Texto: Jacqueline Nóbrega Publicado em 12.06.2017

É comum escutarmos histórias de cearenses em busca de um destino, seja na Europa, Estados Unidos ou Canadá para vivenciar uma experiência em outra cultura e, de quebra, aprender um novo idioma. No entanto, o nosso Estado recebe anualmente estudantes provenientes de outros países para cursar um semestre de graduação ou de mestrado e aproveitar as praias e o clima brasileiro. De acordo com Ítalo Cavalcante, diretor do Projeto de Apoio ao Intercambista da Universidade Federal do Ceará (UFC), anualmente, em média, 80 "gringos" desembarcam em terras alencarinas. A maioria vindos da Alemanha, França, Colômbia, Espanha e Portugal. O projeto nasceu em 2011 e tem como objetivo, como o nome já diz, auxiliar os estrangeiros à se adaptarem ao novo local que escolheram para morar.

INTERCAMBISTAS EM UNIVERSIDADES CEARENSES

80

é a média anual de intercambistas na UFC

100

é a média anual de intercambistas na Unifor

Para cada intercambista são nomeados dois padrinhos, que fazem o mesmo curso do estrangeiro. "O feedback do projeto é positivo, pois o número de intercambistas aumentou e ocorre uma integração maior entre os estrangeiros e os estudantes da UFC", reforça Ítalo, que pontua que os padrinhos devem ter domínio de pelo menos uma língua estrangeira.

Na Universidade de Fortaleza (Unifor), 100 intercambistas passam anualmente pelo campus, de acordo com Brunno Pimenta, assistente da assessoria para assuntos internacionais. Eles são advindos dos mais diferentes países, mas principalmente da Colômbia, Alemanha, Espanha e França. A Unifor tem parceria com 130 universidades em 20 países.

Os cursos de Engenharia Ambiental, Administração e Comércio Exterior são os que mais recebem alunos estrangeiros. Desde 2016, a Unifor tem um projeto chamado "Buddy Program", que tem como objetivo integrar os intercambistas e os estudantes brasileiros.

Maya Wagner, de 22 anos, desembarcou em Fortaleza em agosto de 2016 e fica por aqui até o segundo semestre deste ano. Ela é alemã e vive com seus familiares em Bremen, cidade localizada perto de Hamburgo. Sua graduação, na Alemanha, chama-se Gerência Global e tem como foco estudar os países de industrialização recente. Foi por conta do curso que ela acabou desembarcando no Brasil e atualmente cursa Administração na UFC. "Existem quatro direções diferentes de estudo, divididas pela idioma. Tinha que escolher um país de destino e felizmente consegui uma vaga de 'português' com foco no Brasil", explica.

Maya diz que foi difícil se adaptar ao clima cearense, mas um de seus programar preferidos é tomar banho de mar Foto: Arquivo pessoal
Maya diz que foi difícil se adaptar ao clima cearense, mas um de seus programas preferidos é tomar banho de mar Foto: Arquivo pessoal

Apesar de o português e o alemão serem línguas difíceis, gramaticalmente falando, Maya aceitou o desafio e confessa que aprendeu as primeiras palavras do nosso idioma quando as aulas começaram. "No começo foi bem difícil, principalmente porque não sabia muitas palavras para poder dizer o que eu queria, mas tudo é uma questão de prática. A cada dia ficou mais fácil e as pessoas que eu conheci foram muito pacientes comigo". Alguns meses após desembarcar em solo brasileiro, Maya já compreende até as gírias cearenses. "Você tem que desculpar os estrangeiros que não entendem imediatamente que, aqui no Ceará, 'rebolar no mato' tem o mesmo significado que 'jogar no lixo'".

"Com os conhecimentos que adquiri da cultura e do estilo de vida brasileiro, meu objetivo é trabalhar em uma empresa que atua no mercado do Brasil e da Alemanha"

Essa é a primeira vez que Maya faz intercâmbio em Fortaleza, mas, apesar da pouca idade, ela já morou dois meses em São Paulo, durante o ensino médio, três semanas em Dongguan, na China, e um ano nos Estados Unidos, onde trabalhou como babá para uma família americana, antes de começar sua graduação. Ainda assim, mergulhar em novas culturas é sempre complicado. A alemã confessa que foi difícil se acostumar à cumprimentar as pessoas com dois beijinhos em vez de um aperto de mão e jogar papel higiênico no lixo ao invés do vaso. "Também é difícil lembrar que não devemos colocar a mochila ou bolsa no chão e sim em uma mesa ou cadeira; entrar no ônibus na parte de trás ao invés de na frente e tomar cerveja gelada em vez de natural. Também tive que aprender a diferença na pontualidade. Na Alemanha, quando recebo um convite de aniversário para 14h, o correto é chegar 13h55 para não atrasar. Aqui é melhor chegar pelo menos com uma hora de atraso".

