Texto: Felipe Lima Publicado em 30.10.2017

Quando se pensa em espaço público, é comum vir à memória praças e espaços de lazer. Porém, o trânsito é um dos importantes componentes da urbanização das cidades neste âmbito. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Fortaleza tem mais de 2,6 milhões de habitantes, sendo a 5ª maior cidade em termos populacionais.

No meio desta multidão, 1.051.950 veículos disputam - de forma agressiva, inclusive - espaço nas vias de Fortaleza. Do total, 569.098 são automóveis, ou seja, cerca de 50%. O número de motocicletas também é grande: 281.763, segundo os dados mais recentes do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran).

Como na maior parte das metrópoles brasileiras, o trânsito foi, por muito tempo, pensado justamente para os veículos em detrimento das pessoas. Para tentar resolver os gargalos, a Prefeitura apresentou, em 2015, seu Plano de Mobilidade. O objetivo é que a cidade tenha um planejamento da mobilidade de pessoas e de cargas, integrado ao planejamento urbano, visando reduzir os impactos sociais e ambientais causados diariamente pela necessidade humana de movimentar geograficamente. Ele é dividido em três partes: evolução da mobilidade em Fortaleza desde sua fundação até o cenário atual; interpretação do cenário existente; e a mobilidade de Fortaleza nos próximos 10 anos.

Nenhuma cidade consegue suportar um crescimento tão grande, cada vez mais as cidades recebem veículos e nós não temos estruturas de ruas que comportem uma quantidade de túneis
Luiz Alberto Sabóia, secretário-executivo de Conservação e Serviços PúblicosFOTO: Arquivo

Pautada, além das próprias necessidades, pela Política Nacional de Mobilidade Urbana, Fortaleza tem se voltado para a expansão de sua malha cicloviária. Até julho de 2013, quando as primeiras vias voltadas para bicicletas surgiram, a capital cearense contava com cerca de 70 quilômetros de infraestrutura cicloviária, o que pode ser considerada uma malha tímida perante os 4 mil km de vias na cidade.

Conforme descrição contida no Plano de Mobilidade da cidade, durante a fase de interpretação do cenário da época, foi detectada que a ausência da sinalização viária ou mesmo da segregação física poderia impor ao ciclista uma sensação de insegurança ao pedalar, desestimulando a utilização do modal. Paralelamente, a educação de trânsito voltada para o modal era precária e, culturalmente, a bicicleta não era considerada como um modo digno de transporte, mas, sim, uma opção de lazer.

Fortaleza dispõe hoje de quase 100 quilômetros de deslocamento reservado para os ônibus. Em 2012, a cidade contava com apenas 3,3 quilômetros desta modalidade FOTO: Reinaldo Jorge/Diário do Nordeste

Diante disto, o ano de 2014 pôde ser considerado um marco para a disseminação do modal em Fortaleza, onde diversas ações foram implementadas para mitigar a problemática citada. No entanto, ainda há espaço para avançar, principalmente no que diz respeito à educação e fiscalização de trânsito.

De acordo com o secretário-executivo de Conservação e Serviços Públicos, Luiz Alberto Sabóia, que também é coordenador do Plano de Ações Imediatas de Transporte e Trânsito de Fortaleza (PAITT), desde 2014, os fatores determinantes no planejamento de ações em mobilidade em Fortaleza têm sido baseados, primeiramente, nos critérios da Polícia Nacional.

Os trabalhos são coordenados pela Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos (SCSP), por meio do Plano de Ações Imediatas de Transporte e Trânsito de Fortaleza (PAITT), em parceria com a Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC), a Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seinf) e as Regionais.

“Eu acho que Fortaleza não poderia ser diferente. Todas as cidades estão em um processo de mudança e essa mudança deve levar anos para ser estabelecida. Fortaleza deu um grande passo, mas está em um processo ainda”, comenta Sabóia.

A capital cearense tem hoje quase 220 quilômetros de ciclofaixas e ciclovias e a meta é construir, pelo menos, mais 150. O Plano Diretor aponta que, em 15 anos, a cidade terá 524 quilômetros. Com a expansão em desenvolvimento, a rede já foi ampliada em 221%. Dessa forma, a cidade, que tinha 68 quilômetros de rede cicloviária ao final de 2012, hoje conta com os 218,8 quilômetros, sendo 101,5 km de ciclovias, 115,8 km de ciclofaixas, 1,4 km de ciclorrotas e 0,1 km de passeio compartilhado. Os dados são do início de outubro deste ano.

