Diário do Nordeste Plus

Crise hídrica

Diante do cenário de seca em que vive o Ceará, especialistas apontam medidas a curto e longo prazo que podem ajudar na luta contra o colapso do abastecimento

Publicidade

Texto: Nayana Siebra

Pensar em alternativas para garantir o abastecimento de água e formas de diminuir o consumo devem ser prioridades diante do cenário de seca em que vive o Ceará. O Estado está com o mais baixo nível médio dos 153 açudes monitorados pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), com 13,6%, e o prognóstico para 2016 não é dos mais otimistas.

Neste quadro, definir opções viáveis e, ao mesmo tempo, resolutivas a curto e a longo prazo não é tarefa fácil. Contudo, opções existem e já são praticadas em diversos locais pelo mundo que enfrentam a mesma situação. Neste contexto, especialistas alertam para medidas que podem ser tomadas tanto pelo governo como pela população para driblar a crise hídrica.

O especialista em recursos hídricos e professor da Faculdade de Santa Maria, em Cajazeiras na Paraíba, Rogério Campos, afirma que o cenário no Ceará está crítico em virtude do esvaziamento dos reservatórios devido aos 4 anos de seca. Para o docente, a perspectiva de falta de chuva em 2016 é grave e, como ação imediata, ele sugere o racionamento de água.

A situação crítica em função da seca também é destacada pelo professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental e coordenador do doutorado em Recursos Hídricos da Universidade Federal do Ceará (UFC), Assis Souza Filho, o qual revela que implementar restrições no uso da água é uma medida que pode ajudar a sanar o baixo estoque.

Já para o pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco e especialista em convivência com o semiárido, João Suassuna, uma ação bem evidente para resolver o problema do abastecimento é a busca por águas do interior do Nordeste.

RESERVATÓRIOS

Até o fechamentos desta edição, 36 açudes dos 153 monitorados estão com menos de 1% de sua capacidade. Os reservatórios secos estão localizados em 26 municípios do Estado e se concentram, principalmente, no sertão cearense.

  • Município - Açude
  • Tauá - Brôco, Favelas, Forquilha II, Trici, Várzea do Boi
  • Novo Oriente - Flor do Campo
  • Crateús - Carnaubal
  • Quiterianópolis - Colina
  • Independência - Barra Velha, Cupim
  • Quixelô - Faé
  • Russas - Santo Antônio de Russas
  • Irauçuba - Jerimum
  • Pereiro - Adauto Bezerra, Madeiro
  • Parambu - Parambu
  • Quixeramobim - Fogareiro, Pirabibu, Quixeramobim
  • Potiretama - Potiretama
  • Ipueiras - Jatobá II
  • Acopiara - Quincoé
  • Sobral - Santa Maria de Aracati
  • Baixio - Jenipapeiro II
  • Ipaporanga - São José III
  • Canindé - Salão, São Domingos, São Mateus, Sousa
  • Banabuiú - Banabuiú
  • Boa Viagem - Vieirão, São José I,
  • Mombaça - Serafim Dias
  • Jaguaribe - Nova Floresta
  • Catunda - Carmina
  • Caridade - São domingos
  • Madalena - Umari
  • Quixadá - Cedro

Volume de armazenamento (fim de novembro de cada ano) - %

O ciclo de estiagem atual começou em 2012 e é o mais longo desde 1973, segundo FUNCEME

*Dado referente a 26/11/2015
Fonte: COGERH

Medidas a curto prazo

Pensando em alternativas a curto prazo que podem ser tomadas para ajudar a garantir o abastecimento de água no Ceará, o professor Assis Souza Filho afirma que as opções são limitadas, mas investir na perfuração de poços pode ser a solução, assim como definir medidas de restrição no uso da água para tentar conservar os reservatórios.

“As alternativas são limitadas. Investir na perfuração de poços, apesar de não ter a produtividade muito elevada, é a solução. Outra opção é definir medida de conservação de água em reservatório, implementando restrições de uso”, explica.

O docente detalha que essas restrições de uso podem ser postas em prática através de medidas que, por exemplo, reduzam o uso de água para a irrigação. Ele sugere também que haja incentivos econômicos, como diferenças tarifárias, para que a população tenha estímulo de reduzir o consumo.

O professor Rogério Campos conta que o ideal para garantir o abastecimento em 2016 seria uma boa quadra chuvosa. No entanto, diante dos prognósticos não otimistas, a complementação dos estoques de água através de outros tipos de capacitação e o racionamento surgem como medidas para combater a crise hídrica. O especialista diz ainda que, por exemplo, captar água subterrânea pode sanar problemas no Interior, mas não na Capital e Região Metropolitana.