A alemã passou a virada do ano na Praia de Iracema rodeada de amigos Foto: Arquivo Pessoal
A alemã passou a virada do ano na Praia de Iracema rodeada de amigos Foto: Arquivo Pessoal

Outro ponto que requer adaptação é a alimentação. Maya explica que no Brasil existem inúmeras frutas que ela nunca tinha ouvido falar, mas que "são muito boas". "Em geral as frutas são mais saborosas. A carne também é muito boa aqui, não tem nada melhor do que um churrasco com picanha, mas sem coração de frango, por favor. Isso para os alemães é muito estranho. Os doces têm muito mais açúcar do que eu posso lidar, por isso não consegui me acostumar com brigadeiros ou doce de leite, mas eu me apaixonei pelo açaí. Como todo dia com várias frutas e amendoins".

Considerando que o inverno na Alemanha é rigoroso, se acostumar com o calor nordestino também foi difícil, mas ela se adaptou bem. Maya frisa várias vezes que se sente "muito feliz" em tomar banho de mar e fez questão de conhecer praias cearenses e ao redor do Brasil. "Dormir era difícil no começo, especialmente porque não temos ar-condicionado", relembra a estudante, que divide um apartamento com mais três pessoas, todas estrangeiras, em um bairro universitário.

Ela também ressalta que os padrinhos do Projeto de Apoio ao Intercambista da UFC foram essenciais para que seu intercâmbio funcionasse, já que eles a recepcionaram no aeroporto no dia da sua chegada e até a ajudaram a tirar seu Cadastro de Pessoas Físicas (CPF).

A estudante aproveitou seu período morando em Fortaleza e conheceu outras cidades brasileiras, como o Rio de Janeiro. Na foto, ela posa na Pedra do Telégrafo Foto: Arquivo pessoal
A estudante aproveitou seu período morando em Fortaleza e conheceu outras cidades brasileiras, como o Rio de Janeiro. Na foto, ela posa na Pedra do Telégrafo Foto: Arquivo pessoal

"O intercâmbio é muito rico em experiências. Tornei-me mais autônoma, autoconfiante, responsável e corajosa. Eu também aprendi a ser mais sensível com os outros, considerar os motivos deles para se comportar de uma certa maneira, em vez de julgá-los. Com os conhecimentos que adquiri da cultura e do estilo de vida brasileiro, meu objetivo é trabalhar em uma empresa que atua no mercado do Brasil e da Alemanha. Quero voltar para trabalhar aqui por tempo determinado".

Novo idioma e trabalho voluntário

Thomas Tesfazghi, de 30 anos, chegou em Fortaleza em fevereiro deste ano sem falar nenhuma palavra em português. O alemão, de Stuttgart, explica que sua Universidade na Alemanha tem uma parceria com a Unifor e, como gosta do Brasil desde criança, não pensou duas vezes antes de topar o desafio. Atualmente ele faz mestrado em administração em solo cearense. "Meu primeiro período foi muito engraçado. Eu não falava português, mas as pessoas achavam que eu era brasileiro e me chamavam de 'baiano'. Algumas me perguntavam o horário na rua e eu não entendia nada. Mas não tive problemas. As pessoas são gentis e me ajudam sempre".

Thomas Tesfazghi faz mestrado de Admistração na Unifor Foto: Arquivo pessoal
Thomas Tesfazghi faz mestrado de Admistração na Unifor Fotos: Arquivo pessoal

O intercambista conta que ficará no Brasil até janeiro do ano que vem. Ele divide um apartamento com mais dois estrangeiros, um da Colômbia e outro da Coréia do Sul. Apesar de a cultura brasileira ser muito diferente da sua, Thomas explica que não sofreu um grande choque cultural, já que sua origem é da Eritreia, um país da África. "Em comparação à Alemanha, quase tudo é muito diferente. O ritmo de trabalho, as regras de trânsito e os ônibus lotados e que não são pontuais. Como vou à Eritrea muitas vezes, já conhecia esse tipo de coisa. O que eu estranhei mesmo foi a pobreza, existe uma diferença muito grande entre o pobre e o rico. É a primeira vez que vejo isso".

