Diário do Nordeste Plus

Vida de residente

Saiba como as etapas de especialização dos médicos são elaboradas e conheça um pouco mais da rotina da profissão

O termo residente teve origem em 1889, no Hospital da John's Hopkins University, Baltimore, Estados Unidos. O cirurgião William Halsted, um dos profissionais mais renomados da época, queria orientar ex-internos e ensiná-los sobre suas técnicas na hora da cirurgia, e sobre os cuidados que eles tinham que ter nos pré e pós-operatórios. Seguindo a mesma atitude que o seu colega de trabalho, William Osler, médico clínico do mesmo hospital, começou a utilizar o seu trabalho para mostrar aos jovens a prática da profissão.

Após 37 anos da residência sendo praticada sem regulamentação, a Associação Médica Americana decidiu reconhecer a atividade como uma pós-graduação obrigatória. Isso fez com que outros países adotassem o modelo americano para os hospitais. No Brasil, o exercício começou a ser executado em 1945, em São Paulo, e se consolidou no Rio de Janeiro, em 1948.

  • A primeira residência médica no mundo começou em 1889. O cirurgião William Halsted abriu espaço em sua casa para que quatro estudantes recém-formados em medicina aprendessem suas técnicas.

  • Um ano depois (1890), William Osler, especialista em medicina clínica, também teve a ideia de adotar o mesmo esquema que o seu colega e, começou a ensinar ex-internos a prática da profissão.

  • Em 1927, 37 anos depois dos primeiros casos das especializações, a residência médica se consolidou em outros hospitais. Isso fez com que a Associação Médica Americana reconhecesse a atividade como pós-graduação.

  • No Brasil, o primeiro caso de residência médica começou em 1945 no Hospital das Clínicas, com a especialização em ortopedia. Em 1948, o Hospital dos Servidores do Rio de Janeiro iniciou a RM em Cirurgia Geral, Clínica Médica, Pediatria e Ginecologia-Obstetrícia.

  • Em 1967, foi criada a Associação Nacional de Médicos Residentes (ANMR), reconhecida pela Associação Médica Brasileira e o decreto 80.281 de 5 de setembro de 1977 regulamentou a RM e criou a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM).

  • Em setembro de 1997, a residência médica foi instituída pelo Ministério da Educação (MEC) e, passou a ser reconhecida como pós-graduação.

Mesmo com a residência médica sendo praticada há muito tempo, a regulamentação veio muito tarde. O Ministério da Educação (MEC) decidiu reconhecer a orientação como uma pós-graduação importante para os recém-formados em 1997. Além do mais, ofereceu uma contribuição financeira para aqueles que ingressassem nos estudos.

As especialidades de residência mais procuradas pelos profissionais

Relação de participantes por especialidade – PSU-RESMED/CE 2017

Supervisão

Doutora Danielle Dumaresq, coordenadora geral da residência médica e supervisora da área de anestesiologia do mesmo hospital Doutora Danielle Dumaresq, coordenadora geral da residência médica e supervisora da área de anestesiologia do mesmo hospital Fotos: Thiago Gadelha

A médica Danielle Dumaresq é anestesiologista há 20 anos no Instituto Doutor José Frota (IJF).Ela também é coordenadora geral da residência médica e supervisora da área de anestesiologia do mesmo hospital. De acordo com a profissional, a residência atualmente é vista como uma pós-graduação e é essencial para que os recém-formados em medicina possam vivenciar os casos reais de pacientes que chegam aos hospitais para receber tratamento.

O ingresso do médico numa residência requer alguns fatores, como a realização do concurso da Seleção Unificada para Residência Médica do Estado do Ceará (SURCE), a escolha de uma área de especialização e a seleção do local onde quer prestar a graduação. Com relação a formação, Danielle Dumaresq fala que há uma variação de tempo para algumas áreas específicas. "O período de residência médica pode variar de dois para cinco anos. Por exemplo: clínica médica e medicina da família são 2 anos; neurologia e ortopedia e traumatologia levam 3 anos; enquanto que neurocirurgia necessita de 5 anos de treinamento", complementa.

