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Publicado em 23.10.2017

A advogada Tainah Picanço vivia uma vida normal, trabalhava na empresa da família e até tinha vontade de conhecer melhor a fotografia, mas nunca pensou no possível hobby como uma profissão. Ao descobrir que estava com leucemia, em dezembro de 2011, a jovem de apenas 28 anos teve que parar tudo para se submeter ao doloroso tratamento.

Após seis meses de quimioterapia internada no hospital, ela ainda devia permanecer em casa por mais dois anos e meio, por recomendação médica. “Com um ano de tratamento eu comecei a ficar entediada”. Muito nova e muito ativa, Tainah seguiu o conselho de um amigo para fazer cursos que sempre teve vontade, mas nunca tinha tempo. “Eu fiz uma lista, quis fazer curso de yoga, culinária e fotografia”.

Em um momento difícil, Tainah Picanço transformou a fotografia em profissão FOTO: ARQUIVO PESSOAL

Ela fez o primeiro curso no começo de 2013, de fotografia para iniciantes. O interesse se multiplicou quando foi incentivada por vários colegas depois do trabalho de conclusão de curso. “Muita gente veio falar comigo achando que eu devia investir e em 2013 mesmo eu já comecei a trabalhar com fotografia”.

Tainah lembra que, apesar de ser um mercado muito difícil, não teve muita dificuldade e, depois de um tempo, chamou uma colega para dividir o trabalho. “Hoje eu tenho duas empresas que trabalham com áreas diferentes, uma de fotografia de família, que sou eu e a Luciana Lemos, minha sócia, e o projeto de mulheres mais de 30, que é com ensaio feminino”.

"Um dia eu fotografei uma menina muito bonita, alto astral e comecei a perceber que existe uma diferença na mulher depois dos 30 anos"
Tainah Picanço, fotógrafa

A ideia de criar um projeto para fotografar mulheres teve seus primórdios também em 2013, quando Tainah fotografou uma grande amiga que estava fazendo 30 anos. “A gente foi fazer um ensaio porque ela estava se sentindo plena e maravilhosa e o resultado ficou muito legal, realmente nos marcou”.

“Um dia eu fotografei uma menina muito bonita, alto astral e comecei a perceber que existe uma diferença na mulher depois dos 30 anos”. Ela pondera que a sociedade é muito cruel com a "mulher de 30", porque existe uma cobrança de que depois dessa idade a mulher precisa estar com a vida toda organizada, bem-sucedida, casada e com filhos.

“Eu tive um baque muito grande com 28 anos, de repente estava reconstruindo tudo do zero. Terminei relacionamento, estava numa profissão nova, a minha vida desmoronou 100% e eu tive que recomeçar com 29 anos”. A cobrança durante a reconstrução foi muito importante para Tainah. “Nunca na minha vida escolheria passar pelo que passei, mas, se eu tivesse que passar por tudo isso para chegar onde eu estou hoje, eu passaria. Se o meu presente foi construído por um passado difícil, isso é um detalhe, mas eu estou muito feliz e muito realizada”.

Ela explica que os ensaios também são uma forma de protesto social para outras meninas entenderem que a pressão é desnecessária. “As mulheres que eu fotografo são todas muito maravilhosas, lindas, bonitas de verdade e muitas vêm de um processo difícil, sem se sentir tão bem”. Durante a pós-produção, Tainah garante que não conserta o corpo de nenhuma cliente. “É muito legal no final do processo olhar para elas e ver uma pessoa enxergando a sua beleza, principalmente essa mulher mais de 30”.

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Hora H

A fotógrafa garante que os ensaios são do jeito que as mulheres querem. “Eu já fiz ensaio com a mulher 100% nua e também sem a cliente tirar a roupa. Isso tem a ver com a personalidade dela, não imponho absolutamente nada”. Segundo a profissional, a modelo precisa se sentir o mais confortável possível naquele momento. “É o momento dela, eu tento conversar sobre que tipo de ensaio cada cliente quer”.

A fotógrafa diz que foge do vulgar em seus ensaios FOTO: Arquivo Pessoal / Tainah Picanço

Ainda sobre o projeto, Tainah esclarece que foge do vulgar, pois esse não é o objetivo. “A proposta é o feminino, é a beleza, é a autoestima”. Nas primeiras fotos, a fotógrafa sempre sente mais dificuldade, pois ainda está se conectando com a cliente, que geralmente chega assustada, achando que não sabe ser fotografada e acaba encarando a câmera como um desafio. “Mas tem um momento que a pessoa se entrega, vê que a câmera não é um bicho”. Para quebrar o gelo, a profissional gosta de conversar durante os ensaios. “À medida que o tempo vai passando, saio do protagonismo e a cliente assume o comando. É nesse momento que a autoestima explode e fica claro que a modelo está confortável com ela mesma”.