"(...) seria melhor se os intercambistas conseguissem enxergar mais de Fortaleza. A maioria mora nos bairros Aldeota e Meireles e não conhecem locais como o Dendê e Pirambu. É por isso que indico que eles façam trabalhos voluntários, para que conheçam além dos pontos turísticos"

O alemão já tinha estudado e trabalhado na Austrália, mas reforça que a cultura brasileira é única. "O clima é muito bom e temos muitas oportunidades para fazer esportes. No entanto, para mim, seria melhor se os intercambistas conseguissem enxergar mais de Fortaleza. A maioria mora nos bairros Aldeota e Meireles e não conhecem locais como o Dendê e Pirambu. É por isso que indico que eles façam trabalhos voluntários, para que conheçam além dos pontos turísticos".

Outro ponto destacado por Thomas é a comida, que, segundo ele, é muito diferente a que tava acostumado. "As pessoas aqui gostam muito de carne. Eu acho que um vegetariano teria dificuldades em morar em Fortaleza. Tanto as bebidas como as comidas são muito doces, em especial o café e os sucos. Um diferencial são os camelôs perto das festas. Gosto muito porque as comidas são boas e baratas".

"Fazer intercâmbio é sinônimo de conhecer novas culturas, línguas e histórias interessantes. Quando você fica com seus pais, não tem novas experiências, por isso indico para todos", finaliza Thomas.

Respeito é a base de tudo

Ismênia João, de 24 anos, está passando uma temporada no Ceará, onde cursa Administração Pública na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) desde 2012. É a primeira experiência longe de casa da angolana, que encerra em julho deste ano a graduação. No entanto, a decisão de se mudar foi tomada de forma simples, já que ela conhecia o Brasil dos livros e da televisão. "Sempre sonhei em estudar fora. Gosto de conhecer novas culturas, pessoas e lugares. Quando apareceu esta oportunidade, orei muito e deu tudo certo".

Ismênia João finaliza seu curso na Unilab ainda neste semestre. Durante sua estadia no Ceará, aproveitou para conhecer praias e novas cidades Foto: Arquivo pessoal
Ismênia João finaliza seu curso na Unilab ainda neste semestre. Durante sua estadia no Ceará, aproveitou para conhecer praias e novas cidades. No início, a angolana estranhou a cultura brasileira. Ela achou que por aqui "tudo é mais liberal Fotos: Arquivo pessoal

A angolana mora atualmente em Redenção, onde está localizado o campus da Universidade, na companhia de uma santomense e mais duas brasileiras. Mesmo provenientes de culturas diferentes, Ismênia garante que o convívio é bom. "Nos respeitamos muito e não julgamos a cor ou nacionalidade".

"Damos mais valor à coisas que antigamente considerávamos simples, além de vivenciarmos situações acadêmicas e culturais que nos enriquecem"

Ela ainda pontua que, no início, estranhou a cultura brasileira, se comparada à angolana, já que por aqui "é tudo mais liberal". "Agora eu respeito, visto que nenhuma cultura é melhor que a outra e devemos respeitar as diferenças. No começo estranhei muitas palavras, hábitos e a forma de convivência".

Ismênia enfatiza que a experiência de vivenciar um intercâmbio, além da formação, traz mais juízo, maturidade e responsabilidade. "Damos mais valor à coisas que antigamente considerávamos simples, além de vivenciarmos situações acadêmicas e culturais que nos enriquecem".

O intercâmbio também possibilitou que a angolana viajasse ao redor do Brasil. Ela conheceu destinos como Brasília, Piauí, Rio Grande do Norte, São Paulo e Rio de Janeiro. Quando a rotina de estudos está tranquila, Ismênia aproveita para visitar os shoppings de Fortaleza. "Meus colegas de turma organizavam saídas e isso me possibilitou conhecer e locais turísticos".