Fortaleza tinha 400 mil veículos em 2004 e hoje tem mais de um 1 milhão. Nenhuma cidade consegue suportar um crescimento tão grande
Luiz Alberto Sabóia, secretário-executivo de Conservação e Serviços Públicos

“Hoje, ao observar o sistema de bicicletas compartilhadas, por exemplo, é possível identificar conexões fortes. Quem vem da Zona Oeste pela Avenida Bezerra de Menezes pode pegar a Domingos Olímpio, chegando até a Aldeota pela Antônio Sales. O significado disso tudo é que a cidade tem respondido a este estímulo, não somente como forma de deslocamento para trabalho, mas também para lazer”, comenta Sabóia.

Questionado sobre como manter a boa convivência no espaço público, o secretário-executivo da SCSP ressalta que, quando a Prefeitura prioriza o transporte não-motorizado, não retira o direito do cidadão de trafegar em carros de passeio. Porém, tais interferências fazem com que ônibus, que transportam um maior número de pessoas, evitem grandes engarrafamentos e ainda permitem a diminuição da emissão de gases de efeito estufa.

“Fortaleza tinha 400 mil veículos em 2004 e hoje tem mais de um 1 milhão. Nenhuma cidade consegue suportar um crescimento tão grande, cada vez mais as cidades recebem veículos e nós não temos estruturas de ruas que comportem uma quantidade de túneis. Não se trata de ser contra o carro, mas sim de oferecer opções, não adianta fazer políticas que estimulem os carros”, afirma o secretário-executivo.

Contraponto

Entre os principais grupos de Fortaleza que lutam pela expansão da malha cicloviária está a Associação dos Ciclistas Urbanos de Fortaleza (Ciclovida). Na opinião do grupo, é preciso reconhecer os avanços, porém, ajustes ainda precisam ser realizados.

Diário Plus - Como a Ciclovida avalia essa expansão na cidade que ganhou força a partir de 2014

Ciclovida - Na nossa visão, a gestão vem se arrastando com os próprios prazos e postergando a implantação da malha em trechos críticos como no acesso no trecho do viaduto Celina de Queiroz até a Washington Soares. A Lei de Mobilidade Urbana demanda prioridade ao transporte coletivo e ao não-motorizado.

Diário Plus - Na opinião do Ciclovida, a atual gestão vem acertando nas ações que priorizam as bicicletas?

Ciclovida - Obviamente, quando se investe em mobilidade por bicicleta, escolhe-se certo. Na verdade, ainda há muito para ser acertado em Fortaleza. A priorização dos modos ativos de deslocamento e ao transporte público é exigida por lei. A Prefeitura tem deixado de cumprir os prazos que ela própria colocou e tem investido um valor imensuravelmente maior em obras voltadas para veículos automotores individuais. Por essa visão, existem mais erros que acertos.

Diário Plus - Onde ainda pode melhorar ou onde ela está errando?

Ciclovida - Falta a Prefeitura efetivamente priorizar o meio de transporte não-motorizado e coletivo. Ações como criação de passarelas prioriza quem utiliza transporte motorizado. Um dos principais problemas começa com o desenho urbano. As ruas não são feitas para o conforto dos não-motorizados. Ainda falta interligação entre a malha cicloviária e, principalmente, investimento em educação no trânsito. A necessidade de humanização no trânsito é enorme.

Diário Plus - Você acredita que é necessário também um reforço na educação no trânsito para aumentar a boa convivência entre os modais?

Ciclovida - Infelizmente, somente educação não adianta quando temos um desenho viário voltado quase que exclusivamente para transporte individual motorizado. Vemos isso quando temos ruas com calçadas inadequadas ou inexistentes, pouco acessíveis, sem arborização. O maior exemplo é a “pseudossolução” para pedestres chamada passarela. Ela obriga uma grávida, idoso, cadeirante a trocar um percurso em nível, que seria feito em poucos metros, por um que aumenta o trajeto entre 300 e 600m com aclives e declives. Quem estamos priorizando?

Diário Plus - Em relação à boa convivência entre bikes e carros, como todos podem ocupar o seu "quadrado" sem atrapalhar os demais?

Ciclovida - O conceito de cada um no seu espaço não é adequado. A cidade, a rua é de todos. A Ciclovida, assim como diversos coletivos pelo Brasil, acredita no compartilhamento dos espaços. O que existe hoje, é a cidade à mercê, de forma exagerada feita para quem decide se locomover com veículos motorizados. A boa convivência depende principalmente do respeito das prioridades estabelecidas no código de trânsito brasileiro.

Vidas em primeiro lugar

Em 2015, a capital cearense foi uma das 10 cidades contempladas com a ‘Iniciativa Bloomberg de Segurança Viária Global’ e hoje conta com uma equipe de técnicos especializados, além de uma rede internacional de organizações, que dão suporte às ações do poder público municipal em melhorias no gerenciamento de dados, infraestrutura, fiscalização, educação e comunicação.

