Em defesa dos sabores do Nordeste - Parte 2 - Diário do Nordeste Plus
Diário do Nordeste Plus

Em defesa dos
Sabores do Nordeste

Parte II — Conheça projetos que estão salvando os alimentos do Nordeste por meio de ações sustentáveis.

Texto: Felipe Lima

13/03/2017

Diante das transformações socioambientais vivenciadas pela população nordestina que impactaram sobre os hábitos de alimentação, faz-se necessário reconhecer e apoiar ações populares de preservação dos alimentos típicos da região. A segunda parte do especial “Em defesa dos sabores do Nordeste” apresenta projetos que estão mudando a realidade de estados nordestinos.

Estes projetos implementados nos quatro cantos da região envolvem a defesa da biodiversidade representando não somente uma melhoria da qualidade de vida dos pequenos agricultores, mas também garantem o futuro da população local.

Para o ser humano, a alimentação é tão mais saudável quando composta de vários tipos de alimentos. É possível oferecer uma verdadeira diversidade de cores e sabores quando, mesmo em uma refeição básica, são incorporados os hábitos alimentares regionais. Isto reflete em uma sintonia com os recursos que a natureza local oferece com as pessoas que tratam a natureza como um bem maior.

Resgate do Pequi: emprego e renda na caatinga

Anualmente, no período de janeiro a abril, a mesa do sertanejo ganhava um ar adocicado com a chegado do pequi. A fruta típica do cerrado e também da caatinga foi desaparecendo com uso desordenado e o impacto do clima, principalmente na região Nordeste.

O tronco do pequizeiro com seus imponentes 10 metros de altura quase sumiu do mapa no início dos anos 90. Naquela época, a árvore teve que ser declarada imune ao corte pelo extinto Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal.

O pequi é um fruto típico do Cerrado brasileiro, mas ainda resiste em algumas áreas do Nordeste
O pequi é um fruto típico do Cerrado brasileiro, mas ainda resiste em algumas áreas do Nordeste. FOTO: Divulgação/DoDesign

A situação do pequi no Nordeste não é mais tão arriscada como em 1986, mas continua sendo rara. “Anteriormente, os pés de pequi eram cheios. A quantidade era tanta que muitos caíam e apodreciam. Hoje o que se vê é um pé ou outro carregado”, conta Jackson Ferreira, catador de pequi na cidade do Crato, na região do Cariri, no Ceará.

Com 25 anos hoje, Jackson lembra que as famílias acordavam às 3h da madrugada para caçar pequis. Segundo ele, o fruto cai durante as primeiras horas da manhã e os catadores precisavam resgatá-los antes que ficassem ruins para o consumo. “A gente subia ia até o pé da serra para colher. Comecei cedo, aprendi com meu pai. Eu tinha uns 15 anos quando comecei. A gente voltava com os sacos cheios de pequi depois de andar por algumas horas”, conta.

Hoje, com 25 anos de idade, o agricultor afirma que, na cidade do Crato, quem vive da colheita e venda do fruto percorre cerca de 7 quilômetros diariamente para encontrar pequizeiros. A caminhada se dá tanto na madrugada como no início da noite.

Na região, 100 quilos do produto são vendidos por cerca de R$ 20. A iguaria nordestina de coloração amarelo-intensa é vendida tanto de porta em porta como em feiras. Na tentativa de resgatar a importância socioeconômica do pequi, o Slow Food iniciou um trabalho junto à Comunidade de Novo Horizonte, na localidade de Cacimbas, na cidade de Jardim, também no Ceará.

Infogragia - Cada pequizeiro fornece em média 6 mil frutos ao ano. Altamente calórico, possui sabor perfumado e único.

Lá, quando a fruta se esparramava pelo chão, era aproveitada e dela era produzido em óleo de cozinha, medicina caseira e elaboração de cosméticos. Com cerca de 1.000 produtores, a comunidade recebia capacitação para que a coleta seguisse critérios ecológicos, além de informações, processamento e venda de produtos derivados do pequi.

A parceria com o Slow Food acabou, mas há quem ainda busque a preservação do fruto. É o caso do projeto Pequi Vivo, criado por estudantes do Centro Universitário Doutor Leão Sampaio (Unileão), de Juazeiro do Norte.

Eles tiveram a ideia de criar uma cooperativa em que famílias da região da Chapada do Araripe, no Ceará, pudessem aumentar a renda da comunidade local, por meio da produção e comercialização do fruto.

Fomento à produção de pequi na Chapada do Araripe leva esperança para pequenos produtores da região.FOTOS: Divulgação/Pequi Vivo

Devido a sua importância, o projeto Pequi Vivo virou realidade ao vencer o Prêmio Santander Universidade Solidária 2014 e recebeu R$ 100 mil para criar uma cooperativa onde famílias da região da Chapada do Araripe, no Ceará, pudessem aumentar a renda da comunidade local, por meio da produção e comercialização do fruto.

“A gente saiu nas ruas da cidade do Crato em busca de pessoas que trabalhavam com o pequi e que gostariam de participar do projeto. Inicialmente, foram selecionados cerca de 20 famílias. Eles receberam capacitação e foram acompanhados pelo estudantes e professores da faculdade”, diz o estudante de Gestão Comercial da Unileão, Elielson Bezerra, de 23 anos.

