Todos nós vamos morrer. Esta é a única certeza que o ser humano tem ao nascer. A morte faz parte do ciclo natural da vida, mas ainda causa muito medo nas pessoas. Seja em relação a perder um ente querido ou até mesmo a própria vida. Porém, para que se viva melhor ou até mesmo por mais tempo, alguma atitudes são necessárias e não estão relacionadas somente à prática de exercícios físicos ou adaptar-se a uma alimentação saudável, mas também aprender a conviver com a certeza de finitude pode nos tornar até mesmo pessoas mais tranquilas.

Além de ter uma educação para morte, é necessário aprender a vivenciar o luto para que a dor não seja transformada em depressão. A missão não é fácil, mas precisamos entender que começamos a morrer logo quando nascemos. A volta por cima quando se perde uma pessoa ou um animal de estimação, por exemplo, deve ser como uma ampulheta, que tem um tempo para chegar ao fim, porém com a possibilidade de recomeçar.

Texto: Felipe Lima Publicado em 14.08.2017

O homem de 7 vidas

Afirma-se que os gatos têm sete vidas. Tal definição vem das aventuras diárias que os bichanos enfrentam em suas jornadas por cima dos muros, seja caindo ao pular de telhado em telhado ou enfrentando os valentões na calada da noite.

O homem precisa estar atento a cada passo, pois, segundo as Ciências Biológicas, somente tem uma chance na terra que habita. Mas o que falar de alguém que sobrevive a cinco acidentes, sendo quatro de avião, e ainda dois infartos? É o caso do advogado Raimundo Farias Amorim, de 57 anos.

Empreender preservando a cultura regional é um dos objetivos de Juliana Toledo. FOTO: Sidney Gonçalves
Apaixonado por aviação, Raimundo não deixa de acompanhar voos do mundo todo por meio de aplicativos no celular mesmo depois de sobreviver a quatro acidentes aéreos FOTO: Jean Silva

Ainda jovem, Amorim se interessou pela aviação. Naquela época, há cerca de 30 anos, as aeronaves nem mesmo tinham tanta estrutura como se vê hoje. Tinha que ter muita habilidade para controlar os veículos e coragem, é claro. Ao longo das suas experiências de voos, ele teve que enfrentar alguns problemas.

Panes fizeram com que o advogado realizasse pousos de emergência, entre eles um na Praia de Iracema, no litoral de Fortaleza. No mais grave, no dia 13 de junho de 2010, ele estava junto ao seu cunhado, quando o ultraleve sofreu uma rajada de vento e chocou-se contra um morro. Ele sobreviveu, mas viu seu parente perder a vida. "Eu pedi à Nossa Senhora, minha mãe é muito devota, eu pedi a ela para me salvar. Eu também chamei pelo pai: ‘pai não me deixa morrer’”, lembra Raimundo Amorim momentos antes do acidente aéreo.

Depois da tragédia, o entusiasta da aviação deixou o esporte. Hoje, o máximo que faz é acompanhar voos do mundo todo por meio de aplicativos no celular. Ele ainda sofreu dois infartos e acredita ter passado por uma experiência de quase morte, aquela que se vê a luz no fim do túnel. As experiências quase fatais fizeram com que o advogado aprendesse a conviver mais com a família e se tornar um homem mais humano. Amorim acredita que tem uma missão na Terra: ajudar os demais.

A dor necessária

Quando um ente querido se vai, a dor é natural. Os longos períodos de lágrimas e saudades podem durar semanas ou até mesmo resistir em ficar. Mas é possível sofrer menos? Sim, inicialmente é tentar uma vida mais intensa, focada no hoje, sem ficar preso ao passado ou desejando que o futuro chegue de forma precoce.

Para a professora do curso de Enfermagem da Universidade Federal do Ceará (UFC), enfermeira em saúde mental Ângela Maria Alves e Souza, no Ocidente, principalmente, as pessoas não estão acostumadas a lidar com a perda, principalmente pelo apego ao outro e coisas materiais.

