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Texto: Aline Conde Publicado em 04.12.2017

O hábito do consumo desenfreado ocasionado pelas marcas fast fashion, com a ideia de que "quanto mais se tem, mais se precisa", tem esbarrado, crescentemente, nas mobilizações de pessoas e projetos que acreditam em uma moda feita para durar, que tenha origem, história, produção e destinação expostas para o consumidor. Não se trata apenas de entender que a moda causa impactos negativos diversos no meio ambiente (o que, por si só, já é uma justificativa mais que suficiente para preocupar-se), mas também de compreender que é necessário reeducar-se, para modificar os costumes que ainda nos fazem entrar num ciclo insaciável.

Questionar-se pode ser o primeiro passo para tentar encontrar formas de modificar o consumo na moda, garante a consultora de moda sustentável Chiara Gadaleta. "No dia a dia, a gente pode contribuir para a moda sustentável sendo um consumidor curioso. É pesquisar, se perguntar antes de consumir, ser um consumidor consciente. Tem algumas perguntas muito importantes que a gente tem que fazer antes de comprar. Quem fez a roupa que a gente está usando? Como foi feita? Que material? Como aquela marca está olhando a sua comunidade e a sua cadeia de valor?", enfatiza Chiara, que já foi modelo, mas que atualmente é uma das porta-vozes, no Brasil, da moda sustentável.

O relatório do Changing Markets Foundation, divulgado em julho de 2017, é um bom exemplo do quanto é importante saber que roupa estamos vestindo. Denominado de "Moda Suja", esse estudo evidenciou que a produção da viscose (tecido de fibra sintética) trouxe danos assoladores para o meio ambiente e para a saúde das pessoas que vivem na Indonésia, China e Índia. O documento destaca, ainda, que esses produtores, que são fornecedores de grandes marcas mundiais, fabricam a viscose poluindo água e produzindo gases tóxicos, prejudicando, dessa forma, a população do entorno, principalmente.

Relatório "Dirty Fashion" mostrou que a produção de viscose traz danos para o meio-ambiente

O engajamento diário dos consumidores, portanto, pode mudar a relação de consumo entre as pessoas que compram e as empresas que vendem, garante a consultora de estilo Mariella Fassanaro. "É interessante correr atrás de informações sobre a matéria-prima e o processo de produção, sobre reciclagem, reutilização, decomposição de materiais, a fim de diminuir um pouco o excesso que o planeta tem sofrido advindo do movimento fast fashion. É interessante se preocupar com a cadeia laboral que orbita em torno das marcas, questionar se trabalhadores operam em condições decentes e se há qualquer espécie de exploração. É nossa responsabilidade também como consumidores fazer parte desse movimento e mesmo fiscalizá-lo para que a sustentabilidade possa, de fato, dar seus primeiros largos passos na moda, saindo do patamar de utopia", explica a cearense.

"A moda em descompasso com o tempo"

Em 2008, Chiara Gadaleta criou o movimento Ecoera, que tem como proposta unir moda, beleza, design e gastronomia ao desenvolvimento sustentável, procurando mercados e práticas mais conscientes de impactos. A ideia surgiu quando a consultora percebeu que a moda estava em discordância com o tempo. "Eu tive a sensação que a moda, que sempre foi repórter do seu tempo, tinha entrado num descompasso com a atualidade. Se a gente pensar, nos anos 70, 80 e 90, a moda sempre foi uma fotografia muito fiel de uma época. Com a virada dos anos 2000 e com o fast fashion, a gente perdeu um pouquinho a referência de onde a gente estava. Democratizou, e por um lado foi maravilhoso, todo mundo teve acesso, mas, por outro, a gente perdeu um pouquinho a noção de espaço e de tempo. Nos anos 70, 80 e 90 se via uma foto de época e se sabia pela maquiagem, pelo cabelo, pela postura, pelas roupas, de qual país se tratava e qual época. Com a virada dos anos 2000, a gente não soube mais. E eu comecei a me inquietar", relembra Chiara.

No dia a dia, a gente pode contribuir para a moda sustentável sendo um consumidor curioso. É pesquisar, se perguntar antes de consumir, ser um consumidor consciente
Chiara Gadaleta

As alterações climáticas e os outros impactos negativos que estavam colocando o planeta em alerta máxima para a questão da sustentabilidade, fizeram a consultora perceber que a moda estava distante desses temas. "Foi aí que eu comecei a pesquisar e a mapear projetos e viajar pelo Brasil, começando a minha pesquisa que era sobre qual a moda que podia representar o nosso tempo, um tempo de sustentabilidade", relata.