Oferta do PEQUI nas Centrais de Abastecimento do Ceará

Com o caminhar do projeto, o dinheiro recebido pelo banco serviu para a construção de um galpão que serve para o armazenamento e processamento do pequi. Com cerca de um ano após a construção, o local ainda não está funcionando a todo vapor, por ainda carece de ajustes na rede elétrica.

O estudante Elielson Bezerra foi um dos fundadores do projeto Pequi Vivo. FOTO: Divulgação/Arquivo Pessoal
O estudante Elielson Bezerra foi um dos fundadores do projeto Pequi Vivo FOTO: Divulgação/Arquivo Pessoal

Atualmente, os agricultores recebem capacitação para aprender a manusear as máquinas que processam o fruto. “Nós queremos unir o nosso conhecimento acadêmico com o popular e ajudar cada vez mais famílias do interior do Ceará. O resultado ainda não é tão grande, mas tem muita coisa para acontecer”, planeja o estudante.

Com galpão em pleno funcionamento, Elielson explica que a saca de 100 quilos do pequi, que na época da colheita custa cerca de R$ 20, passará a ser vendida por até R$ 80.

“Tudo o que fizemos até aqui é muito gratificante, pois a partir de um projeto empreendedor estamos ajudando a preservar um fruto típico da nossa região que muitas empresas nem sabem que existe, mas que ajuda muita gente, seja na alimentação ou na geração de emprego e renda”, conclui o estudante de gestão.

Um dos beneficiados com o Pequi Vivo, o agricultor da comunidade do sítio Cruzeiro, no Crato, acredita que futuramente os pequizeiros voltarão a dar mais frutos e fomentar o comércio na região. Para Jackson, o projeto ainda está dando os primeiros passos.

O gerente local da Ematerce, engenheiro agrônomo Francisco Porto, afirma que, mesmo em meio às dificuldades de se produzir pequi na região da Chapada do Araripe, o alimento continua sendo de grande importância para a economia, pois apresenta-se como fonte de renda para as famílias extrativistas da região, assim como há deslocamentos de produção para outras localidades, tendo impactos na economia cearense.

Porto afirma que, apesar dos riscos que o extrativismo e a estiagem impõem aos pequizeiros, na serra do Araripe o pequi é mais protegido, mas indica outros “inimigos”.

Seja in natura ou em forma de doce, o pequi é um fruto rico em nutrientes para o homem. FOTOS: Slow Food/Pequi Vivo/Divulgação

“No município do Crato, considerando-se o pequi do Arisco, como é conhecido aqui nas adjacências do Bairro São José entre Crato e Juazeiro do Norte, a especulação imobiliária torna-se um dos grandes inimigos da produção”, aponta.

Como o objetivo de fomentar a produção de pequis, a Ematerce tem desenvolvido ações quanto à coleta, extrativismo, manipulação do pequi. Na cidade de Barbalha, por exemplo, o órgão faz um trabalho de multiplicação de mudas de pequi precoce que, conforme Francisco Porto, em muito contribuirá para a reformulação de áreas que foram dizimadas.

Preservação de abelhas nativas e do "ouro líquido"

Antes mesmo do Brasil ser Brasil, os povos indígenas mantinham o costume de criar abelhas sem ferrão e fomentar a produção de mel. Com o passar do tempo, essa tradição foi repassada para comunidades tradicionais e a meliponicultura tornou-se, além de fonte de renda, uma forma de preservar a biodiversidade, principalmente na região Nordeste.

De acordo com o movimento Slow Food, o mel das abelhas sem ferrão foi, por exemplo, fonte de alimento nas longas jornadas dos vaqueiros e dos tropeiros ou utilizado como principal medicamento para as quebradeiras do licuri e comunidades fundo de pasto. Mesmo considerada rústica e às vezes predatória, a prática tradicional de extração do mel nessas comunidades rurais acumulou um enorme conhecimento sobre as abelhas nativas, sua relação com o meio ambiente e o homem.

Devido sua atratividade econômica, algumas espécies típicas da região foram desaparecendo. É o caso das abelhas jandaíra, jataí, mandaçaia, moça branca munduri e tiúba. Para evitar que tais insetos entrem em extinção, o Slow Food conta com a ajuda de meliponicultores que buscam fortalecer a rede de proteção e produção no Nordeste.

Nativa do Nordeste, a abelha jandaíra produz um mel de aroma e sabor único.
Nativa do Nordeste, a abelha jandaíra produz um mel de aroma e sabor único. FOTO: Éden Barbosa/Divulgação

Entre as ações desenvolvidas em prol das abelhas nordestinas está o mapeamento da agrobiodiversidade local, a catalogação de espécies de abelhas nativas na Arca do Gosto, a promoção da qualidade do mel e valorização da flora nativa para garantir o bem-estar animal, assim como o reconhecimento dos meliponicultores como guardiões da biodiversidade.

Além de criar oportunidades econômicas para pequenos produtores, a valorização da meliponicultura ajuda na permanência de homens e mulheres do campo em suas terras, evitando o êxodo para a busca de emprego em grandes cidades. É o caso da Rede de Meliponicultores da Caatinga que envolve os estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Bahia e Maranhão.

No sertão do Rio Grande do Norte, na cidade que leva o nome de Jandaíra, a produção do mel não podia ser diferente. Lá, a meliponicultura que visa o fortalecimento da produção de mel por abelhas nativas sem ferrão vem dando grandes resultados.

Nascido no povoado do Cabeço, daquela cidade potiguar, Francisco Melo Medeiros observava a vida das abelhas e o trabalho dos profissionais da região desde criança. O futuro não tinha como ser diferente.

