Abandonar uma rotina estruturada, papéis bem estabelecidos, profissões tradicionais e se jogar numa jornada interior em busca da felicidade é para quem tem coragem e não teme mudanças. Pelo menos é o que pensam aqueles que deram uma guinada na vida pessoal e profissional para empacotar a frustração. E esse movimento vem ganhando cada dia mais força.
De acordo com a psicóloga Lorena Furlani, há uma necessidade própria dos seres humanos de buscar a felicidade e a completude. Muitas vezes, essa busca acontece através de mudanças. Mas, sobretudo, elas acontecem a partir de um olhar mais apurado para seu interior. É a necessidade de se encontrar que impulsiona o homem a mudar. "Para atingir a sintonia entre o que se é e a forma como se deseja viver, é muito importante buscar o autoconhecimento, refletir sobre seu propósito de vida. Mudanças radicais geralmente levam tempo para se concretizar, vive-se um processo de descobertas, de estranhamento, de enfrentamento, são decisões, tentativas e é natural sentir medo e entusiasmo ao mesmo tempo", explica Lorena.
A psicóloga alerta que o cenário ideal para mudanças é aquele em que há um forte senso de identidade com o que se busca e um planejamento factível, levando em consideração também uma flexibilidade para lidar com possíveis imprevistos. Essa característica "flex", em que o profissional pode fazer tantas coisas diferentes, ajuda a impulsionar esse desejo de mudança.
No entanto, para além das mudanças interiores, a área com maior transformação é a do universo profissional. "A literatura sobre as relações de trabalho aponta transformações como a instabilidade dos vínculos empregatícios, o aumento da competição, o surgimento de novas carreiras. Esse contexto traz o desafio de motivar pessoas que têm menor propensão a desenvolver lealdade e comprometimento. Uma busca desenfreada geralmente está ligada a um excesso de centralidade no trabalho comparativamente a outros aspectos da vida, como a família e a saúde. Manter o equilíbrio entre as áreas da vida é muito importante para um sentimento de realização. Alguém pode ser bem-sucedido em sua área de atuação e experimentar um sentimento de frustração, pois as recompensas do trabalho não preenchem todas as necessidades humanas".
Foi como uma onda forte que chega e traz a vontade de viver uma vida mais simples e tranquila que a corretora de imóveis e administradora, Giulianna Liuzzi, 28 anos, decidiu mudar a rotina. Depois de administrar uma pizzaria e se dividir entre um escritório de investimento imobiliário voltado para estrangeiros e uma academia e escola de kitesurfe no Cumbuco, compreendeu que a vida bem-sucedida não era tão boa assim para ela mesma. “Era muito nova e muito independente. Mas eu vivia uma vida muito estressante. Lidar com investimento estrangeiro era bem burocrático e tinham problemas grandes que envolviam muito dinheiro que não era meu e isso me deixava bem doida”, conta.
Depois de duas perdas gestacionais sem justificativas à época, Giulianna resolveu abandonar o estresse e tudo aquilo que acompanhava sua rotina. Em apenas um mês e meio ela fechou as empresas, entregou o apartamento em que morava em Fortaleza e alugou uma casinha em Jericoacoara. Era 2014 e a vida dela e do companheiro Tarcísio Câmara, 38 anos, mudou completamente.
"Eu era uma pessoa que tinha meu apartamento, minha faxineira, meu carro automático. Me arrumava todo dia e ia pro meu escritório no ar condicionado. Almoçava em shopping. Me arrumava de terninho. De repente eu vivia só de biquíni e havaiana, sem hora pra acordar, sem hora pra dormir. Todos os dias eram iguais. Foi muito bom por muito tempo.Eu achei que Jeri seria bom para uma coisa, mas na verdade ela foi boa pra outra. Não tive qualidade de vida, foi bem mais difícil viver lá, mas me tornou uma pessoa melhor. Revi prioridades, conceitos, descobri várias falsas necessidades que em Fortaleza eu tinha", diz ela, que hoje se descobre uma pessoa bem mais simples do que era.
Sem nenhum resquício de arrependimento, a administradora avalia que sua mudança de vida foi impulsiva. Poderia ter tido um pouco mais de preparação, sobretudo para o que poderia encontrar que não era o sonhado por ela. E nesse momento tudo foi muito diferente. "Jeri foi difícil pra mim porque eu tinha uma ideia de turista. Quando eu ia pra lá eu comia em restaurantes, passeava, ficava na casa de uma amiga, que é bem estruturada. Quando você vai morar lá você vê que não é bem assim. A logística é difícil porque tem que andar de pau de arara. Andar uma vez é ótimo, mas fazer todos os dias é cansativo. Para fazer compras é tudo mais caro. Não tem variedade de frutas, verduras. O convívio das pessoas é muito complicado porque está todo mundo de passagem e os nativos não te recebem bem sempre. É difícil achar uma casa estruturada. Eu pagava caro por uma casa bem pequena e dividia o quintal com seis casas. Os imóveis não têm contrato de aluguel e quando chega o Réveillon, independente do quanto você paga ou do que ficou combinado, eles te colocam para fora a não ser que você pague uma bela quantia. Em 10 meses eu me mudei três vezes".
Giulianna e Tarcísio perceberam que viver na praia era a decisão acertada, mas aquela não era a praia deles. Foi aí que o casal decidiu partir para um meio-termo, que desse essa tranquilidade e contato com a natureza e a vida simples, mas que possibilitasse também um pouco mais de conforto e desenvolvimento profissional. Em Jeri, ela não conseguiu trabalhar. Os empregos que apareciam era só de garçonete ou de recepcionista de hotel e ela queria um posto que fosse coerente com sua formação. Pesando tudo isso, o casal partiu para a praia de Flexeiras para construir seu pequeno palácio.
"Meu marido trabalhava em Trairi e lá tinha a praia de Flexeiras. Eu comecei a ajudá-lo na parte administrativa do consultório e um belo dia a gente falou: 'poxa, vamos tentar morar aqui'. Flexeiras é mais acessível, tem asfalto, é mais perto, tem mais estrutura, o aluguel é mais barato e era mais perto do emprego. E foi aí que a gente se encontrou. A gente veio morar aqui e foi surpreendido com uma casa maravilhosa e um preço em conta. As pessoas foram mais receptivas. Tudo começou a fluir melhor", justifica ela, que também apontou desenvolvimento profissional por lá. Tarcísio é dentista e com a ajuda da esposa passou a perceber melhor as demandas administrativas e ver crescer as possibilidades de trabalho.