Especialista explica que o luto é uma das fases mais importantes para superar uma perda FOTO: Jean Silva

“Nós ainda temos dificuldades de ver que o outro vai morrer ou que a gente vai morrer, porque não há um preparo, nem nas nossas escolas ou religiões. Somos uma sociedade que, ao falar sobre a morte, a gente nega”, explica a docente.

Fases do luto

São mecanismos de defesa temporários contra a dor psíquica diante da morte. A intensidade e duração desses mecanismos de defesa dependem de como a própria pessoa que sofre e as outras pessoas ao seu redor são capazes de lidar.

Nessa fase a pessoa expressa raiva por aquilo que ocorre, geralmente essas emoções são projetadas no ambiente externo, os relacionamentos se tornam problemáticos.

Acontece após a pessoa ter deixado de lado a Negação e o Isolamento, “percebendo” que a raiva também não resolveu. Nessa fase busca-se fazer algum tipo de acordo de maneira que as coisas possam voltar a ser como antes.

Nessa fase ocorre um sofrimento profundo. Tristeza, desolamento, culpa, desesperança e medo são emoções bastante comuns. É um momento em que acontece uma grande introspecção e necessidade de isolamento.

Nesse estágio a pessoa já não experimenta o desespero e não nega sua realidade. As emoções não estão mais tão à flor da pele e a pessoa se prontifica a enfrentar a situação com consciência das suas possibilidades e limitações.

Alves explica que quando a gente começa a entender que a morte faz parte do nosso cotidiano, a vida fica mais agradável. Para ela, é preciso amar o próximo hoje, para que as perdas não sejam muito dolorosas. Segundo a enfermeira, quando se perde uma pessoa, sofre-se mais pelo significado que a vítima representa não somente pela ida em si.

Para desapegar-se é preciso reclamar, gritar e chorar intensamente. Desde que esse processo de luto tenha um fim, evitando transformar-se em uma depressão. “O luto é uma purificação, uma limpeza para se tornar si mesmo novamente”, diz a professora da UFC.

EXPECTATIVA DE VIDA POR PAÍSES

No Brasil, segundo a OMS, a expectativa de vida ao nascer é de 75 anos.

5 maiores

Japão
83,7
Suíça
83,4
Singapura
83,1
Austrália
82,8
Espanha
82,8

5 piores

Serra Leoa
50,1
República Centro-Africana
52,5
Chade
53,1
Angola
53,4
Costa do Marfim
53,3
Fonte: Organização Mundial de Saúde (2016)

Para quem desejar apoio após uma perda, seja ela por morte ou o fim de um relacionamento, por exemplo, a UFC disponibiliza de um serviço gratuito. O Projeto Integrado de Pesquisa e Extensão em Perdas, Luto e Separação (PLUS+) recebe, todas as segundas-feiras, das 8h30 às 12h30, no Departamento de Enfermagem, na sala do Laboratório de Práticas Alternativas em Saúde (LABPRAS), pessoas que estão sofrendo e mostra que é possível dar a volta por cima.

Lá, muitos chegam sem perspectivas, tomadas por sentimentos que consomem suas forças, mas que, tempos depois, encontram uma saída. Como metodologia no grupo de apoio se destacam técnicas de relaxamento, visualização criativa, arte e elaboração de um novo projeto de vida.

“Na condução do grupo, não usamos a palavra ‘problema’, e quando esse termo é pronunciado pelos participantes, peço que seja trocado pela condição de ‘situação a ser enfrentada’, isto é, ter um caminho a seguir com suas próprias estratégias para vencer e elaborar a dor e o sofrimento”, finaliza ngela Souza.

Contato com o além

A dona de casa Sheila Maria Soares, de 54 anos, lembra como se fosse hoje aquele momento na sala de jantar da sua casa na cidade de Tarauacá, no Estado do Acre. Ela tinha 11 anos quando viu um dos seus irmãos “virar” seu tio, já falecido. Surpresa, a menina observava atentamente aquele diálogo entre seu tio e seu pai. “Não lembra de mim?”, relembra ela se referindo ao irmão que falava por meio do espírito do parente que havia morrido já alguns anos.