Assim como na universidade, os médicos estudantes também verão conteúdos teóricos, como leituras de trabalhos científicos, elaboração de seminários, avaliações, discussões em grupo, entre outros. Porém, mais da metade da carga horária da residência médica é preenchida para o estudo prático, com pacientes reais. Na hora das consultas, das visitas ao ambulatório e na hora das cirurgias, os residentes são acompanhados e orientados pelos preceptores e também staffs, especializados em mostrarem todos os passos adequados para os alunos.

“Busco inspiração num pensamento de São Francisco para os trabalhos na Comunidade: comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível e de repente você estará fazendo o impossível”
Doutora Danielle Dumaresq

Por ser um período extenso e, na maioria das vezes cansativo para os médicos recém-formados, tudo pode acontecer nos anos da especialização. Segundo a doutora Dumaresq, os residentes podem começar uma especialização e na sequência desistir pela falta de motivação e também pode acontecer uma subespecialização, ou seja, médicos que concluem a cirurgia geral e depois vão para outra área mais específica, como cardiologia.

Residente de anestesiologia

Natália de Carvalho é médica formada e há dois anos presta residência em anestesiologia no IJF. Antes da sua especialização, ela já tinha tido experiência na atenção primária, acompanhando pacientes em postos de saúde e em hospitais de pequeno porte. De acordo com a profissional, a residência é como uma pós-graduação, ou seja, é nela que o médico se desvincula da universidade e se aprimora numa área específica. Nos anos de especialidade, o médico residente passa a aprender de forma teórica e prática, através de aulas e de treinamentos práticos intensivos que são desenvolvidos dentro dos centros cirúrgicos. Natália complementa que os exercícios diários que ela reproduz são diferentes com os quais ela via na Universidade. "São atividades mais complexas, ou seja, é um período de contato extenso com staffs, anestesistas formados, colegas de profissão e também com os pacientes".

A médica Natália de Carvalho está no último ano da residência de anestesiologia A médica Natália de Carvalho está no último ano da residência de anestesiologia

A rotina da profissional se inicia às 7 horas. Assim que chega no IJF, Natália já se encaminha para o centro cirúrgico. É nele que ela passa a maior parte da sua carga de trabalho. Isso porque começa a atender os pacientes que chegam ao hospital para realizarem as cirurgias eletivas. Porém, o trabalho dela não se resume em apenas aplicar um medicamento, até a dosagem final, a médica residente deve realizar alguns procedimentos, como conhecer o paciente, saber o motivo da operação e acompanhá-lo por 24 horas antes da anestesia.

O horário obrigatório para um profissional de residência médica em anestesiologia é das 7h às 17h, mas como o médico possui uma rotina que não depende dele, na maioria das vezes, eles são instruídos a ficarem até o término da cirurgia de um paciente. Além da carga horária convencional, os residentes também são escalados para atenderem em plantões noturnos. No plantão, eles atendem apenas casos de emergência que chegam ao hospital. O período noturno é pelo menos em um dia da semana e chega ser exaustivo. "Trabalhamos no nosso horário convencional, 12h por dia. Depois disto, temos que ficar mais 12h para o plantão noturno. No próximo dia, ainda temos que executar nossas atividades normais", complementa Natalia.

Passar a metade do tempo no hospital já se tornou recorrente, pelo menos para a família de Natália. Isso porque seu marido é seu colega de profissão e também presta serviços de residente no IJF. Segundo ela, a convivência entre os dois se torna mais fácil devido a compreensão dos horários de ambos. "É mais comum passarmos mais tempo juntos nos corredores do hospital do que em casa", enfatiza. Quando o assunto é a convivência com os pais e com os seus irmãos, já fica mais difícil, pois desde o período de universidade que a médica se acostumou em perder eventos familiares por conta da rotina.

"Nosso horário de saída sempre vai variar. As vezes conseguimos sair no tempo certo, às 17h, mas noutras, temos que ficar duas ou três horas a mais, acompanhando o paciente"
Natália de Carvalho, médica residente de anestesiologia

Mesmo vivendo num momento exaustivo, a médica residente enxerga a experiência como uma porta aberta para um mundo novo. "Na Universidade não temos o conhecimento aprofundado das especialidades. Conhecemos apenas uma noção inicial com aulas teórico-práticas, mas não dá para ter um conhecimento aprofundado que a residência proporciona. O início da especialização é tudo novo, torna-se muito estimulante", finaliza.