Antes de conhecer a fundo a produção de mel, o então menino de 10 anos foi trabalhar na roça como “espantalho”. Isso mesmo: sua função era espantar os pássaros que insistiam em danificar as plantações da família no interior do Rio Grande do Norte.

Francisco Melo, que um dia foi ‘’espantalho’’, hoje é responsável por fomentar a produção sustentável do mel de jandaíra no interior do Rio Grande do Norte. FOTO: Arquivo Pessoal
Francisco Melo, foi ‘’espantalho’’, hoje é responsável por fomentar a produção sustentável do mel de jandaíra no interior do Rio Grande do Norte. FOTO: Arquivo Pessoal

“Filho caçula, desde cedo assumi o trabalho na agricultura, ajudando meus pais e também trabalhando para fazendeiros da região. Meu primeiro trabalho ‘oficial’ aos 10 anos foi de ‘espantalho’: fui contratado para espantar os pássaros nas plantações de um vizinho. Os adultos que trabalhavam nesta fazenda admiravam a minha bicicleta, construída por mim com restos de sucata. A tarde ia para a escola pública local. Construí com os amigos uma casinha de taipa, onde cantávamos e tocávamos os instrumentos de lata confeccionados por nós ali mesmo”, relembra com alegria.

O tempo foi passando e Francisco foi fixando-se na localidade que nasceu. Evitou ir para a “cidade grande” em busca de oportunidades, pois acreditava que as coisas iriam melhorar no povoado de Cabeço. Foi então que, no contato direto com as abelhas que o destino dele daquele jovem foi traçado.

“Num dia de muita tristeza, troquei duas galinhas pela minha primeira caixa de abelha jandaíra que foi pendurada num umbu e me deu no fim do ano, meio litro de mel. Com nova seca chegando, as abelhinhas foram embora… Inconformado pela perda sai em busca dos meliponicultores mais velhos, com quem fui aprendendo o manejo rudimentar e a paixão pela atividade. Ao concluir o ensino médio, retomei a criação de abelhas nativas, percebendo o potencial de atividade produtiva, que estava desaparecendo no município que leva o nome da própria abelha: jandaíra”, explica.

Sem deixar de lado a importância das abelhas para sua vida e região, o potiguar iniciou os estudos na área de Pedagogia em 2006. No meio do curso viajou para cidade de Turim, na Itália, onde conheceu o trabalho do Slow Food. Encantado, ele voltou para o Brasil com a certeza de que podia colaborar mais com a proteção e perpetuação da vida das abelhas jandaíras.

Francisco Melo, que um dia foi ‘’espantalho’’, hoje é responsável por fomentar a produção sustentável do mel de jandaíra no interior do Rio Grande do Norte. FOTO: Arquivo Pessoal
A Associação de Jovens Agroecologistas Amigos do Cabeço (JOCA) segue os princípios do alimento “bom, limpo e justo”. FOTOS: JOCA/Reprodução

“A meliponicultura na nossa região sempre foi um complemento à renda das famílias. Atualmente desenvolvo projetos de preservação da espécie jandaíra para fortalecer a cadeia produtiva e garantir, num futuro próximo, renda baseada na meliponicultura. ‘O pão de cada dia’ é garantido por outras atividades da agroecologia onde a meliponicultura está integrada”, explica.

Mais do que um meliponicultor, Francisco vem atuando fortemente em atividades de proteção à biodiversidade. Com a chegada do Slow Food na comunidade, seu trabalho ganhou ainda mais força. Daí então surgiu a Associação dos Jovens Agroecologistas Amigos do Cabeço (Joca).

“O Slow Food trouxe para mim e para minha comunidade a vontade de lutar pela preservação da nossa biodiversidade, trouxe o espírito de trabalhar em comunidade e a nossa responsabilidade com os alimentos em risco de extinção”, comenta Francisco Medeiros.

“Busco inspiração num pensamento de São Francisco para os trabalhos na Comunidade: comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível e de repente você estará fazendo o impossível” Francisco Medeiros, meliponicultor

Para o meliponicultor, contribuir para o meio ambiente é a grande inspiração e motivação para trabalhar com agroecologia e meliponicultura. “É muito gratificante perceber que produzindo alimentos bons, limpos e justos estamos contribuindo para o meio ambiente e para o desenvolvimento humano.”.

Como a maior parte da atividade agrícola no Nordeste, o sucesso da produção está ligado às chuvas e com o mel não é diferente. E, com os sucessivos anos de seca na região, o trabalho vem sofrendo prejuízos. Para Francisco, no atual cenário, não é possível quantificar a produção. Em anos de boas chuvas e boas safras, a renda média do produtor com a atividade pode-se chegar até R$ 6 mil ao ano.

“Estamos atravessando um ciclo seco de 6 anos de escassas e raras chuvas. Vale ressaltar, que o período de chuvas na nossa região deveria começar em janeiro e que até hoje (fevereiro) nenhuma chuva ocorreu”, reforça.

O mais importante é que com ou sem chuva, Francisco e os jovens da cidade de Jandaíra estão compromissados com o futuro dos animais e do alimento que sai do Nordeste para os quatro cantos do País.

“Busco inspiração num pensamento de São Francisco para os trabalhos na Comunidade: comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível e de repente você estará fazendo o impossível”, Francisco Medeiros, meliponicultor.

