Diário do Nordeste Plus

Forró das antigas

Em quase oito décadas da divulgação do forró pelas mãos de Luiz Gonzaga, o ritmo vem se reinventando e ganhando novos elementos

Próximo ano, em 2017, a emblemática canção “Asa Branca”, do pernambucano Luiz Gonzaga, completa 80 anos de sua composição. Nas mãos de Gonzaga, o forró rodou o País e consagrou o ritmo no mundo todo. Ao longo de quase oito décadas, desde que surgiu e se espalhou pelas mãos do Rei do Baião, o estilo musical, que é um dos principais símbolos do Nordeste, passou por transformações em sua forma de ser produzida e degustada. A sanfona, o triângulo e a zabumba ganharam elementos musicais do axé, pop e eletrônico. As produções passaram a levar aos palcos algo além do trivial. São mais músicos, mais instrumentos, dançarinos e até um zelo a mais pelo visual.



Para alguns pesquisadores do tema, essa mudança pode ser dividida em algumas etapas: Forró Tradicional (encabeçado por Luiz Gonzaga), Forró Universitário (com Elba Ramalho, Zé Ramalho e Alçeu Valença), Forró Eletrônico (com a entrada do Mastruz com Leite e outras bandas) e Forró Ostentação (com a entrada de Aviões e posteriormente de Wesley Safadão).




Com 21 anos de carreira, desses 15 no Mastruz com Leite e outros 6 em carreira solo, Bete Nascimento foi uma das responsáveis por eternizar músicas e embalar milhares de casais apaixonados por todo o Brasil, com os hits “A Praia”, “Amiga Lua”, Lição de Vida”, entre muitas outras. Para a cantora, Luiz Gonzaga foi o percussor do estilo, que ganhou novos caminhos.

“Luiz Gonzaga teve grande importância para todos os cantores de forró. O estilo começou com ele e foi ele quem fez ficar conhecido no mundo todo. Pra mim, particularmente, ele teve grande influência. Ele levou um pouco da nossa terra, da nossa cultura para fora. Qualquer cantor, independente do estilo, sabe quem foi e as composições do Rei do Baião. Eu acredito que o forró teve três grandes fases. A primeira com Luiz Gonzaga, depois Dominguinhos, Trio Nordestino, com o forró tradicional, o autêntico pé-de-serra. Depois, acho que a gente com o Mastruz com Leite, nos anos 90, inovou, demos um up, uma modernização no ritmo. Por último, acho que o Aviões do Forró foi outra grande mudança, um divisor de águas. A pegada mudou, as letras ficaram mais ousadas. E agora, temos o forró da curtição, da ostentação, com o Wesley Safadão. Então, eu acho que existe sim esse divisor de águas”, destaca Bete Nascimento.

Bete Nascimento
Bete Nascimento mostra o prêmio que ganho na época do Mastruz com Leite Foto: Glênio Mesquita

Além das mudanças, com a inclusão de novos instrumentos e uma pitada de outros estilos, o ritmo ganhou novas formas de produzir e vender. “Antigamente, não tinha tanta concorrência no forró. O Mastruz fez sucesso numa época que não havia internet, mas tinham poucas bandas para concorrer. Não existia uma visão artística do visual antigamente. Nós tínhamos que subir no palco com uma pochete, o celular pendurado aqui. Hoje as produções são melhores, tem uma preocupação com as roupas, com o figurino dos músicos. Há um mercado louco para patrocinar, naquela época não tinha. Hoje um artista pode se vestir do bom e do melhor e não gastar um real. Antes, mal tínhamos tempo para pensar e ensaiar as coreografias. A Kátia é quem, muitas vezes, tinha as ideias e ia fazendo. É mais fácil fazer uma produção de CD e DVD. Antes eramos guerreiros, se nadava contra a maré”, pontua Bete.

