Diário do Nordeste Plus

Reinvenção do brincar

Conheça a rotina de pais, profissionais e educadores que estimulam crianças a se divertirem com brincadeiras do passado

As primeiras expressões, desejos e sonhos de um ser humano são construídos a partir de uma brincadeira. Além de um entretenimento, o ato de brincar é obrigatório, pois ele é essencial para o desenvolvimento social, cognitivo, afetivo e de linguagem de uma criança. Com o passar do tempo as brincadeiras populares, presentes noutras épocas, como pega-pega, carrinho de controle remoto, esconde-esconde, amarelinha, sete pecados, entre outras, estão sendo substituídas pela tecnologia. De acordo com a pesquisa "Valor do Livre Brincar", no Brasil, 85% dos pais concordam que as crianças, frequentemente, não querem brincar sem tecnologia. Ao mesmo tempo, 84% deles acreditam que seus filhos são mais criativos quando brincam sem eletrônicos.

A intimidade que os jovens do século XXI possuem com a tecnologia origina uma preocupação extra nos pais. Isso porque muitos estão deixando de viver as maravilhas da infância para conviver com o mundo ilusório que os dispositivos eletrônicos fornecem. Este incômodo tem ocasionado uma necessidade de reaproximação dos adultos com os jovens, que reservam algumas horas do dia para ensinarem as crianças a brincarem sem a precisão do virtual.

Tradição familiar

Irismar Nogueira, mãe da Ester e da Cecília e tia do Gustavo Nogueira, não cansa das brincadeiras antigas Foto: Thiago Gadelha

Nascida numa grande e típica família do interior cearense, Irismar Nogueira viveu uma digna infância dos sonhos para qualquer criança. Isso porque teve, junto com os seus irmãos, a liberdade para explorar a natureza e extrair todas as brincadeiras possíveis que um jovem pode ter. Além da diversão ser importante para o seu entretenimento, ela também foi fundamental para o seu crescimento profissional, pois foi "meninando" que ela começou a sua paixão por design de interiores. "A casa das minhas bonecas e também a minha casa na árvore eram sempre as mais organizadas, tinha comidinha, móveis, roupas e outros itens decorativos. Isso fez com que eu despertasse o desejo de trabalhar com organização no meu dia a dia", complementa.

O seu crescimento pessoal por meio das brincadeiras de infância, fez com que Irismar sentisse a necessidade de repassar tudo que aprendeu para as suas filhas. Ester, a mais velha, teve mais facilidade para descobrir o lado bom da vida, pois nasceu e passou toda a sua juventude no interior. Lá, ela pode sair de casa para brincar na rua com outras crianças e ter mais contato com as recreações do mundo exterior. Enquanto que Cecília, a mais nova, vive sua infância em Fortaleza. Mesmo não podendo oferecer a mesma liberdade que tinha, por causa dos perigos da Capital cearense, Irismar tenta fazer com que a filha não deixe as brincadeiras de lado por conta da tecnologia.

"Sempre queremos dar o melhor aos nossos filhos e as minhas lembranças mais satisfatórias vêm da minha infância. Por isso que quero que elas vivam sua juventude"Irismar Nogueira

Como não pode deixar que a filha fosse para a rua, ela fez com que a rua viesse até sua filha, ou seja, improvisou uma amarelinha no corredor do seu prédio e construiu um castelinho para que Cecília e suas amiguinhas pudessem explorar a imaginação. "Eu tiro um tempo do meu dia para sentar com Cecília e conversar sobre minha infância. No meio disso vamos brincando de arrumar a casinha de brinquedos, de pentear as bonecas e de desenvolver histórias", afirma Irismar Nogueira.

Buscando orientar outros pais, Irismar sugere que eles agucem a curiosidade das crianças mostrando imagens, brinquedos e também relatando as lembranças mais marcantes da juventude. Mas de acordo com a mãe, não adianta apenas falar, também é importante sentar com o filho e mostrar como as brincadeiras são elaboradas. Pois é desta forma que um jovem vai sentir a vontade para explorar o mundo como um todo.

