Voluntários criam grupos de apoio para trocar vivências e ajudar o próximo
Texto: Jacqueline Nóbrega
Grupos de apoio surgem com diferentes objetivos. Pode nascer com o intuito de desmistificar o transtorno do autismo na sociedade e para troca de experiência entre mães e pais, como é o caso da Associação Fortaleza Azul, ou após um jovem de 16 anos perder a vida praticando um jogo de não-oxigenação, como, por exemplo, o Instituto DimiCuida. O Panapaná, por sua vez, foi criado após a médica Niedja Bezerra enfrentar um câncer. Já curada, resolveu investir no grupo, ao lado de um time de voluntários, para interceder, mimar e visitar pacientes diagnosticados com a doença.
São três histórias diferentes. No entanto, em comum, além de terem sido fundados em solo cearense, os três grupos têm como proposta ajudar o próximo. Apesar de terem uma trajetória relativamente curta, eles têm mudado a história de muitas famílias e se tornaram motivo de orgulho para os fundadores, que transformaram um momento difícil em esperança.
A psicóloga e doutora em Teoria e Pesquisa do Comportamento, Lidiane Queiroz explica que grupos de apoio e associações surgem como uma forma de os familiares deixarem de atuar de forma isolada. “Esses grupos atuam para trazer mais informações e auxiliar às famílias a ganharem força na luta para, por exemplo, serviços de atenção à saúde e educacionais de qualidade e na defesa dos direitos de seus filhos. Por fim, os grupos também funcionam como uma rede de apoio, tanto compartilhando dificuldades e sucessos, como criando uma rede de divulgação de serviços profissionais”.
Autismo não é doença
Mãe de três crianças, Fernanda Cavalieri explica que quando seus dois filhos gêmeos, atualmente com seis anos, foram diagnosticados com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), não conhecia nenhuma outra família que estivesse vivenciando a mesma situação. No início, foi em salas de espera de consultórios médicos que ela teve a chance de compartilhar sua experiência com outros pais. Incentivada pela defensora pública Amélia Rocha, que a alertou que uma ação isolada não tem tanta força como uma coletiva, em parceria com outras mães, iniciou a Associação Fortaleza Azul (FAZ), em abril de 2015.
“Percebemos que as dificuldades que as mães passavam eram semelhantes. Quando os pais descobrem que o filho (a) tem o Transtorno do Espectro Autista, eles querem saber qual terapia é a mais eficiente, onde podem encontrar tratamento gratuito e pegar medicamentos e qual escola é a mais inclusiva. O que mais preocupa as famílias que têm filhos com deficiência são pontos como saúde e educação. A gente começou a discutir inicialmente no WhatsApp”.
Do aplicativo, vieram as primeiras ações na cidade. Atualmente, a Associação faz o acolhimento de famílias que recebem o diagnóstico e promove eventos para desmistificar a deficiência, como palestras abertas ao público, rodas de conversas e atividades de lazer para as crianças como cinema e teatro. “Os próprios médicos já indicam que as famílias procurem a FAZ, porque é um diagnóstico difícil. Você idealiza um filho e percebe que o desenvolvimento dele não é aquilo que esperava. E ainda existe muito mito em torno do autismo na sociedade”.
“Ainda existe muito mito em torno do autismo na sociedade”Fernanda Cavalieri
“Temos que começar a quebrar as barreiras dentro da própria casa. Se eu não conheço o que é o autismo, por exemplo, como mãe, posso separar meu filho dos grupos sociais, isolar em casa, não achar que ele possa frequentar uma escola regular ou festinhas infantis. Até porque o autismo afeta cada pessoa em um grau e em uma área específica. Cada autista é único”, completa Fernanda, que ressalta que atualmente a Fortaleza Azul reúne 180 famílias envolvidas na causa.
Dentre os trabalhos realizados pela FAZ, destaque para o musical “Uma Sinfonia Diferente: Azul da Cor do Mar”, apresentado em abril deste ano. A proposta do musical, que reuniu mais de 100 participantes, entre crianças e adolescentes com autismo, pais e profissionais de saúde, teve como principal objetivo mostrar e conscientizar a sociedade da capacidade de indivíduos com Transtorno do Espectro Autista.
O espetáculo motivou o documentarista Vinicius Augusto Bozzo a produzir um trabalho que mostra os bastidores do espetáculo. Intitulado "Mergulhando no Azul da Cor do Mar”, foram seis meses de gravações até o dia da apresentação final, recolhendo imagens e depoimentos dos participantes. O filme foi exibido na televisão pela primeira vez no último dia 20 de novembro.
Conscientizar, educar e prevenir
O Instituto DimiCuida, também sediado em Fortaleza, foi fundado em 2014, por Demétrio e Heloisa Jereissati, após o filho do casal, Dimitri, de 16 anos, perder a vida praticando o jogo do desmaio. “Assustou muito a família porque ele era um rapaz com sonhos de vida. O Dimitri resgatava animais de rua, sonhava em ser guia de ecoturismo, tinha uma paixão muita grande pela natureza, além de namorada e grupos de amigos. Não tinha como olhar para aquilo como suicídio, como a princípio a investigação supôs que fosse”, contou a psicóloga e membro do comitê de educação do grupo Fabiana Vasconcelos.
Um especialista em luto de Fortaleza e amigo da família conhecia a prática do jogo, por trabalhar diretamente com mães e pais que perderam os filhos pelo mesmo motivo, e alertou o casal. Foi quando os dois começaram a pesquisar o assunto e encontraram um caso isolado no Rio de Janeiro, em uma escola carioca, e descobriram a APEAS (Association de Parents d'Efants Accidentés par Strangulation), criado na França, por pais de vítimas da brincadeira perigosa.