Escolha a espécie e saiba mais

Jandaíra
(Melipona subnitida)
Moça branca
(Frieseomelitta doederleini)
Jataí
(Tetragonisca angustula)
Mandaçaia
(Melipona quadrifasciata anthidiodes)
Tiúba
(Melipona fasciculata)
Abelha Mandaçaia
(Melipona mandacaia)
Munduri
(Melipona asilvai)

Além do trabalho da Arca do Gosto, outra entidade que visa o fortalecimento da biodiversidade por meio do fomento à meliponicultura é a Associação Caatinga. Fundada em 1998 com objetivo de proteção da carnaúba, expandiu seu trabalho e hoje atua, entre outros projetos, com o desenvolvimento sustentável das atividades em torno da produção do mel da abelha jandaíra.

O agricultor Carlito Rodrigues, da Comunidade de Lagoas, localizada na cidade de Crateús, no interior do Ceará, afirma que, desde pequeno, que ouve falar na questão do desmatamento e as alterações no clima. Ele conta que isto lhe chamou atenção para defender a biodiversidade.

Carlito encontrou na produção sustentável de mel um fonte de renda e, ao mesmo tempo, o prazer pelo zelo às abelhas nativas da Caatinga.
Carlito encontrou na produção sustentável de mel um fonte de renda e, ao mesmo tempo, o prazer pelo zelo às abelhas nativas da Caatinga.FOTO: Éden Barbosa/Divulgação

Com uma grande vontade de colaborar com a melhoria nas condições do trabalho em relação ao meio ambiente, o jovem escolheu a abelha para implementar sua colaboração. O que chama atenção é que ele não se dava bem com o animal.

Após participar de um curso que ensinava técnicas de apicultura, o agricultor descobriu que tinha alergia a picada da abelha com ferrão. Foi então que ele teve que encerrar as atividades temporariamente, até conhecer a abelha jandaíra, que são as principais polinizadoras de 30% a 95% das espécies de árvores da região.

A promoção do manejo e criação de abelhas nativas sem ferrão é parte da estratégia do projeto de estimular o uso sustentável de recursos naturais e a geração de renda. As atividades da Associação Caatinga fazem parte do projeto No Clima da Caatinga, que inclui a conservação de florestas em áreas susceptíveis ao desmatamento e queimadas, abrem novos caminhos às famílias que vivem no entorno da Reserva Particular do Patrimônio Natural Serra das Almas, mantida pela organização.

O mel da jandaíra representa uma alternativa de renda para as populações do semiárido. Além disso, o alimento promove benefícios para a saúde por ser rico em propriedades medicinais e substâncias necessárias ao organismo humano como proteínas e sais minerais.

No Nordeste, a produção de mel somente é suficiente quando a chuva resolve aparecer. Diante deste cenário, o resultado é um mel claro, de coloração âmbar claro ou até mesmo cristalino, fluido, ligeiramente ácido e com notas de ervas e especiarias.

De acordo com o Slow Food, as jandaíras costumam formar suas colônias em cavidades de troncos de imburana (Commiphora leptophloeos), árvore típica da Caatinga. Para a produção de mel, são criadas em colmeias de madeira ou em cortiços, nome dado aos segmentos de troncos ocos cortados especificamente para a criação de abelhas.

Francisco Melo, que um dia foi ‘’espantalho’’, hoje é responsável por fomentar a produção sustentável do mel de jandaíra no interior do Rio Grande do Norte. FOTO: Arquivo Pessoal
Boas práticas para a reprodução das abelhas nativas sem ferrão contribuem para o fortalecimento da meliponicultura nordestina. FOTOS: Éden Barbosa

Para o coordenador de tecnologias sustentáveis da Associação Caatinga, Gilson Miranda, reinserir a abelha no cotidiano do sertanejo e na natureza é também transformar a percepção do pequeno produtor em relação ao meio ambiente.

“Todo o resultado positivo é graças ao Projeto No Clima da Caatinga. Com ele estamos conseguindo mudar o olhar das comunidades em relação à Caatinga, que está deixando de ser uma fonte de extrativismo, para uma fonte sustentável de renda”, afirma Miranda.

A mudança da vida do sertanejo com o incentivo ao manejo de abelhas sem ferrão é clara. Como também relata o casal de produtores Moacir Lima Filho e Soraya Rodrigues Lima, da Comunidade Rural Santana, da cidade de Crateús.

Hoje, a principal ameaça à abelha jandaíra é a destruição do seu habitat natural, a Caatinga. O movimento Slow Food estima que o bioma mantém apenas metade de sua cobertura vegetal original. O desmatamento é ainda mais preocupante se levada em conta a vulnerabilidade desse bioma às mudanças climáticas, sofrendo a Caatinga forte tendência à desertificação.

As abelhas estão entre os principais polinizadores do planeta. Sua extinção pode ameaçar também a sobrevivência do homem. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, em algumas partes do mundo, estudiosos do assunto já confirmam a redução de colônias entre 30% e 70%, indício de que todas as espécies estão ameaçadas. Cientistas classificam o fenômeno da redução dessas populações de desordem de colapso da colônia, significando sérios prejuízos para a biodiversidade, a produção de alimentos e a economia em geral.

Polinizadores, como as abelhas e outros insetos e animais, representam um dos mecanismos essenciais à manutenção e promoção da biodiversidade no planeta, pois é somente após a polinização que as plantas formam frutos e sementes, fontes da sua própria reprodução.

