Texto: Hugo Renan do Nascimento Publicado em 18.09.2017

Quando as pessoas pensam em insetos, logo vem o pensamento de que eles são sujos e de que a aparência deles não é a melhor possível. Porém, o que muita gente não sabe é que esses bichinhos são bastante nutritivos, inclusive, já sendo recomendado o consumo deles na dieta dos seres humanos.

Os insetos são alimentos na cultura humana há alguns anos. Seu consumo é comum em muitos países ao redor do mundo, principalmente em partes da Ásia, África e América Latina

A iguaria, para ser saboreada, precisa apresentar condições necessárias para o consumo. Assim como as carnes e aves, os insetos são preparados para a alimentação. A maioria passa por um procedimento de desidratação, no entanto, considerando o ambiente e a nutrição do inseto ele pode ser degustado vivo. Mas nestes casos, é recomendada a chancela de um profissional.

De todo modo, os insetos desidratados apresentam um sabor que lembra o amendoim torrado. Não há um sabor característico marcante. O tenébrio, ou bicho-da-farinha como é conhecido, por exemplo, tem a textura de castanha torrada, um pouco salgado. Em muitos casos, nestas circunstâncias, eles podem ter até 45% de proteína.

Em testes, realizados em laboratório, é possível degustar o tenébrio vivo, desde que sejam levados em consideração o ambiente onde vivem e o que eles comem. Na Universidade Federal do Ceará (UFC), o bichinho é alimentado por trigo. Os pesquisadores têm controle sobre todo o processo. O sabor do bichinho é muito semelhante à massa de trigo, com uma textura mais suculenta, dependendo do tamanho do invertebrado. Ele também não apresenta sabor forte ou irritante às papilas gustativas.

Professor Pastori é responsável pelos estudos com animais para alimentação humana FOTO: Kid Júnior

Há poucos anos, em 2013, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês) sugeriu os insetos para alimentação humana. No Brasil, segundo o professor do curso de Agronomia da UFC, Patrik Pastori, o consumo desses invertebrados é visto basicamente em comunidades indígenas e em zonas rurais. "Nós temos hoje duas realidades no País. Você tem a realidade de povos tradicionais, os indígenas, e de povos de zonas rurais, onde é comum se alimentar de insetos", acrescenta.

Insetos na alimentação: vantagens ambientais

De acordo com ele, no Ceará, há casos de consumo da formiga tanajura em regiões da Serra da Ibiapaba e em outros estados do Nordeste. "O pessoal come muito a tanajura, que na verdade, é a bunda da tanajura. É uma parte do inseto que se come frito ou se faz uma farofa", explica.

A entomofagia, que é o hábito de consumir insetos pelos humanos, é uma prática bastante antiga. Tem-se notícias da inclusão desses animais em países da Ásia, como na China, por exemplo, e em muitas tribos indígenas espalhadas pelo mundo, além da África e América Latina.

O início dos testes

Após a recomendação da ONU, as atenções se voltaram ao assunto e muitas dúvidas surgiram à medida que as pessoas se perguntavam quais os insetos podiam ser ingeridos, como consumi-los e se eles são realmente seguros.

Todas estas dúvidas foram a base de formação para um grupo de professores e alunos da UFC. O professor Pastori é um destes pesquisadores que iniciaram os estudos na Universidade.

Ele conta que a pesquisa na UFC é recente. "Nós começamos mostrando e demonstrando para as pessoas qual seria a aceitação. Então a gente queria saber se o cearense teria coragem de comer inseto. Esse foi o nosso ponto de partida".

De acordo com Pastori, a partir deste momento foi dada a largada para a formação desse grupo de professores e alunos, tanto da Agronomia quanto da Gastronomia. "Nós estamos desenvolvendo estes projetos no sentido de mostrar a qualidade da proteína. Com o que a gente pode misturar? O prato teria o que? Pode ser uma barrinha de cereal? Que inseto vai ser ingerido?".

Estas foram algumas das perguntas que o grupo questionou. Ele explica que aceitação das pessoas existe. "Até porque a questão da globalização tornou isso um tanto curioso. As pessoas ficam curiosas para saber como os asiáticos comem insetos e até artrópodes, como o escorpião. Então essa é uma questão recente. Como tem aceitação, agora nós estamos pensando em coisas práticas", completa.

Para seguir com as pesquisas, o grupo levou no último Encontros Universitários da UFC diversas receitas feitas com insetos, em parceria com o curso de Gastronomia. Segundo Pastori, a aceitação não foi ruim, mas ainda existe muita resistência das pessoas em experimentar.