“Dois meses após a morte do Dimitri, o Demétrio e a Heloisa viajaram para a França, onde participaram de um colóquio sobre o jogo do desmaio promovido pela APEAS. Lá eles resolveram se aprofundar. Participaram de prevenção nas escolas, dos treinamentos feitos pelas enfermeiras, entenderam o que era a prática, a motivação, como acontecia. Quando retornaram, o Instituto foi fundado para conscientizar e prevenir os jogos de não-oxigenação no Brasil”, falou Fabiana.
Fabiana trabalhava como educadora nos Estados Unidos e tinha conhecimento dos jogos em território americano quando foi convidada para integrar o grupo de apoio. “A pesquisadora Juliana Guilheri é a única brasileira que publicou dois artigos na área e está fazendo uma tese de doutorado sobre o assunto, onde entrevistou mais de 1000 crianças no Brasil”.
“Por enquanto, toda a parte científica sobre os jogos de não-oxigenação é em inglês ou em francês. Entrei no grupo para estudar realmente. Apesar de ter partido de uma vivência emocional e de perda, o Demétrio não queria que o Instituto fosse fundado somente com esse objetivo. Ele queria que fosse baseado em um entendimento factual, para descobrir o que está acontecendo no Brasil”, explica ainda a psicóloga. Ela estuda, por exemplo, o comportamento dos jovens no YouTube. Fabiana alerta, por exemplo, que atualmente estão disponíveis 19 mil vídeos no serviço que ensinam um tipo específico de jogo de não-oxigenação.
Em agosto de 2015, o Instituto promoveu o 1º Colóquio Internacional sobre brincadeiras perigosas. O evento reuniu um público de 300 pessoas em dois dias e tinha como principal objetivo explicar quais são essas brincadeiras. “As pessoas não tinham conhecimento. A gente diz muito que os jovens praticam e os pais desconhecem”.
Além dos dois colóquios já promovidos pelo Instituto, um em 2015 e outro em 2016, o grupo trabalha com programas de prevenção voltados para profissionais da área de saúde, educação e para jovens. Fabiana também destaca que o DimiCuida está à disposição para que os pais que vivenciaram a situação procurem o grupo.
Sequelas
“Nossa meta daqui pra frente é abranger. A gente leva a prevenção para escolas ou instituições que trabalham com jovens, para que eles aprendam a se proteger dos jogos de não-oxigenação. As brincadeiras perigosas têm uma série de sequelas, que vão desde o desmaio ao estado vegetativo. É isso que a gente quer alertar”, afirmou a psicóloga.
“As brincadeiras perigosas têm uma série de sequelas, que vão desde o desmaio ao estado vegetativo”Fabiana Vasconcelos
“Temos dois anos de atuação, de algo que é novo e assustador. Decidimos que não vamos até a escolas. São elas que vêm até nós. Nossa divulgação é através do site, fanpage no Facebook e dos colóquios. São essas pessoas que participam desses eventos que disseminam a informação, divulgam nas instituições que trabalham e, geralmente, elas nos procuram. Tínhamos como meta inicial, em 2016, fazer 30 prevenções e já vamos chegar em 50”, disse Fabiana.
A psicóloga relata que o que mais preocupa as escolas é que o Instituto chegue com informações que despertem a curiosidade dos jovens. É por isso que a profissional desenvolveu um método especial para fazer o trabalho de prevenção nas instituições. “É por isso que usamos uma nomenclatura generalizada, brincadeiras perigosas”.
Fabiana ainda faz o apelo para ter o apoio da segurança pública. “Precisamos que a segurança pública diferencie os casos de jogos de não-oxigenação de suicídio, para que tenhamos números reais. Como não temos essa estatística, as brincadeiras e as práticas continuam desconhecidas. Nós temos uma ferramenta no Brasil, chamada autópsia psicológica, que pode diferenciar esses casos. A especialista Fátima Santos, da PUC de Campinas, inclusive participou de um dos nossos colóquios”.
Ponte para o bem
A história do grupo Panapaná começou em 2014, quando um grupo de cerca de 50 amigas se reuniram para apoiar a médica Niedja Bezerra, diagnosticada com câncer linfático.
"Todos os dias eu recebia em minha casa um mimo. Eram presentes como livros, imagens, orações, terços, DVDs, comidinhas, etc. Assim, eu sabia que não estava só e que poderia contar com orações, jejuns e missas em minha intenção", contou ela.
Mesmo quando estava fazendo quimioterapia, ou seja, ausente, as voluntárias do grupo, que se auto-intitularam borboletas, em analogia à transformação que passamos no decorrer da vida, continuavam fazendo o trabalho de apoio ao próximo. Elas doavam carinho e alegria em forma de cestas básicas, material de higiene, lençóis e brinquedos para instituições de caridades, asilos e orfanatos. Quando ficou curada, Niedja não deixou que o projeto terminasse ali e deu continuidade com as amigas. Nem todas, aliás, foram diagnosticadas com a doença, mas se solidarizaram em prol do outro. Atualmente, o grupo conta com 43 participantes.
“Todos nós temos cruzes, umas maiores, outras menores, mas todas importantes e passíveis de se tornarem pontes para o bem”.Niedja Bezerra
“Saí do casulo e quis ser borboleta, fazendo o mesmo com outras pessoas que estivessem passando por situação semelhante. Todos nós temos cruzes, umas maiores, outras menores, mas todas importantes e passíveis de se tornarem pontes para o bem. A dor tem que frutificar”, aconselha Niedja, que escreveu um livro, que leva o mesmo nome do grupo de apoio, que conta sua história de inspiração.