Pesca artesanal: a vida que vem das águas

Sob o clima quente e seco da cidade de Orós, a mais de 400 quilômetros de Fortaleza, Eliete Cunha, hoje com 45 anos, viu seu pai tirar o sustento da família do açude que leva o mesmo nome da cidade. Décadas atrás, quando a seca resolvia não aparecer, a fartura de peixes era grande. Mas os tempos mudaram e a família daquela jovem teve que desbravar outras águas.

Se filhote de peixe peixinho é, a regra também serve para os pescadores. Com uma rede de fios nas costas e anzol fincado na vara de pescar, Eliete Cunha foi se aventurar na Bahia ainda adolescente, precisamente na localidade de Remanso, sobre as margens do Rio São Francisco.

A pesca artesanal segue rigores que evitam o desaparecimento de peixes da região Nordeste.
A pesca artesanal segue rigores que evitam o desaparecimento de peixes da região Nordeste. FOTO: Revecca Tapie

Para explorar as águas do Velho Chico, a cearense Eliete Cunha juntou-se a outras mulheres que possuíam habilidade da pesca e, juntas, criaram uma colônia de pescadores. No início, a venda do pescado era feita por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que é uma ação do Governo Federal para colaborar com o enfrentamento da fome e da pobreza no Brasil e, ao mesmo tempo, fortalecer a agricultura familiar. Para isso, o programa utiliza mecanismos de comercialização que favorecem a aquisição direta de produtos de agricultores familiares ou de suas organizações, estimulando os processos de agregação de valor à produção. Só que, em 2006, o contrato com foi encerrado devido a exigências.

“O Governo disse que não podia mais comprar da colônia e que a gente teria que montar uma associação para continuar vendendo. Foi aqui que criamos a Associação de Pescadores e Pescadoras de Remanso.”, explica Eliete Cunha.

Com 9 anos de existência, a Associação de Pescadores e Pescadoras de Remanso (APPR) atua na pesca e processamento de peixes do Rio Francisco. São pescados cerca de 2.500 peixes por mês em um trabalho conjunto de 32 mulheres. Desse montante são produzidos cerca de 1.000 quilos de outros alimentos.

“São quatro grupos, cada um tem uma coordenadora para organizar o trabalho daquele dia. Sempre revezando, pois cada semana é um grupo diferente. Quando é no fim do mês, todas têm produzido em partes iguais. Não existe esse negócio de fulano ganha mais ou menos. Depois de tirar todas as despesas, a gente tira 5% para ficar de capital de giro. O que sobra a gente divide em partes iguais”, explica a pescadora artesanal, que é também coordenadora geral da APPR.

A pesca artesanal é uma das atividades mais antigas do mundo que, ao longo dos séculos, vem representando o modo de vida e cultura alimentar local, contribuindo com a manutenção do ecossistema/bioma de uma região, promovendo a dinâmica sociocultural e a economia de um território.

Os peixes do Rio São Francisco são processados e repassados para cheches e escolas da Bahia. FOTOS: Revecca Tapie

De acordo com o movimento Slow Food, esta atividade possui numerosas características que se definem de acordo com os recursos hídricos e a diversidade cultural na região. Cerca de 70% do pescado produzido no Brasil vem da pesca artesanal e este modelo de produção utiliza, para a captura, a mão de obra familiar, técnicas e conhecimentos tradicionais. Com seus 2.863 quilômetros de extensão passando por 5 estados, o rio São Francisco é imprescindível para nordestinos que vivem da pesca artesanal.

“O rio São Francisco é a principal fonte de água doce desse território e muitos povoados de Remanso, Sobradinho, Casa Nova, Sento Sé e Pilão Arcado (localidades da Bahia), têm a pesca artesanal como uma das principais fontes de renda familiar. As comunidades ribeirinhas, pescadores e pescadoras tradicionais, se organizam através de associações, colônias de pescadores ou cooperativas, para fortalecer a atividade local e desenvolver iniciativas de conservação das espécies nativas do rio São Francisco através de práticas tradicionais e a gestão sustentável dos recursos naturais”, diz a facilitadora do Slow Food no Nordeste, Revecca Tapie.

Hoje, o que é pescado e processado na Associação de Pescadores e Pescadoras de Remanso (APPR) fornece alimentos principalmente para prefeituras por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) na Bahia assim como a venda direta para a população. Conforme Eliete Cunha, a renda de cada pescadora com o trabalho na associação é de cerca de um salário mínimo, ou seja, R$ 937.

“Como cada pessoa trabalha de 4 a 8 vezes por mês, dá pra fazer outra atividade, principalmente porque na época da piracema (época de defeso dos peixes) a gente para. Aqui a gente faz linguiça, carne de hambúrguer e sardinha. Dependendo do período, dá pra gente tirar até um salário. Tem época melhor e tem época pior, mas o carro chefe é o PNAE”, comenta.

A pesca artesanal no rio São Francisco é feita com pequenos barcos de madeira a motor ou a remo, adotando utensílios e técnicas tradicionais como a pesca de rede de emalhar ou rede de espera, onde os peixes ficam presos nas malhas devido ao seu próprio movimento nas águas. Apesar o trabalho delicado dos profissionais ribeirinhos, a atividade no Velho Chico vem sendo ameaçada pela pesca predatória.