“O governo pode tomar várias medidas, a mais imediata seria o racionamento. Outra solução poderia ser a complementação dos estoques de água através de outros tipos de capacitação, como água subterrânea. Isso tem sido feito no Interior do Estado, mas para grandes comunidades como a Região Metropolitana de Fortaleza, eu não creio que isso seja viável, não atende a nossa demanda” esclarece.

O pesquisador João Suassuna, por sua vez, defende a busca por águas interiores do Nordeste. Segundo ele, a região tem, em média, 70 mil represas com potencial de 37 bilhões de metros cúbicos de água, e metade desse volume se encontra no Ceará.

Açude em Cascavel

Açude Malcozinhado em Cascaval Foto: José Leomar

Medidas a longo prazo

Além das medidas emergenciais, os especialistas apontam para soluções que demandam mais tempo para serem postas em prática, mas que também podem garantir o abastecimento. Dentre essas alternativas, estão a dessalinização, o reúso e a instalação de um sistema de gerenciamento de água.

Assis Souza Filho revela que a transposição do Rio São Francisco não deve resolver a questão da crise hídrica em todo o Estado, por isso, é preciso pensar em medidas como o reúso de água e dessalinização, que são opções mais caras, mas que não devem ser descartadas. O docente afirma ainda que é preciso melhorar o processo de gerenciamento dos recursos hídricos, com planos mais proativos para combater a seca.

“Temos que começar a pensar em outros mananciais, como reúso de água, tentar reutilizar na industria, e a própria dessalinização, é mais cara, mas é uma alternativa. Também devemos conseguir melhorar nosso processo de gerenciar os recursos hídricos, o Brasil todo precisa fazer isso”, pondera.

Segundo o professor, o Ceará já toma algumas medidas para monitorar a seca, porém estas precisam ser aperfeiçoadas. “Na realidade, hoje, temos que aprender a usar melhor a disponibilidade hídrica que temos. Já temos um sistema de gerenciamento bem estabelecido aqui no Ceará. São instituições importantes, mas precisamos aperfeiçoar”, diz.

Riacho em Santana do cariri

Riacho em Santana do Cariri quase que totalmente seco Foto: Amaury Alencar

Questionado sobre exemplos de dessalinização instalados no Brasil, o docente revela que no País não há nenhum processo instalado para ser usado em grande escala por uma cidade. Assis Souza Filho cita que o método é empregado com eficácia em países como Israel, Estados Unidos e Espanha.

Rogério Campos também aponta a dessalinização como alternativa caso a quadra chuvosa seja abaixo da média. Para o professor, o método é até rápido de ser instalado, porém sua desvantagem é o preço elevado por demandar energia elétrica. “A dessalinização é uma medida que eu não vejo muita saída em adotá-la se não chover. Ela é cara comparada com água armazenada em reservatório, porque ela demanda energia elétrica para o processo. É uma solução bastante cara e razoavelmente rápida de ser feita”, diz.

O docente esclarece, em termos práticos, que o processo de dessalinização é a purificação da água do mar, na qual os sais são retirados. Segundo ele, existem várias formas de dessalinizar, sendo o método mais comum o da osmose reversa, que é um processo usado no tratamento de água por meio de separação por alta pressão através de membranas.

Na dessalinização simples, a água salgada é aquecida em um balão de destilação e, ao evaporar, é resfriada por um condensador, onde o vapor volta ao estado líquido, já separado do sal que fica no balão de destilação. O fluxo de água fria nas serpentinas ajuda o vapor a se resfriar e retornar ao estado líquido, livre dos sais.

Processo de dessalinizaçao

  • Entrada da água salgada

  • Vapor se resfria e retorna ao estado líquido, livre de sais

  • Permutador de calor aquece a água

  • Colunas de condensação

  • Saída de água fresca e salmoura

Em relação ao reúso, Campos revela que o esgoto pode passar por um processo de purificação e ser reaproveitado. O método também poderá ser feito por osmose reversa, porém pode ter um custo maior devido aos resíduos que podem provocar maior manutenção no sistema.

“O emissário submarino deve jogar no mar 3 a 4 metros cúbicos por segundo, isso é 50%, em média, do consumo da RMF. Esse esgoto pode passar por um processo de purificação e ser reaproveitado. Se o sistema de osmose reversa for utilizado, fica a mesma coisa. Como o esgoto possui mais resíduos sólidos, então, talvez, a água do mar dê menor manutenção no sistema”, explica.

Açude em Banabuiú

Açude Arrojado Lisboa, em Banabuíu Foto: Eduardo Queiroz

População também precisa economizar

É unanimidade entre os especialistas que não é só o governo quem precisa tomar medidas para combater a crise hídrica. Os professores e pesquisadores revelam que a conscientização da população também é item fundamental neste processo e simples economias no dia a dia podem ajudar a combater a escassez. “Nós estamos passando por uma situação extrema dentro de um extremo, porque a seca é uma situação extrema e nós estamos com uma superseca. A longo prazo, nós poderíamos melhorar a questão da educação ambiental da população”, fala Campos.

