ação organizada é a “Quarta-feira do Atum”. A exemplo da Quinta do Caranguejo, popular em diversos restaurantes da cidade, a ideia é que vários restaurantes tenham a quarta-feira com promoções de pratos feitos a partir do atum, e que, a cada 15 dias, aconteça o "Festival do Atum" no Mercado dos Pinhões. Nesta quarta (7), por exemplo, já ocorrerá o festival das 8h às 22h, com diversas opções de pratos feitos com atum. Atualmente, a Seapa trabalha com a adesão dos restaurantes ao projeto, para servir o atum nas quartas, e acredita que em breve o consumidor encontrará o peixe com mais facilidade no menu das restaurantes.

Todo mundo ganha com a Quarta-feira do Atum, de acordo com o secretário. O cearense porque vai consumir pratos novos feitos a partir do atum além de terem preços promocionais, e a ACC porque desenvolve pratos diferenciados com o peixe. Os restaurantes também terão retorno positivo, já que devido à abundância do pescado, compram o atum por um bom preço, podendo servir um prato lucrativo, mesmo sendo promocional.

Eu acredito que a gente possa transformar o atum no prato típico do Ceará. Quem vem a Fortaleza, terá a vantagem de comer o peixe fresco realmente, o que não acontece em outras capitais
Euvaldo Bringel, Secretário de Agricultura, Pesca e Aquicultura do Estado

Quando questionado se a ação poderia se tornar futuramente uma ação consolidada como a Quinta do Caranguejo, uma das características da gastronomia cearense, o secretário ri com empolgação.

“Não é com essa pretensão toda, mas se pudesse ser, era bom demais. Tem tudo para ser porque tem oferta e abundância. A Quinta do Caranguejo, na verdade, surgiu quando o caranguejo vinha para o fim de semana e, quando chegava na quinta, era o melhor dia porque estava mais fresquinho. O pessoal descobriu e começou a comer na quinta”, explica o gestor da pasta.

O atum é um peixe de segunda?
O atum tem mesmo essa tachação do peixe de segunda, mas o peixe tem várias categorias. Tem o top, o mais ou menos e aquele que não tem valor agregado. Nós podemos trazer esse atum de primeira para dentro do nosso mercado e assim apresentar para o cearense um atum realmente verdadeiro, que tem uma aceitação, como é um prato típico e caríssimo em Lisboa e em Cabo Verde. A gente quer mudar essa realidade e fazer com que as pessoas tenham a percepção de que o atum pode ser também um prato feito de maneira clássica e objetiva, com requinte e toque especiais.
Luciano Ferreira, chef e presidente da ACC

Para o secretário, o atum tem todo potencial para ser um dos pilares da gastronomia cearense e, com isso, atrair até turistas. “Eu acredito que a gente possa transformar o atum no prato típico do Ceará. Quem vem a Fortaleza, terá a vantagem de comer o peixe fresco realmente, o que não acontece em outras capitais. O nosso trabalho é fazer do atum mais um motivo para se visitar Fortaleza. E não só isso, que ele se incorpore à alimentação escolar, à rotina das casas, porque é uma comida muito saudável", ressalta.

Mas de onde surgiu o interesse pela pesca do atum por parte dos cearenses?

O secretário explica que isso se deu após uma encomenda de uma empresa espanhola de enlatados, que tem uma fábrica em São Gonçalo do Amarante, na Região Metropolitana de Fortaleza. “A Robinson Crusoé é uma das maiores empresas do mundo na área de sardinha e atum enlatados e eles se instalaram aqui no Ceará em função do Porto do Pecém, que é estratégico para exportar para a Europa. Eles traziam atum da Ásia e sardinha da África. Com a chegada dessa indústria, as primeiras pessoas começaram a pescar atum sob encomenda deles”, comenta o secretário.

Os pescadores passaram por cursos de manuseio de alimentos e de navegação em alto mar, já que a pesca do atum acontece em águas internacionais

Após a pesca inicial de 60 toneladas para a Robinson Crusoé, a Vigilância Sanitária reteve a pesca. “Isso porque o nosso pescador é autorizado a pescar, mas ele não pode cortar e fornecer para a indústria o filé de peixe. Ele não tem curso de manuseio de alimentos. O pescador pode vender o peixe inteiro ou pode cortar o peixe na sua frente lá na praia, mas ele não pode cortar e colocar no supermercado para vender”, comenta o gestor da Pasta de Pesca. A partir daí a pesca do atum precisou ser regulamentada, uma vez que muitos pescadores de atum, na verdade, trabalhavam com a pesca de lagosta e, quando a lagosta estava em baixa, passavam para o atum.

O Mercado dos Peixes já vende atum, de acordo com o secretario Euvaldo Bringel. FOTO: Natinho Rodrigues

Para a regulamentação da pesca do atum, os pescadores tiveram que ser capacitados, com a finalidade de saber manusear adequadamente o peixe. Além disso, como a pesca acontece em alto-mar, eles passaram por um curso sobre navegação. “A gente fez um acordo de fazer a capacitação na área de navegação, para dar mais segurança à navegação, porque é lá em águas internacionais, é muito longe. Além disso, fazer um curso na área de alimentos. Atualmente, dentro do barco tem pelo menos um que fez o curso de manuseio de alimento e pelo menos um que fez o curso de navegação em alto mar, que foi dado pela Marinha”, explica o secretário Euvaldo Bringel.

Outras modificações foram feitas, dessa vez na estrutura dos barcos, inicialmente lagosteiros. “Algumas modificações foram exigidas pela área de alimentos. O gelo, por exemplo, tem que ser inspecionado antes, porque entra em contato com o peixe aberto e não mais com o peixe inteiro. O local onde ficava a lagosta é de madeira, mas madeira porosa pega sujeira, aí tivemos que mudar, colocando inox ou fibra”. Todas as modificações nas embarcações foram realizadas pelos armadores, os donos dos barcos. O Ministério Público também fez algumas exigências visando o combate ao trabalho escravo. Foram colocadas camas para os pescadores, banheiro e uma cozinha.

“Com esse destravamento aqui e esse aprendizado do atum, o setor cresceu rapidamente. Hoje nós temos 100 barcos pescando atum e a gente tem pelo menos outros 30 barcos em construção, sendo bem maiores do que os de lagosta. O Estado virou um grande pescador de atum e estamos hoje pescando cerca de um milhão de kg de atum por mês. Desse um milhão de kg, só a Robinson Crusoé transforma em lata 300 toneladas, ou seja, 300 mil kg por mês”, revela o secretário. Entre os municípios cearenses que possuem pesca de atum está Itarema, Acaraú, Camocim, Aracati e Icapuí.

Serviço

Turatti
Ana Bilhar, 1178 – Varjota
De terça a domingo, das 17h às 0h
85) 3099-2829