"Eu sou contra a certas atividades da piscicultura. O problema é que existe muita pesca predatória. O que a gente tenta fazer é preservar, principalmente na época da piracema. O que gente tem feito é também denunciar quem está fazendo esta prática errada" Eliete Cunha, pescadora artesanal

"Eu sou contra a certas atividades da piscicultura. O problema é que existe muita pesca predatória. O que a gente tenta fazer é preservar, principalmente na época da piracema. O que gente tem feito é também denunciar quem está fazendo esta prática errada", Eliete Cunha, pescadora artesanal.

Entre os peixes do rio São Francisco ameaçados de extinção estão o surubim e o pacamã que, a partir do trabalho dos pescadores artesanais com o Slow Food, entraram no projeto Arca do Gosto e agora recebem uma maior atenção quanto à sustentabilidade das espécies.

"A gente passou a valorizar mais o nosso pescado, a gente pode entender mais que nós podemos abrir os olhos porque nós estávamos perdendo aqui o que nós tínhamos de valor. Vamos lutar para que não possamos perder", afirma a pescadora Eliete Cunha.

Revecca Tapie, facilitadora do Slow Food, lembra que apoiar os produtores e, em alguns casos como quando os produtos são espécies selvagens em risco de extinção, assim promover a sua conservação e reprodução é o objetivo da Arca do Gosto. “Não é criar um banco das sementes, uma coleção de material genético ou um museu para expor os conhecimentos tradicionais, mas redescobrir e valorizar estes recursos, para apoiar as economias locais.”, diz.

Apesar do trabalho recente da Associação de Pescadores e Pescadoras de Remanso com a sustentabilidade, o fomento político ameaça algumas atividades dos pescadores artesanais como a fusão do extinto Ministério da Pesca e Aquicultura ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

“Eu me sinto uma pessoas realizada, apesar da luta com o momento político que estamos vivendo, principalmente com a extinção do Ministério da Pesca. Nós estamos na luta muito grande, hoje o pescador se não tiver a carteira nacional de pesca revalidada, ele perde a carteira, a gente não tem como pedir socorro, estamos vivendo uma situação crítica.”, diz a coordenadora da APPR.

A multa para quem pesca sem a autorização varia entre R$ 300 e R$ 10 mil. No fim de 2016, quando a fusão foi concluída, diversos pescadores tiveram dificuldade para solicitar a renovação ou uma nova carteira. Atualmente, o serviço pode ser solicitado normalmente pela internet.

Com a combinação de frutos, cereais, laticínios e outros alimentos oriundos da culinária nordestina, é possível multiplicar indefinidamente as variações de refeições, criando alternativas saudáveis, diversificadas e saborosas para o café da manhã, almoço, jantar e para as pequenas refeições.

O objetivo do movimento dos Slow Food é conscientizar os consumidores para apoiar a causa e para que os órgãos reguladores diminuam as barreiras para a produção artesanal

Queijos artesanais: tradição e resistência

A origem do queijo é incerta, mas seu consumo já foi descrito em obras clássicas como em “A Odisséia”, escrita por Homero no VIII a.C ou até mesmo encontrada em tumbas milenares da China. Hoje, ele faz parte da mesa do nordestino seja no café da manhã, seja como tempero do baião de dois.

Com diversas variações, a produção artesanal do queijo vem perdendo espaço devido uma série de fatores, incluindo a falta de regulamentação e o impacto da seca. Quanto ao processo de fabricação, a grande justificativa é que, diferente da produção industrial, que possui uma maior proteção em relação à contaminação de bactérias devido ao processo de pasteurização que, em resumo, é o tratamento térmico que se dá ao leite para eliminar possível microrganismos patogênicos, a artesanal ainda possui alguns riscos.

O objetivo do movimento dos Slow Food é conscientizar os consumidores para apoiar a causa e para que os órgãos reguladores diminuam as barreiras para a produção artesanal
O objetivo do movimento dos Slow Food é conscientizar os consumidores para apoiar a causa e para que os órgãos reguladores diminuam as barreiras para a produção artesanal FOTO: Revecca Tapie

O problema é que a produção industrial encarece a venda do queijo, além de afetar a tradição do uso do leite cru, isto é, aquele utilizado sem interferências após a retirada de caprinos e bovinos. Para Michelle Carvalho, mestranda na área de queijos artesanais e membro do Grupo de Trabalho Queijo Artesanal Slow Food Brasil, empresários e órgãos de fiscalização criam barreiras para a formalização da atividade, prejudicando a produção familiar.

“Dentro desses órgãos [de fiscalização] também inexistem pessoas que conheçam a realidade do produtor, então criam normas inatingíveis ou que prejudicam a produção artesanal, como a retirada da madeira no processo de fabricação. Os legisladores não sabem que na produção artesanal é perfeitamente possível a utilização da madeira, inclusive recomendável, e não se interessam ou não se dedicam a estudar o tema. Já existem diversos trabalhos científicos que comprovam que a madeira no processo artesanal auxilia na segurança dos queijos e ela continua sendo proibida para essa produção. No queijo de leite pasteurizado a madeira não é recomendada por ser considerada um risco de fonte de contaminação enquanto que, no queijo de leite cru, é a própria madeira quem preserva as bactérias ácido láticas boas, que irão auxiliar nas características do produto e promover a segurança deste alimento”, explica a pesquisadora.