Brincadeira coletiva

Renato Nogueira, Emanuele Ester, Petrus Rennan, Antonio Felipe e Edmilson Monteiro gostam de brincadeiras tradicionais Foto: Thiago Gadelha

Melissa Rodrigues é mãe de Antônio Felipe e Emanuela Ester, crianças que não dispensam uma boa brincadeira. Nascida em uma pequena família, ela teve que utilizar toda a sua capacidade criativa para poder brincar na sua infância. Isso porque existia uma enorme diferença de idade entre ela e o seu irmão. Para driblar a solidão e os momentos de ócio, ela buscou apoio nos livros, nas revistas e nos quadrinhos. "Brincadeira" que Melissa nunca deixou de lado, pois a acompanha até no seu trabalho como profissional de marketing.

As brincadeiras da infância de Melissa as marcaram até os dias atuais e não demorou para que ela começasse a orientar seus filhos a explorarem o mundo com a imaginação. Morando em uma casa ampla, ela permite que as crianças tenham total liberdade para experimentar, seja desenhando, pintando figurinhas, jogando bola nos corredores e até mesmo cuidando dos peixes, animais de estimação da casa. As energias que eles consomem brincando é tamanha que o videogame e o computador passam na maioria das vezes despercebidos.

"A brincadeira é a coisa mais importante que uma criança pode possuir na infância. Ela liberta, transforma e é fundamental para um crescimento saudável"Melissa Rodrigues

Mesmo passando uma boa parte do dia no trabalho, Melissa não permite que os seus filhos percam os momentos de lazer da rotina familiar. Para isso, ela conta com o apoio de Renato, seu marido, Petrus, seu enteado, e de Edmilson, avô das crianças. "Todo noite nós nos reunimos, seja aqui no apartamento, ou nos espaços do condomínio. As brincadeiras são as mais distintas possíveis. Cada dia eles procuram algo novo para explorar e nós orientamos de perto o crescimento e a curiosidade deles", complementa.

Estimulando o desejo de brincar desde cedo em seus filhos, Melissa acredita que o pontapé inicial para pôr as atividades em prática está no diálogo dos pais com as crianças. Isso porque são com estas conversas, junto com atenção e disposição, que os jovens vão perder o medo de descobrir o mundo.

Espaço de criança

Leonardo de Mendonca e Melissa Simonetti, proprietários do parque Bambolim Foto: Thiago Gadelha

Foi com o pensamento de recriar um quintal voltado para brincadeiras infantis, que a Bambolim Pé de Imaginação foi desenvolvida por Leonardo de Mendonça e Mariana Simonetti. Na época em que o empresário trabalhava nas escolas como educador físico, percebeu que as crianças tinham carências no seu dia a dia ocasionadas pela falta de atividades de lazer. Na maioria das vezes não estimuladas pelos pais e/ou colégios. Porém, a ideia de construir um espaço dedicado para os jovens só veio acontecer depois que o profissional conheceu Mariana. Após a aproximação dos dois, eles decidiram começar elaborando uma colônia de férias que já funciona há mais de sete anos em Fortaleza.

Após a consolidação da colônia, eles sentiram a necessidade de elaborar um espaço onde as crianças pudessem se divertir ao extremo sem que fosse somente nas férias. Com a ajuda de Amália Simonetti, mãe de Mariana, e profissional conhecida por desenvolver projetos de alfabetização infantil no Ceará e no Brasil, a Bambolim Pé de Imaginação saiu do papel.

"Brincar é a forma mais espontânea do ser humano se comunicar, se expressar e se desenvolver"Leonardo de Mendonça

Na maioria das vezes, identificada como um parque de diversões, a casa não foi desenvolvida apenas para entreter as crianças, mas para ajudá-las nos seus processos de desenvolvimento. Para isso, os empresários sempre viajam ao exterior para realizar cursos e se aproximar das teorias de Joffre Dumazedier, sociólogo francês pioneiro nos estudos do lazer e de formação. Todos os conceitos adquiridos nas viagens são repassados para os colaboradores da casa, onde começam a trabalhar com a imaginação dos jovens.