Residente de cirurgia geral

A paraibana Natália Gonçalves possui formação em medicina e atualmente cursa o seu primeiro ano de cirurgia geral no Hospital Universitário Walter Cantídio, na UFC. Para a R1, nome dado aos médicos que estão no primeiro ano da especialização, a residência é uma continuação da formação médica. Pois segundo ela, durante os seis anos de curso não há um grande estudo sobre os aperfeiçoamentos da profissão.

A médica Natália Gonçalves presta residência médica em cirurgia geral A médica Natália Gonçalves presta residência médica em cirurgia geral

A carga horária estabelecida pela comissão de residência médica fixa 60 horas semanais para qualquer tipo de área. Mas este tempo é muito mutável e pode variar para cada especialidade. De acordo com a médica Natália, o trabalho de um residente de cirurgia geral é muito dinâmico, ou seja, os profissionais se dividem em idas ao centro cirúrgico, ambulatório de pequenas cirurgias, enfermaria, entre outros setores. "A nossa rotina se resume em chegar cedo. Logo pela manhã é necessário ver todos os pacientes, visitar os leitos acompanhado do staff para que depois aconteçam os encaminhamentos dos enfermos para os centros cirúrgicos e/ou ambulatórios. No período da tarde ficamos divididos entre as duas áreas e também temos que resolver as pendências vindas da enfermaria", complementa a residente.

Com relação às escolhas das especializações, Natália fala que muitos recém-formados buscam opções de residências mais rápidas, que não exijam outros cursos no futuro. O motivo dessa seleção é o tempo. Um estudante passa seis anos numa universidade para se formar em medicina, depois da formação é necessário uma residência. Esta demora entre dois, três e até cinco anos para que o aprimoramento seja finalizado. Ou seja, quase 10 anos depois para que o aluno possa atuar no mercado de trabalho fazendo o que gosta.

"As áreas de anestesiologia e dermatologia são mais concorridas, porque só há necessidade de prestar uma residência. As demais, como Cirurgia Geral e Clínica Médica, precisam de outras especializações para aprimorar campos específicos"
Natália Gonçalves

Mesmo condicionada às exaustões físicas e mentais ocasionadas pelos plantões semanais e também pela movimentação diária no hospital, a médica residente acredita que há mais aspectos positivos do que negativos em prestar uma especialização. O ponto mais positivo, segundo ela, são os altos níveis de aprendizado. "A melhor coisa da residência é a exposição que temos sobre a aprendizagem. São dois anos muito intensos, onde vivemos no hospital diariamente. A oportunidade de operar acompanhado com staffs conhecidos no mercado faz com que os demais residentes aprendam as técnicas particulares de cada um", fala Natália Gonçalves.

Valores

Ao contrário do que muita gente pensa, um residente não apresenta nenhum vínculo profissional com um hospital, ou seja, não há carteira assinada e muito menos um salário mensal pago para os médicos. Todos os estudantes de residência do Brasil possuem direito a uma bolsa oferecida pelo Ministério da Educação (MEC) e que é repassada pelas prefeituras das cidades.

Depois de três anos, o MEC fez um reajuste de 11,9% para os residentes de medicina, enfermagem, fisioterapia, nutrição, educação física, psicologia, serviço social, biomedicina, medicina veterinária, fonoaudiologia, terapia ocupacional, ciências biológicas, farmácia, odontologia, saúde coletiva e física médica. O que anteriormente era R$ 2.976,26 passou para R$ 3.330,43.

De acordo com o Ministério da Educação, o reajuste foi estabelecido para cobrir a inflação de 2014, 6,4%. E também para incluir o percentual do aumento oferecido aos servidores públicos federais de 2016, que foi de 5,5%.

Segundo a médica residente em anestesiologia, Natália de Carvalho, o valor da bolsa é muito inferior para o custo de vida que Fortaleza proporciona. "Não é suficiente, mas é um sacrifício que o profissional precisa fazer. Antes de vir para a residência, eu passei dois anos trabalhando para ficar bem financeiramente, para que depois eu começasse minha especialização", fala a profissional.