Chiara Gadaleta já foi modelo e hoje é uma das porta-vozes da moda sustentável no Brasil
Foto: Arquivo pessoal

No início, quando o movimento ainda era denominado de "Ser Sustentável com Estilo", houve um mapeamento de produtos (como um tênis feito com um látex da Amazônia ou uma roupa produzida com algodão orgânico) ao redor do País e, em seguida, Chiara afirma que passaram a desenhar processos. "A gente tinha uma camisa de algodão orgânico, mas qual era o consumo de água, de energia? Qual era a relação com os colaboradores? Como que a marca tratava a sua cadeia de valor? Logo depois veio uma outra inquietação que era a marca como um todo. Foi assim que criamos o Prêmio Ecoera, em 2015, em parceria com a Vogue", afirma. A premiação homenageia, anualmente, empresas que adotam práticas sustentáveis em toda a cadeia produtiva. Recentemente, Chiara também lançou o Portal Ecoera como mais uma prática de incentivo ao consumo consciente.

Fast Fashion versus Moda Sustentável

Modelo de comercialização que abastece o mercado rapidamente, com renovação de peças de forma constante, o fast fashion tem como uma das principais características o valor dos produtos mais acessíveis para o consumidor, quando se trata de marcas mais populares. Apesar de ter possibilitado que diversas pessoas possam adquirir produtos de última tendência com valores mais em conta, a lista de desvantagem da moda rápida é bem grande. Para começar, quanto maior for o consumo, mais rápido é o descarte.

É a moda num movimento acelerado de fabricação, consumo e descarte (...) Os preços são convidativos, a rotatividade é alta, os closets passaram a ficar abarrotados, ricos e as opções passaram a ser quase infinitas
Mariella Fassanaro

“É a moda num movimento acelerado de fabricação, consumo e descarte. É uma forma de consumir que se mostrou ser irresistível e insaciável aos consumidores que dela desfrutam. Os preços são convidativos, a rotatividade é alta, os closets passaram a ficar abarrotados, ricos e as opções passaram a ser quase infinitas. As peças geralmente são usadas apenas uma ou pouquíssimas vezes, o gasto mensal individual tornou-se mais alto, porém se disfarça atrás de cada oferta de valor baixo e relativamente possível ao orçamento, o que obviamente parece imperdível”, pontua Mariella Fassanaro.

Mariella Fassanaro é consultora de estilo e defende o consumo consciente
Foto: Nanda Costa

Além de estimular o consumo desnecessário, levando, muitas vezes, ao endividamento, o fast fashion não parece se preocupar com o meio ambiente. “Estimula um hábito de consumo desenfreado e trata trabalhadores indignamente, em condições análogas à escravidão. Impacta muito negativamente social e ambientalmente, porque passamos a associar a noção de sucesso ao excesso de compras, simulando um altíssimo poder aquisitivo que nem sempre é real e sendo conduzidos sem perceber à beira de um endividamento. Também porque tratamos sem cessar o meio ambiente como fonte inesgotável ao consumir esse ideal de moda rápida, 'see now, buy now', (em português, veja e compre imediatamente), na velocidade da comunicação. É um emaranhado de consequências que acaba por virar um estilo de vida consideravelmente nocivo à sociedade”, complementa a consultora.

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No oposto dessa tendência, um movimento incentiva uma moda mais ética, que critica o consumismo em demasia e prega a reeducação no momento da compra: a slow fashion trata da sustentabilidade, sobretudo. As características desse formato são o cuidado com os processos e com as pessoas que produzem as peças, a valorização da cultura, como o artesanato local; a busca por tecidos mais naturais e a compra de peças atemporais, que não “saiam de moda” com a mudança de cada estação.

“Prioritariamente estamos falando do meio ambiente quando mencionamos sustentabilidade. Falando sobre contribuir para que o planeta se sustente, digamos assim. Consiste em práticas que poluem menos, que minimizam o impacto ambiental, que reduzem, reutilizam e reciclam, que envolvem a escolha de tecidos que agridem menos, que levam a um consumo que pensa na origem e no descarte das coisas. Uma moda feita para durar, para cuidar do mundo e para dar garantias de que haverá recursos naturais para todos a curto e longo prazo”, ressalta Mariella.

Pós-consumo na moda: Para onde vão as roupas que não queremos mais?

Com a grande produção de peças do formato fast fashion, há também um grande descarte dos produtos que, em sua maioria, já são feitos para não ter uma longevidade. Sendo assim, a destinação dessas roupas tem sido uma preocupação constante das personalidades e profissionais que defendem a moda sustentável. “Essas peças vão, infelizmente e, em sua maioria, para o lixo, para os aterros sanitários. Muitas levam anos para se decompor e liberam gases, misturas tóxicas de poluentes que aceleram o efeito estufa: dióxido de carbono e metano”, explica Mariella.