"Em geral, a grande dificuldade é a falta de legislação. Não existe legislação para o queijo artesanal brasileiro, existem diversos protocolos de boa intenção, mas resultados práticos não há nenhum"Joaquim Vilar, administrador

A pesquisadora Michelle Carvalho acredita que valorizar a produção artesanal, em especial os queijos artesanais tradicionais brasileiros é defender a segurança alimentar de quem produz esses alimentos, é a garantia do direito primário humano, o direito de estar livre da fome. Ao mesmo tempo, coloca em disponibilidade para os consumidores alimentos únicos, preservando sabores, a biodiversidade e respeitando a natureza e o homem do campo.

A pesquisadora Michelle começou a estudar a produção artesanal antes mesmo de conhecer o Slow Food e hoje é uma das defensoras da atividade. FOTO: Arquivo Pessoal
Michelle Carvalho começou a estudar a produção artesanal antes mesmo de conhecer o Slow Food e hoje é defensora da atividade FOTO: Arquivo Pessoal

Entre os tipos de queijos artesanais mais comuns no Nordeste estão o coalho, presente principalmente no Ceará e o manteiga, encontrado em cidades da Paraíba, como é o caso da Fazenda Carnaúbas, em Taperoá, cidade distante 216 quilômetros de João Pessoa, capital paraibana. Lá, a produção foi pioneira no Nordeste e contou com a participação do escritor Ariano Suassuna, familiar de Manuel Vilar Dantas, patriarca da família que toca os negócios na fazenda.

Usando somente raças brasileiras, a Carnaúbas investe no queijo artesanal utilizando técnicas passadas de geração em geração, que, com o passar do tempo, foram sendo aprimoradas.

“A produção de leite aqui na região já é uma coisa antiga. Era atividade que a gente tinha a possibilidade de executar aqui. E o queijo foi uma consequência. Meu pai foi quem profissionalizou a atividade e criou o primeiro laticínio do Nordeste”, conta um dos administradores e filho de Manoel, Joaquim Vilar.

Com 36 anos de idade, Joaquim afirma que “nasceu vendo a produção” da família, que começou há cerca de 40 anos. “Minha avó já produzia queijo na cozinha. Quando meu pai assumiu, ele construiu uma sala própria para isso [produção de queijos artesanais], isso foi na década de 70, junto a Ariano Suassuna”, relembra.

Hoje, além de buscar um rigor de higiene na produção artesanal, Joaquim Vilar afirma que o leite usado para fabricar os queijos é oriundo exclusivamente de raças nacionais. Para ele, esta é uma forma de valorizar a cultura local gerando emprego e renda, mas lamenta a falta de legislação para criar o produto.

“Em geral, a grande dificuldade é a falta de legislação. Não existe legislação para o queijo artesanal brasileiro, existem diversos protocolos de boa intenção, mas resultados práticos não há nenhum. Para se ter ideia, só temos 5 tipos de queijo regulamentados no Brasil, enquanto a França, que é menor do que a Bahia, tem mais de 200. Isso é uma pobreza cultural dos órgãos reguladores. Isso atrapalha demais. De 10 clientes que a gente procura, apenas um ou dois topam vender, porque é um produto clandestino. A gente fica impossibilitado de aumentar a produção porque há dificuldades do escoamento”, critica o empreendedor.

O queijo fabricado na Fazenda Carnaúbas possui tradição familiar
Joaquim Vilar cresceu na fazendo e hoje dá seguimento aos ensinamentos dos pais. FOTO: Arquivo Pessoal

Firme na luta pela valorização do produto nordestino, a Fazenda Carnaúbas segue a filosofia do alimento bom, limpo e justo. “Os bons produtores são aqueles que mais preservam a natureza. Você não tem como ter uma produção boa se você maltrata a terra. Na verdade a gente não produz alimentos, a gente cultiva a terra”, comenta Joaquim Vilar.

Para alertar sobre o risco de extinção destes queijos frente a regulamentos internacionais discriminatórios, que ameaçam os produtores artesanais, o movimento Slow Food Internacional lançou, em 2001, o Manifesto e a Campanha Internacional em Defesa dos Queijos de Leite Cru. Para o grupo, o que está em jogo não é apenas a salvaguarda de produtos e alimentos únicos, mas a manutenção de uma cultura alimentar rica e diversificada, além da defesa da liberdade de escolher o que comer.

Na Fazenda Carnaúbas, em Taperoá, os queijos artesanais são fabricados somente com leite de animais brasileiros. FOTOS: Divulgação

10 anos depois, o Brasil foi inserido na campanha com a criação do Grupo de Trabalho Slow Food Queijos Artesanais que visa a promoção do conhecimento, valorização e consumo dos queijos artesanais de leite cru brasileiros.

“A principal defesa [do Slow Food] é a produção do queijo com leite cru. Há um desconhecimento muito grande sobre a produção de queijos a partir de leite não pasteurizado, que é a forma como o queijo sempre foi feito antes da chegada da indústria, mas para o Slow Food a produção com leite cru é a única maneira de preservar a biodiversidade da flora local, tornando cada produto um produto único”, diz Michelle Carvalho, membro do GT de queijos artesanais.

A exemplo da Fazenda Carnaúbas, em Taperoá, Michelle lembra de relatos históricos que o primeiro queijo brasileiro foi produzido no Nordeste. “Na região foram desenvolvidos tipos e técnicas de conservar os queijos na alta temperatura ambiente, já que naquela época não existia energia elétrica. Em muitos rincões do Nordeste essa tecnologia ainda existe e deve ser estudada e preservada. Numa época em que refrigerar é muito mais caro que aquecer, nenhuma técnica que é condizente com o clima deve ser ignorada”, explica a pesquisadora.