De acordo com a FAO, mais de 1.900 espécies de insetos são consumidas no mundo todo. A maioria das espécies conhecidas é coletada na natureza. Confira as mais consumidas:

Consumo adequado e criação

Para inserir os insetos na dieta é preciso observar alguns pontos essenciais, como a procedência do bichinho e a alimentação dele. "Essa escolha é feita baseado em alguns parâmetros. Por exemplo, insetos que se alimentam de fezes não são incluídos, então vai do hábito alimentar dos insetos. O inseto precisa comer algo que não seja contaminante, uma planta, uma farinha de trigo, algo que não tenha a possibilidade de contaminação. A gente não pode colocar nada para pessoa comer que seja tóxico", observa o professor.

O preço de um pacote de insetos com 500 gramas é bem caro. Na imagem larvas, grilos e baratas desidratados FOTO: Kid Júnior
Por conta da baixa demanda, os produtos não são baratos. Em média, um pacote com 500g custa de R$ 250 a R$ 400

Segundo ele, a escolha também depende da facilidade de criação. "O inseto tem que ser fácil para ser criado em laboratório. Por exemplo, eu não teria como criar um inseto que come uma planta de coco. Porque isso inviabilizaria a criação, se ele só comer isso, se ele só se desenvolve nisso eu não tenho como cria-lo em laboratório", reitera.

Pastori destaca que em alguns casos o inseto se alimenta muito bem, mas tem um ciclo de vida muito longo. "Esse ciclo tem que ser curto porquê dessa forma também eu considero produzir muito em pouco espaço físico e pouco espaço de tempo".

Conforme o professor, para produzir um quilo de insetos é muito rápido, dependendo da espécie. "O potencial de produção é muito grande. Você produz uma quantidade considerável em uma pequena bandeja. É barato produzir. É caro para comprar por conta da questão do ambiente, o cuidado com a higiene".

Benefícios à saúde

Ele também explica que por conta da inexistência de legislação específica é preciso tomar alguns cuidados extras. "Imagina uma contaminação, então por isso o cuidado é maior. Por isso a pessoa que produz vende caro. Ele tem que tomar cuidados redobrados. Se tivesse uma legislação específica se tornaria mais barato porque você padroniza. Se coloca norma, regra de segurança, tem um custo para mante a regra. Hoje quem produz triplica, quadruplica a segurança para não prejudicar ninguém".

No Brasil, ainda não tem uma legislação específica sobre insetos para o consumo humano. É muito insipiente. É tanto que no País não existe uma empresa com este objetivo
Alessandra Vitelli, veterinária

Por conta da baixa demanda, os produtos não são baratos. Em média, segundo Pastori, um pacote com 500 gramas custa de R$ 250 a R$ 400, dependendo do produto. "Hoje se você me perguntar se este custo compensa, não compensa. Uma sacolinha daquela ali custa até R$ 400. Mas por que tão caro? Porque não tem o produto no mercado. Se não tem produção, não tem o produto. Ele é uma iguaria, mas não custa R$ 200 produzir aquela pequena quantidade. Este não é o custo verdadeiro".

Nos testes realizados na UFC a equipe do professor Pastori levou algumas receitas com insetos para o Encontros Universitários. De acordo com ele, diversos pratos foram preparados em parceria com o curso de Gastronomia.

Uma das opções, segundo o professor, é colocar o inseto in natura para o consumo. A outra possibilidade é fazendo uma barrinha de cereal ou em bolos, por exemplo. "A proteína neles é muito rica. E nós temos que aproveitar isso".

No evento da UFC, a equipe levou tapiocas recheadas, farofas e docinhos. "Tapioca, tanto a doce quanto a salgada. A doce a gente fez com leite condensado e a salgada a gente colocou queijo. Mousse de maracujá tanto com tenébrio e grilo ou só com grilo ou tenébrio. Morango com calda de chocolate e tenébrios por cima. E farofa de tanajura", complementa.

Em Minas Gerais, a Nutrinsecta produz insetos para alimentação animal. Segundo a médica veterinária e responsável técnica da empresa, Alessandra Vitelli, a finalidade de produção da Nutrinsecta é alimentação de pets. "No Brasil, ainda não tem uma legislação específica sobre insetos para o consumo humano. É muito insipiente. É tanto que no País não existe uma empresa com este objetivo. No nosso caso, o foco é pet", explica.

Apesar disso, Vitelli conta que a Nutrinsecta tem planos de produzir insetos para o consumo humano. "A gente tem sim um projeto. Realizamos experimentos com algumas universidades, até mesmo para fazer pressão para se ter uma legislação específica".