5 dicas para aproveitar roupas ao máximo

Não só o fim que a peça vai levar, mas também como ela está sento utilizada é uma questão importante. Esquecer uma roupa no fundo do guarda-roupa ou utilizar poucas vezes uma peça não é nada sustentável. Uma vez que o produto já existe, mesmo que seja fruto de uma moda fast fashion, utilizá-lo ao máximo ainda é a melhor maneira para compensar os impactos negativos que o produto já causou ao meio ambiente, no momento da produção.

O projeto "Don't Overwash" tem como objetivo incentivar maior cuidado com as roupas, lavando-as menos, para que a durabilidade seja maior

Pensando em amenizar os impactos advindos da quantidade de roupas que a indústria da moda coloca no mercado diariamente é que diversos movimentos surgem, principalmente, nas redes sociais. Um deles é o “Don´t Overwash”, que tem como objetivo incentivar o cuidado com as roupas, lavando-as menos, para que elas durem mais e tenham um maior aproveitamento. Com isso, é possível diminuir a pegada do carbono no ambiente.

Outras iniciativas também podem contribuir para o aproveitamento ao máximo das roupas. Veja dicas da consultora de estilo Mariella Fassanaro:

Praticando o desapego: novos destinos para antigas roupas

Os brechós e bazares são alternativas responsáveis para evitar que aquela roupa, que você não quer mais, vá para o lixo. Repassar a peça, seja doando ou vendendo, é um ato de amor pelo meio ambiente. “O que não corresponder às nossas demandas não precisa mais fazer parte da nossa moda pessoal. O que vai embora acaba dando espaço e visibilidade ao que ficou e gerando felicidade à vida alheia através de venda ou doação. O desapego é um movimento necessário e muito óbvio quando a pessoa se conhece e entende do que gosta e do que precisa”, enfatiza a consultora de moda e estilo, Mariella Fassanaro, revelando que ela mesma teve uma época em que possuía um “closet cheio e, ao mesmo tempo e contraditoriamente, tinha uma sensação constante de não ter nada para vestir”.

O desapego é um movimento necessário e muito óbvio quando a pessoa se conhece e entende do que gosta e do que precisa
Mariella Fassanaro, consultora de estilo

A dica da consultora é manter apenas o necessário para a vida que a pessoa tem. “Isso deve envolver e priorizar satisfação, felicidade e bem-estar. Esse é o verdadeiro 'must have' da moda: sentir-se traduzido, representado e muito bem na sua própria segunda pele, com suas roupas. Para isso, tem que ter autoconhecimento, autoaceitação e prazer no processo de ser quem se é”, afirma a consultora.

Eveline Barbosa fundou o Donatila Brechó para que seus clientes tivessem alternativa para criar estilos com exclusividade e originalidade
Foto: Helene Santos
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Foi justamente em busca de representatividade que Eveline Barbosa criou o Donatila Brechó, cuja loja fica localizada no Cambeba. “Surgiu da necessidade de empreender em algo que nos representasse, numa insatisfação diante do que o mercado da moda nos oferecia, e que acompanhasse um perfil de consumidores que buscavam alternativas para criar estilos com exclusividade e originalidade”, explica a empreendedora sobre o início do negócio, que atualmente tem mais de 5 mil peças entre roupas casuais, para festa, vintage, de inverno, acessórios e, mais recentemente, roupas masculinas.

Com preços que são, em média, R$ 49,90 (com exceção do vestido de festa, que custa R$ 149,90), Eveline ressalta os pontos fortes do brechó. “Colocamos para circular peças que estão paradas e/ou esquecidas dentro do armário. Quem escolhe comprar essa peça evita instigar o consumismo desenfreado e a produção em massa que tanto prejudica nosso meio ambiente. Dessa forma, estimulamos igualmente o desapego e o garimpo como duas contribuições para o consumo consciente e o reutilizável”, explica.

Isabella Freire organiza o bazar online Muambada
Foto: Arquivo pessoal

Outra opção para quem não tem tanto tempo de frequentar brechós, é procurar lojas online de roupas para reutilização. Essa foi a concepção de Isabella Freire, que criou o “Muambada Brechó”. “Tenho o costume de pelo menos duas vezes ao ano tirar peças que já não uso mais do guarda-roupa para doar. Uma dessas vezes resolvi separar algumas peças que eu achava que minhas amigas poderiam gostar e até comprar, então fui fazendo isso até encher uma mala com roupas para vender”, revela.