Em defesa do sabor nordestino, Michelle afirma que a qualidade do queijo vem da seleção criteriosa de uma matéria prima mais apurada somada ao aperfeiçoamento da técnica de fabricação pelo produtor de acordo com cada ambiente, sem descaracterizar o produto tradicional.

Na Queijos Dom Afonso, o produto final é isento de aditivos e ainda passa pelo processo de desidratação
Na Queijos Dom Afonso, o produto final é isento de aditivos e ainda passa pelo processo de desidratação. FOTO: Sidney Gonçalves

Hoje, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) mantém o programa Leite Saudável com o objetivo estimular o setor lácteo a apoiar ações de assistência técnica rural. O sistema concede benefícios no recolhimento do PIS/Cofins. A meta do Mapa é investir R$ 387 milhões, até 2019, para promover a ascensão social de 80 mil produtores e melhorar a competitividade dos produtores brasileiros.

Para participar do Leite Saudável, cada laticínio deve elaborar o projeto de assistência técnica rural mais adequado à sua realidade e estabelece metas e indicadores de monitoramento para atingir os objetivos, conforme os benefícios fiscais que dispõem por meio dos créditos presumidos (PIS/Cofins).

Mesmo como uma fábrica, quem também investe em produção artesanal do laticínio é a Queijos Dom Afonso. A história da fábrica começa lá na década de 80, quando imigrantes espanhóis liderados por Seu Afonso produziam queijos de forma artesanal no interior de São Paulo. Naquele ambiente cresceu Juliana Toledo que herdou a paixão por pesquisar, cozinhar e empreender criando assim fábrica Queijos Dom Afonso no ano de 2009.

Localizada em uma incubadora de empresas na Universidade Federal do Ceará (UFC), a indústria de laticínios produz alimentos funcionais como a Ghee, um tipo de manteiga clarificada, e queijos desidratados. Com o nome e aprendizado do avô, a jovem paulista, que adotou Fortaleza como seu lar, investe na produção artesanal para perpetuar a tradição familiar e reforçar a cultura local. Segundo ela, a Queijos Dom Afonso nasceu da necessidade do aprimoramento na fabricação de queijos e da Ghee, aliando pesquisa e inovação tecnológica às últimas tendências do mercado.

"Apesar de se enquadrar como indústria pelo ramo de atividade que exerce, a Dom Afonso valoriza a produção artesanal no sentido de não utilizar componentes químicos em seus produtos. Já as indústrias tradicionais, adotam a prática de inserção de uma enorme quantidade de aditivos químicos para que o alimento não estrague, tenha sabor e aroma mais agradáveis, e até uma aparência mais bonita, incluindo nesta lista conservantes, corantes, aromatizantes, estabilizantes e outros, além de alimentos geneticamente modificados. Nosso compromisso é manter esse processo de produção da mesma forma, independente do crescimento de demanda que alcançarmos, pois, para a empresa, a saúde e satisfação das pessoas estão em primeiro lugar", explica Juliana Toledo.

Empreender preservando a cultura regional é um dos objetivos de Juliana Toledo. FOTO: Sidney Gonçalves
Empreender preservando a cultura regional é um dos objetivos de Juliana Toledo. FOTO: Sidney Gonçalves

Além do uso de técnicas artesanais, o laticínio investe também em produtos funcionais e indicados para intolerantes à lactose, diabéticos e consumidores que buscam uma rica alimentação. “A Queijos Dom Afonso consegue, por meio do investimento em pesquisa, obter técnicas de produção que permitem desenvolver produtos sem a necessidade de usar aditivos químicos. Ou seja, eliminamos produtos nocivos comumente usados pela indústria tradicional e oferecemos alimentos seguros e deliciosos”, destaca a empreendedora.

Para manter a sustentabilidade financeira indo na contramão da produção em larga escala, a empresa estruturou-se no sentido de entender o tamanho de seu mercado de atuação e em buscar um diferencial. Então, observou-se que para manter uma produção artesanal com preços competitivos era necessário o fomento em pesquisa e inovação.

Além do queijo desidratado, a empresa investe da produção da manteiga clarificada Ghee. FOTOS: Sidney Gonçalves

"Acredito que trabalhar com produtores locais, ter produção artesanal e ser fiel às tradições familiares são fatores que, juntos, valorizam a cultura e economia local"Juliana Toledo, empreendedora

"A empresa desenvolveu projetos de pesquisa financiados por renomadas instituições de apoio à pesquisa e inovação no país, o que nos propiciou estabelecer processos inovadores de produção, que resultam em produtos de excelente qualidade, saudáveis e com preços acessíveis aos consumidores. O grande diferencial da empresa é, justamente, esse equilíbrio entre o artesanal e a inovação tecnológica, sem que para isso comprometa a saúde de nossos clientes", comenta a empreendedora.

Juliana acredita que conseguir aliar inovação à forma artesanal que a tradição familiar a ensinou é o grande mérito da fábrica. Segundo ela, preservando a cultura local e os ensinamentos do avô, o resultado final é um queijo e uma manteiga mais acessível, mais saboroso e mais humanizado.

"Acredito que trabalhar com produtores locais, ter produção artesanal e ser fiel às tradições familiares são fatores que, juntos, valorizam a cultura e economia local", finaliza.

Para conhecer mais detalhes da filosofia do alimento "bom, limpo e justo", volte à parte 1 deste especial clicando aqui.

Queijos artesanais