O docente aconselha que a população evite, por exemplo, tomar três banhos por dia, assim como lavar calçadas e carros com água. “Três banhos, por exemplo, na minha casa, já é uma prática abolida. Evitar a lavagem de carros ou de calçada também são importantes. Comportamentos dessa natureza economizam bastante”, comenta.

Assis Souza Filho também concorda com Campos e afirma que, atualmente, já existem métodos que ajudam a economizar água no dia a dia. Um desses exemplos são os mecanismos de mudar o sistema de água utilizado nos aparelhos sanitários ou torneiras que possuem tecnologia para usar grandes pressões com menos água.

A Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) informa que tem estimulado a população a economizar água através de campanhas para incentivar o uso consciente e também com material educativo que orienta, por exemplo, pessoas que moram em condomínios a reduzir o consumo.

Além das campanhas, a Cagece vai cobrar, a partir do dia 19 de dezembro em Fortaleza, uma tarifa de contingência, medida que cobrará 120% a mais para quem ultrapassar 90% do consumo médio de outubro de 2014 a setembro de 2015.O objetivo da medida, segundo a Companhia, é forçar a população a reduzir o consumo.

Desperdício de Água

Estes são exemplos de desperdício. A água desperdiçada em torneiras, descargas, chuveiros, boias de caixa-d’água e tubulações com vazamento é dinheiro gasto sem necessidade. Veja só:

Gotejando
1 dia = 46 litros
(suficiente para um banho demorado)

Com abertura de 1 mm
1 dia = 2.000 litros

Com abertura de 2 mm
1 dia = 4.500 litros

Com abertura de 9 mm
1 dia = 25.400 litros

Com abertura de 12 mm
1 dia = 33.984 litros

    Como economizar

  • Lave frutas e legumes numa vasilha com água e vinagre. Deixe a torneira fechada.

  • Ensaboe toda a louça e, só então, enxágue tudo de uma vez. Não deixe a torneira da sua pia aberta.

  • Feche a torneira ao fazer a barba, ensaboar-se no banho ou enquanto escovar os dentes.

  • O vaso sanitário gasta até 50% do consumo de água. Use a descarga só o necessário e não jogue no vaso objetos que possam ser colocados no lixo.

  • Não desperdice água lavando calçada. Até porque o maior desperdício é o do seu dinheiro. Calçada a gente limpa é com a vassoura.

  • Lavar o carro com mangueira pode gastar até 300 litros de água. O certo é usar balde, flanela ou estopa.

Fonte: Cagece

Prognóstico de continuidade do El Niño

O prognóstico para a quadra chuvosa de 2016 ainda não foi divulgado pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme). As perspectivas, no entanto, não são positivas. O supervisor da Unidade de Tempo e Clima da fundação, Raul Fritz, explica que a presença do El Niño no Oceano Pacífico vem preocupando, porque, se isto continuar ocorrendo em 2016, a quadra chuvosa pode ser prejudicada.

O supervisor esclarece que a previsão atual é de continuidade do El Niño. “Há previsão de continuidade do El Niño. Ele está próximo do que aconteceu em 1997 e 1998, um dos mais intensos, o que tende a reduzir as chuvas no Norte do Nordeste e em parte da Amazônia”, esclarece.

Governo já adota medidas

A Secretaria dos Recursos Hídricos (SRH) informou, por meio de nota, que o Governo do Estado vem adotando, ao longo deste ano, medidas não apenas no enfrentamento aos efeitos imediatos da estiagem, mas também ações no sentido de preparar o Ceará para um quadro ainda mais grave. Essas medidas englobam deste a construção de poços e adutoras até criação de um grupo de gerenciamento de crise.

“Dentre essas medidas, podemos elencar a criação do grupo de gerenciamento de crise (envolvendo o gabinete do governador, todo o sistema hídrico e Defesa Civil); intensificação do Programa Estadual de Construção de Poços Profundos; construção de adutoras (atualmente há quatro em obras – Independência, Arneiroz, Ibicuitinga e Quixeramobim, e uma outra em fase final de projeto - Cedro); operação carro-pipa nas sedes municipais em crise hídrica (o Exército Brasileiro já atende às populações rurais); instalação de chafarizes e dessalinizadores em sedes municipais e comunidades rurais difusas (zona rural); construção do Eixão das Águas, que receberá e dará maior capilaridade à Transposição do São Francisco”, revela a secretaria.

Segundo a SRH, visando a situação de 2016, foram tomadas também medidas de gestão e fiscalização da água. Entre elas, está a aprovação da resolução do Conselho de Recursos Hídricos do Estado do Ceará (Conerh) que proíbe a concessão de novas outorgas de uso de água para irrigação e aquicultura.