Sempre troquei peças com amigos e essa prática me fez pensar na importância da reutilização das coisas. Criamos, primeiro, um círculo de trocas de peças que passava pela consciência do consumo
Denise Costa, atriz

Assim como Eveline, ela procurar criar um fluxo de circulação das roupas, para que elas não se tornem inutilizadas. “Costumo dizer que não quero que as peças saiam do meu guarda-roupa pra ficarem paradas em outro. Sempre faço questão que a pessoa prove e compre se realmente gostar da peça”, diz Isabela, comentando que vende também roupas de outras pessoas no Muambada.

A atriz Denise Costa é a idealizadora do bazar itinerante Prettinho Básico
Foto: Arquivo pessoal
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Idealizadora do “Prettinho Básico”, a atriz Denise Costa acredita que, assim como os brechós, os bazares também promovem um consumo mais consciente. “As peças são usadas quando elas ainda mantêm qualidade e durabilidade. Ficando no guarda-roupa as pessoas acabam comprando outras e esquecendo aquelas. Indo para o bazar, essas peças vão para outras pessoas e a roupa antiga pode virá uma moeda de troca”, detalha.

Tudo começou quando Denise criou uma rede de amigos para fazer permuta. “Sempre troquei peças com amigos e essa prática me fez pensar na importância da reutilização das coisas. Criamos, primeiro, um círculo de trocas de peças que passava pela consciência do consumo. Logo atraímos mais pessoas e começamos a comercializar a preços justos", revela. O bazar acontece, principalmente, de forma itinerante, nos eventos do Cena Casarão, localizado no Centro de Fortaleza.

Seis looks a partir de uma peça

O mais legal de roupas de brechós, não é que são velhas e estão usadas (...) É saber que aquela peça foi usada por alguém que você não conhece (...), que você está tendo a chance de dar uma nova história para aquela roupa
Isabelle Diocleciano, arquiteta

Para mostrarmos aos nossos leitores como adotar práticas mais sustentáveis, o Diário do Nordeste convidou a arquiteta Isabelle Diocleciano para um desafio: montar 6 looks com uma peça base. Belle escolheu a pantacourt preta como produto chave e criou diversas possibilidades com ela, que vão desde looks mais descolados aos mais sofisticados.

Com uma rotina corrida, que a faz passar o dia fora de casa, a relação de Belle com a moda é prática. “Às vezes eu saio de casa de manhã e só volto de noite. Então, já saio com uma roupa que vai me suprir o dia inteiro. À noite eu troco só a blusa e consigo ensaiar ou fazer um exercício físico com a roupa que estou”, comenta a arquiteta, que é bailarina também.

Eu parei de classificar as minhas roupas com ‘roupa de sair, roupa de ficar em casa, roupa de academia’. Eu tenho roupa e uso em qualquer circunstância, sabe?
Isabelle Diocleciano, arquiteta

Ela afirma que não costuma separar o estilo de roupa. “Eu parei de classificar as minhas roupas com ‘roupa de sair, roupa de ficar em casa, roupa de academia’. Eu tenho roupa e uso em qualquer circunstância, sabe? E eu uso ao máximo. Um pantacourt como essa, vou me desfazer dela quando ela tiver descosturando, quando rasgar ou quando cair um negócio nela que eu nunca vou conseguir limpar, porque eu uso ela para tudo. É dar valor às peças que você tem e não as tratar como descartáveis, que não têm tantas funções. Roupa tem muita função, é você sempre passar a verdade com o que você está usando e usar de artifícios para transmitir essa verdade de várias formas diferentes e criativas”, revela Belle.

Frequentadora de brechós, Belle acredita que consegue garimpar peças ímpares nessas lojas. Um exemplo é o blazer aveludado verde (foto no ensaio) adquirido em um brechó da Capital cearense por apenas R$ 30. “O mais legal de roupas de brechós, não é que são velhas e estão usadas, não é isso. É saber que aquela peça foi usada por alguém que você não conhece, que aquilo ali carrega alguma história que você também não sabe e que você está tendo a chance de dar uma nova história para aquela roupa. Então, hoje, como eu tenho esse hábito de frequentar brechós, cuido muito bem das minhas roupas, principalmente aquelas que você sabe que não vai usar muito. Acabo vendendo minhas peças e elas estão em ótimo estado, foram usadas, mas elas estão prontas para receber uma nova pessoa e uma nova história".

Donatila Brechó e Vintage

Rua Professor Solon Farias, 1074, Cambeba | Telefone: (85) 99922.2118

Prettinho Básico Bazar Itinerante

Eventos do Cena Casarão
(Rua Floriano Peixoto, 1437, Centro | Telefone: (85) 3039.7746

Muambada | Brechó online

Chiara Gadaleta