Para Kátia Cilene, que compôs o “dream team” do Mastruz ao lado de Bete Nascimento, Aduílo Júnior e França, nos anos 90, hoje em dia o sucesso pode ser mais passageiro. “Acho que a dificuldade hoje é se manter. Se você não estiver todo dia inventando uma coisa diferente, não estiver sempre pensando em algo inovador, você não se destaca. Hoje está todo mundo querendo se manter no mercado. Eu acho que hoje é mais complicado pela concorrência. Se for uma música boa, ela vai durar para sempre, claro. Mas as coisas acontecem hoje bem mais rápido. Naquela época, tínhamos que fazer trabalho em rádio, TV, para as musicas poderem chegar. O Mastruz gravava três, quatro CDs por ano. Quando a gente chegava no Rio, em São Paulo, eles ainda estavam no primeiro CD, as coisas demoravam muito mais a chegar. As redes sociais ajudam muito. Naquela época não tínhamos internet”, diz a cantora, que agora inicia um projeto solo, com o especial “Simplesmente Kátia”.

Kátia Cilene
Kátia Cilene ainda é lembrada por hits como “Meu Vaqueiro, Meu Peão” Foto: Fernanda Siebra

Composições

De acordo com os músicos e compositores da “velha guarda”, há uma grande diferença notada no forró de hoje em relação ao de outras gerações. Para Rita de Cássia, responsável pela composição de grandes hits, como “Meu Vaqueiro, Meu Peão”, “A Saga de Vaqueiro”, “Onde Canta o Sabiá”, “Barreiras”, entre outras, as músicas atuais perderam um pouco da “essência” do Sertão, tão lembrado nas letras de Luiz Gonzaga, por exemplo. “Uma das grandes mudanças que você percebe hoje são em relação às letras. Antigamente, criávamos músicas que falavam de amor e do sertão. Nós falávamos do nosso dia a dia, das belezas da nossa terra, das vaquejadas e dos acontecimentos à nossa volta”, destaca Rita de Cássia.

Rita de Cássia
Rita de Cássia, uma das maiores compositoras de forró Foto: Nah Jereissati

A observação não é única de Rita de Cássia. Com mais de três décadas de trabalho, Sirano, da dupla Sirano e Sirino, também pontua a falta de regionalismo na música. “O que se percebe é que estão produzindo músicas muito voltadas para a comercialização. A história do vaqueiro, do sertão já não se observa tanto. Eu me pergunto se esse pessoal não pensa no que vai deixar para os próprios filhos, o que as próximas gerações vão ter. É complicado esse movimento. Não é que o forró não possa mudar, mas é que é necessário pensar nesses pontos. Durante o show você já observa a ausência da sanfona em algumas apresentações. Então você pergunta, o que é isso? Como isso está acontecendo”, destaca o músico.

Sirano
Sirano reclama de falta de regionalismo na música Foto: Kid Júnior

“Acho que é um movimento que deve ser pensado. Você observa o sertanejo e vê que eles também vêm se reinventando e está dando certo também. Acho importante que mudanças sejam feitas, mas é preciso estar atento. Participo de grupos de WhatsApp com outros e às vezes comento sobre essas mudanças nos grupos. É delicado falar, mas é importante. Músicas juninas, por exemplo, onde estão? Sempre fizemos músicas voltadas para o período de São João e hoje não vemos mais”, diz Rita de Cássia.

Ganhando o mundo

Hoje, Wesley Safadão, Aviões do Forró, Simone e Simaria, entre outros nomes, comandam a consagração do forró mundo a fora. Porém, engana-se quem pensa que esse caminho é restrito a esses “novos” artistas. Luiz Gonzaga, Trio Nordestino, Mastruz com Leite, Sirano e Sirino já fizeram um percurso parecido. Os primeiros passos dados pela velha guarda foram essenciais para que esses artistas chegassem a onde estão.

“Eu lembro que nós (Mastruz com Leite) chegamos a fazer um show em São Paulo só para os funcionários da casa, devido a falta de público. Aos poucos fomos conquistando espaço nas outras regiões, muito impulsionado pelos cearenses que moravam nesses estados. E daí ficamos conhecidos no meio musical, participamos de programas nacionais, viajamos para fora, uma rotina parecida com a dessas bandas hoje. Acredito e, inclusive já comentaram comigo, que essa “nova geração” se baseou muito em nós”, destaca Kátia Cilene.

Para a compositora, "conquistamos muito espaço, mas é preciso ainda mais. Eu acho que o preconceito mudou, mas eu acredito que ainda tenha um pouco. Por exemplo, as músicas de forró, na novela, não são do protagonista, são da moça que trai o marido, que não é fiel com a família. Mas já estamos fazendo muito bonito, essa nova geração está indo muito bem”, destaca Rita.