"A morte é o retorno ao nosso mundo de origem, não somos seres do mundo físico" Sheila Maria

“Quando eu paralisei, fiquei olhando. Perguntei para ele mentalmente: ‘Mas você não morreu?’ É isso que eu quero falar com você [disse o espírito]. Não estou melhor aqui pelo sofrimento da minha mãe”, relembra.

Com Sheilas Soares, o contato com o mundo espiritual se deu através de mensagens do além ainda quando criança FOTO: Jean Silva

Três meses após esse momento, Sheila passou a estudar e participar da doutrina espírita. O contato com o “outro lado” fez com que a dona de casa entendesse melhor o processo da morte. Esta educação para a finitude transformou a vida dela.

Para o presidente do Instituto de Cultura Espírita do Ceará (ICE), médico Francisco Cajazeiras, a morte indiscutivelmente ainda é um incógnita, tanto que é geradora de muitas dores, fazendo com que as pessoas a neguem. Para quem é adepto da doutrina, a morte é vista como algo natural.

A MORTE SEGUNDO AS DOUTRINAS E RELIGIÕES

Francisco Cajazeiras explica que o contato com pessoas que se foram acontece diariamente, mas nem todo mundo pode perceber FOTO: Jean Silva

“A doutrina espírita como é uma doutrina que suas bases estão fundamentadas na pesquisa do fenômeno psíquico, esse fenômeno da comunicação dos espíritos, que sempre esteve presente em todas as eras da humanidade. Porém, era mal compreendida com diversas interpretações. Com o Espiritismo, a partir do pesquisador Allan Kardec, que era uma sábio francês, ele fez um um estudo científico desses fenômenos, entendendo o significado, os mecanismos, como se deu, a gente afirma que uma das grandes contribuições é a demonstração da imortalidade da alma. E isso nos leva a ter uma forma de ver, de sentir, de encarar a existência humana de uma maneira bem diferente”, afirma Cajazeiras.

Quem segue o Espiritismo tem uma pouco mais de tranquilidade e compreensão para os momentos de dor. Para os adeptos da doutrina, o corpo físico é apenas uma espaço onde o espírito se aloja e, dali, constrói passagem na vida terrena. Depois de um certo tempo, ele desencarna e pode voltar em outro corpo.

CONHEÇA O ICE

O Instituto de Cultura Espírita do Ceará (ICE-CE) é uma instituição sem fins lucrativos que tem o objetivo de divulgar a doutrina espírita através de cursos e palestras gratuitos. Tem sede na Av. Benjamim Barroso, 795, Monte Castelo, com capacidade para cerca de 150 pessoas. Telefone: (85) 3045.3445

“Na doutrina espírita entendemos quais os objetivos sociais, materiais, biológicos, o que nos permite construir o mundo”, diz o líder espírita do ICE.

Cajazeiras afirma que o contato com o mundo espiritual é muito comum, mas nem todos são capazes de perceber. É aí que aparece a figura dos médium, que é aquele que possui a faculdade de receber e repassar informações dos espíritos.

“A morte é o retorno ao nosso mundo de origem, não somos seres do mundo físico. Dependendo como eu mantenho a minha mente, procurando viver o bem, amar o próximo, o mundo espiritual, eu estou bem”, defende ele.

Se nós compreendermos que a vida tem, começo, meio e fim, nós começamos, em primeiro lugar a bem aproveitá-la. O homem está acostumado a perder tempo com pequenos problemas, transformado tudo em tempestade e, em meio a esse desperdício de tempo, acaba-se também o tempo para viver melhor.

A morte é uma certeza, mas para que ela não venha antes da hora, é preciso viver. O medo de partir desta para outra não pode fazer com que deixemos as coisas incríveis da vida para trás. Esse é o lado vital da morte: aproveitar enquanto é tempo.