Dividida em 480m², o Bambolim Pé de Imaginação conta com múltiplas salas que podem alegrar crianças de 1 a 10 anos, como o espaço faz de conta, espaço jogos de tabuleiros, espaço fantoches, espaço arte, espaço baby, espaço movimentus, espaço games, espaço pé de imaginação e espaço leitura.

Ensinar brincando

Cecília Nogueira brincando de amarelinha Foto: Thiago Gadelha

"Se eu fosse um aluno, como eu gostaria de ter minha aula?". Foi com esse pensamento que Cintia Rocha, educadora do infantil IV, desenvolveu um método diferente para instruir os seus alunos. A professora utiliza brincadeiras na sua rotina de trabalho para ensinar. Segundo ela, a prática das brincadeiras favorece o seu serviço e enriquece os conteúdos aplicados durante as aulas. Além do mais, o ato de brincar colabora com todo o desenvolvimento da classe e das crianças, melhorando a criação, a curiosidade, a sociabilidade, o físico e o emocional.

Na rotina dentro da sala de aula, Cintia habitualmente costuma introduzir as brincadeiras que eram populares na sua infância, como pular corda, amarelinha, elástico, bambolê, bonecas, jogos de memória, pega-pega e quebra-cabeça. Essas brincadeiras são incluídas nos conteúdos de linguagem e natureza, matemática e sociedade, ou seja, o trabalho é realizado de forma interdisciplinar, pois contribui para assimilar o conteúdo de forma lúdica, além de trabalhar os valores como compartilhar e esperar a vez.

"O brincar é fundamental para a formação da criança, já que é através dele que a criança se entende"Cintia Rocha, educadora do infantil IV

A profissional destaca que como educadora, o seu papel é auxiliar na formação dos jovens, mas este desenvolvimento não é para ser extraído apenas na escola, pois a maior contribuição que um jovem pode ter é dentro de casa. Como uma dica que serve também como orientação, Cintia aconselha que os pais tirem um tempo do seu dia para passear com os filhos ao ar livre. No entanto, caso não seja possível sair de casa, que criem brincadeiras, como cabanas para explorar a leitura ou jogos de memória. O brincar é fundamental para a formação da criança, já que é através da ação que elas se entendem.

Educação com lazer

Além de dar continuidade às atividades desenvolvidas no parque, os empresários Leonardo de Mendonça, Mariana Simonetti e Amália Simonetti encontram tempo para se dedicar aos cursos de administração, lazer e educação. O objetivo é contribuir para o desenvolvimento das atividades educacionais que ajudam no crescimento das crianças. Eles são formados em educação física, administração e pedagogia, com especializações e experiências em recreação, administração escolar e em métodos de alfabetização.

Tendo Joffre Dumazedier, sociólogo francês, como foco, o educador acredita que as crianças apresentam diferentes áreas de interesse e são a partir dela que a formação cultural é desenvolvida. "É muito difícil uma criança não se interessar por nada, sempre algo será tendencioso para a sua criação, seja o meio esportivo, artístico, intelectual, tecnológico, entre outros", complementa Leonardo de Mendonça.

"A ausência das brincadeiras na infância está ocasionada pela falta de indisponibilidade dos adultos"Leonardo de Mendonça

Quando o assunto é a movimentação presente nas brincadeiras, Leonardo, como educador físico, ressalta que a ausência física nas atividades é ruim para formação corporal e mental de uma criança. Isso porque elas contribuem para a capacidade motora e cognitiva. "Se um jovem não tem atos motores na infância, ela provavelmente terá dificuldade em ter uma coordenação motora na sua fase adulta", justifica.

Leonardo de Mendonça aconselha que as famílias se envolvam mais nos momentos de entretenimento dos filhos. "Precisamos de uma análise crítica para perceber quais são as prioridades da vida. Brincar e repassar a brincadeira é uma delas. Pois o ato de brincar é saudável para o corpo, e também para a relação entre pais e filhos".