Ela ainda afirma que, com mais esclarecimentos e educação, o público brasileiro interessado em insetos na alimentação cresça. "Nós aqui no Brasil não temos essa cultura como ela é disseminada na Ásia, por exemplo, mas existe sim um público em potencial, como o pessoal de academia".

Segundo o professor, não há necessidade de muito espaço para criar os insetos, basta adequar alimentação e ambiente propício FOTO: Kid Júnior

A responsável técnica diz que os insetos podem chegar a ter 65% de proteína, enquanto que a proteína bovina fique perto de 23%. "As pessoas poderiam consumir os insetos como farinha no leite, por exemplo. Isso pode se tornar atrativo para o pessoal da academia, que malha, que consome muita proteína".

De acordo com ela, a Nutrinsecta produz quatro tipos de insetos: barata cinérea, tenébrio comum, tenébrio gigante e grilo preto. Em relação aos preços, a médica veterinária afirma que os produtos variam de R$ 200 a R$ 300 o quilo. A empresa vende pacotes de 50g a 1kg dos insetos desidratados.

Sobre a procura pelos produtos, a maioria dos consumidores compra para alimentação animal. Entretanto, Vitelli diz que algumas pessoas procuram para o consumo próprio. "Nossos produtos também servem para o consumo humano, mas ainda não é o nosso foco", reitera.

Os insetos podem garantir a segurança alimentar?

De acordo com o Conselho Nacional de Segurança Alimentar do governo federal, a segurança alimentar é o conjunto de estratégias e ações que consistem na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidades suficientes, sem comprometer o acesso a ouras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras da saúde.

Larvas de tenébrio cultivadas na farinha de trigo no laborário da UFC FOTO: Kid Júnior

"O modelo de produção e consumo de alimentos é fundamental para garantia de segurança alimentar e nutricional, pois, para além da fome, há insegurança alimentar e nutricional sempre que se produz alimentos sem respeito ao meio ambiente, com uso de agrotóxicos que afetam a saúde de trabalhadores/as e consumidores/as, sem respeito ao princípio da precaução, ou, ainda, quando há ações, incluindo publicidade, que conduzem ao consumo de alimentos que fazem mal a saúde ou que induzem ao distanciamento de hábitos tradicionais de alimentação", afirma o Conselho.

No que consiste especificamente aos insetos na alimentação, a FAO diz que os invertebrados podem sim contribuir para a segurança alimentar. "Uma das maneiras existentes para se resolver o problema de segurança alimentar é a criação de insetos. Insetos estão em todos os lugares, se reproduzem rapidamente, possuem altas taxas de crescimento e de conversão alimentar, além do mínimo impacto ambiental causado em todo seu ciclo de vida. São nutritivos, com alto teor de proteína, ácidos graxos e minerais. Podem ser criados a partir de resíduos orgânicos, como rejeitos de alimentos. Além do que, insetos podem ser consumidos inteiros, moídos, processados em pó ou em pasta para serem incorporados a outros alimentos", explica a Organização.

Segundo a FAO, "o cultivo de insetos em larga escala para ser utilizado como ingrediente de ração animal é tecnicamente factível e já existem iniciativas empreendedoras consolidadas, em várias partes do mundo, na vanguarda destas ações. A utilização de insetos como alimento na produção animal, como na aquicultura e avicultura, será cada vez mais presente durante a próxima década".

Para o professor Pastori, da UFC, é bastante complexo afirmar que os insetos poderiam assegurar a segurança alimentar
Foto: Kid Júnior

Para o professor Pastori, da UFC, é bastante complexo afirmar que os insetos poderiam assegurar a segurança alimentar. "Eu acredito que é mais uma fonte de alimento, uma fonte de alimento de baixo custo, quando tem oferta, não neste cenário que nós temos. É um tipo de alimento que você poderia produzir na sua casa. Neste sentido garantiria pelo menos o mínimo. Se vai resolver a fome do mundo é uma outra história", opina.

Procurado, o Ministério da Saúde informou, por meio de nota, "que vem desenvolvendo ações estratégicas de alimentação e nutrição para promover e proteger a saúde dos brasileiros, alinhadas com seu Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis. Sobre o consumo de insetos, não há recomendação específica pela pasta, mas reconhece que o hábito faz parte da cultura alimentar de algumas populações tradicionais do País".

Segundo a Pasta, "o Brasil assumiu como compromisso atingir três metas: deter o crescimento da obesidade na população adulta até 2019, por meio de políticas intersetoriais de saúde e segurança alimentar e nutricional; reduzir o consumo regular de refrigerante e suco artificial em pelo menos 30% na população adulta, até 2019; e ampliar em no mínimo de 17,8% o percentual de adultos que consomem frutas e hortaliças regularmente até 2019".