O coordenador do projeto em Fortaleza, Dante Rosado, afirma que os resultados mais importantes hoje são a redução no número de mortes e feridos no trânsito. Neste ano, Fortaleza também se tornou signatária de um novo programa, o “Parceria por Cidades Saudáveis”. Neste caso o objetivo é estimular ainda mais o uso do modal cicloviário como um meio de transporte para promoção da saúde e prevenção de doenças.

“Os resultados são animadores e indicam que a política de segurança viária está no caminho certo, porém ainda há uma longa estrada pela frente. Como destaques para a conquista na melhora dos indicadores, podemos citar o resgate do Sistema de Informação de Acidentes de Trânsito e a elaboração do Relatório Anual de Acidentes de Trânsito (2015) – ferramentas fundamentais na definição de ações de curto, médio e longo prazo. Importante destacar também que a fiscalização passou a ser orientada a partir dos dados de acidentes de trânsito e com um procedimento padrão baseado nas melhores práticas internacionais”, explica Rosado.

Ações e projetos de mobilidade

O coordenador da Bloomberg em Fortaleza afirma que hoje há muitas experiências de sucesso em cidades de outros países que vêm sendo aplicadas em Fortaleza, como a intervenção temporária do projeto “Cidade da Gente”, na Cidade 2000, a extensão de calçada no bairro Vila Manoel Sátiro implantado neste semestre, além do trabalho de coleta e análise de dados que dá suporte a todas as atividades.

“O comprometimento da gestão para reverter o cenário atual merece ser destacado. Sem esse engajamento o resultado não seria o mesmo”, ressalta Rosado.

Como resultado de ações e políticas públicas de mobilidade e segurança viária, a cidade de Fortaleza bateu recorde na redução das taxas de mortalidade no trânsito no primeiro semestre deste ano. De acordo com estatísticas da Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC), 121 pessoas morreram nos primeiros seis meses deste ano, representando o menor número já registrado, desde que os dados passaram a ser sistematizados, a partir de 2001. Com relação ao mesmo período do ano passado, houve uma redução de 4%.

Ainda é preciso que a sociedade se conscientize do seu papel, para junto com o poder público, construir um novo momento para a segurança no trânsito em Fortaleza
Luiz Alberto Sabóia, secretário-executivo de Conservação e Serviços Públicos

Apesar da redução da mortalidade no trânsito, o número de infrações ainda continua alto. Para o superintendente da AMC, Arcelino Lima, por meio da atualização do mecanismo do Sistema de Informações de Acidentes de Trânsito (Siat), que não era atualizado desde 2011, hoje é possível mapear os locais onde mais acontecem acidentes e traçar estratégias com base neste levantamento.

Em Fortaleza, é comum que pequenas colisões causem engarrafamentos na cidade. Hoje a cidade registra mais de 3 mil infrações diariamente. De acordo com o Artigo 178 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), para assegurar a fluidez e a segurança no trânsito, os envolvidos no acidente sem vítima devem remover os veículos imediatamente. Diante dos altos índices, o superintendente da Autarquia afirma que até o final deste ano será lançada uma nova ferramenta para otimizar a resolução desses casos.

“É importante ressaltar que a fiscalização é um instrumento efetivo de redução de mortes no trânsito. Quanto mais você fiscaliza, mais você coíbe infração e dessa forma se colabora com a redução de acidentes”, defende.

Principais infrações em Fortaleza | 2017

Além de ações de ordenação, Arcelino Lima explica que no trânsito são considerados três pilares importantes: a educação, a fiscalização e a engenharia de tráfego. Quando unidos, tais fatores interferem diretamente na convivência pacífica do espaço público.

No âmbito educacional, o superintendente da AMC reforça que as ações vêm sendo priorizadas e a cada ano têm alcançado um número maior de pessoas. Questionado sobre o alto número de multas, ele afirma que a autuação também possui o caráter pedagógico de mudar o comportamento, coibir e prevenir a prática de irregularidades.

“Exemplo disso é que o quantitativo de projetos aumentou de 173, em 2013, para 255, no ano passado, o que representa um acréscimo de 47%. Além disso, gerenciamos uma Escola de Mobilidade Urbana, que se encontra em plena atividade, recebendo 200 alunos de escolas municipais e estaduais diariamente”, afirma Arcelino Lima.

Para o futuro da cidade, a parceria entre Prefeitura de Fortaleza e a Bloomberg Philanthropies visa construir a sustentabilidade da política de segurança viária. Por meio dela, Dante Rosado acredita que todos os modais, assim como os próprios pedestres, poderão conviver em harmonia no espaço público.

“Melhorar a segurança viária é trabalho permanente, que exige engajamento não só do setor público, mas também da sociedade civil. Ainda é preciso que a sociedade se conscientize do seu papel, para junto com o poder público, construir um novo momento para a segurança no trânsito em Fortaleza. Vale ressaltar que não há solução para o trânsito em grandes cidades que não passe pelo transporte público”, finaliza.

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