Novos conhecimentos

A fotografia começou a fazer parte da vida de Edson Sousa e Clarissa Landim, que juntos formam o projeto "Amanhe.Ser", quando o casal resolveu adquirir sua primeira câmera. Apesar de terem comprado juntos, foi Edson quem se apossou do equipamento. “A Clarissa pagou metade, mas ela foi ver a câmera só agora, depois de cinco anos que eu comprei outra”, relembra. Ele explica que tinha o olhar sensível para fotografar, mas sentia falta de técnica. “A foto saía muito escura ou clara ou fora de foco, então fui estudar”. Foi na internet e com livros sobre fotografia que o psicólogo e sociólogo começou a aprender a mexer na câmera. Para testar seus novos conhecimentos, começou a fotografar espetáculos de dança, mas foi com a fotografia sensual, no fim do ano passado, que o artista se encontrou.

Casados, Edson Sousa atua como fotógrafo e Clarissa Landim o ajuda na pré-produção FOTOS: Saulo Roberto

“Eu sempre fui fascinado pelo design do corpo. Através do estudo da arte, vi que o corpo emana coisas que as palavras não conseguem dizer ou expressar. O corpo tem uma expressão singular”. O psicólogo revela que quis fazer algo diferente do que estava sendo feito dentro da fotografia sensual no Estado, mas um desafio dificultou bastante o começo do projeto criado por eles. “Eu lancei o Instagram antes do projeto em si e já dei de cara com muito preconceito”. Edson pontua que os homens que são fotógrafos sofrem esse tipo de preconceito, mas entende a situação. “Se eu fosse mulher também estaria muito precavida quanto a isso, porque já escutei de modelos que vieram aqui casos bem delicados, que foram convidadas e passaram por constrangimentos”.

Edson explica que contornou a adversidade quando sua esposa decidiu se juntar a ele para participar da produção. “A entrada da Clarissa foi um divisor de águas, foi quando realmente iniciou o processo. A modelo vendo um casal, e não somente um homem, fica muito mais à vontade e passa muito mais credibilidade”.

Edson, fotógrafo do projeto "Amanhe.Ser", defende que o corpo tem uma expressão singular e que emana sentimentos que as palavras não conseguem traduzir FOTO: Reprodução / Instagram

Criando um portfólio

Para criar um portfólio, ele explica que as primeiras clientes foram as amigas da esposa. “Em seguida, ela colocou o convite que a gente estava iniciando o projeto numa página só para mulheres e começou a surgir muita procura”. Com as primeiras fotos feitas, mais interessadas começaram a aparecer e o casal decidiu começar a cobrar pelo trabalho. “A gente começou bem barato, cobrando R$ 50, R$ 100 e a coisa foi ganhando forma”.

“As modelos chegavam e perguntavam sobre a maquiagem. Como Clarissa já tinha experiência na área, o marido sugeriu que ela tomasse a frente. Assim, ela começou a maquiar as modelos e a gente incluía isso dentro do pacote. A cliente pagava e só tinha que vir”. Segundo Edson, é o trabalho em sintonia do casal que consegue incorporar toda a necessidade da cliente. “A gente orienta na pré-produção, maquia, fotografa e edita a foto”.

Uma parte importante da fotografia sensual é o cenário e o casal se preocupa muito com isso. “Quando nos mudamos para cá no ano passado, a gente pensou e concebeu a decoração dessa casa para a fotografia”, comenta Edson. Ele esclarece que o resultado facilitou o processo dos ensaios porque, segundo ele, o profissional da fotografia sensual tem uma grande dificuldade de locação. “Os fotógrafos têm que pagar hotel, ou até motel, o que eu acho meio estranho, enquanto a gente tem a nossa casa”.

Edson se preocupa em evidenciar o corpo de cada pessoa de acordo com o biotipo da cliente FOTO: Reprodução / Instagram

O segredo, de acordo com o fotógrafo, é não deixar a foto caracterizada demais. “A gente usa a foto preto e branco e também tenta sempre buscar novas referências. É um estudo contínuo de ângulos, de perspectivas e de iluminação principalmente". Com as técnicas, Edson consegue mostrar o que quer ressaltar e esconde o que não quer que apareça. “Esses cortes são sempre reformulados, cada modelo que chega a gente tenta ver o biotipo dela, porque não é só pensar no que não vai aparecer, também tem que evidenciar o corpo da pessoa. Então tem que casar isso de uma forma delicada, mas esteticamente bacana”.

Com 40 modelos fotografadas, o projeto "Amanhe.Ser "é apenas para mulheres, mas Edson conta que já recebeu procura de homens. “A primeira coisa que perguntam é se fotografo homens, e eu digo que fotografo pessoa, indiferente da sexualidade”. Agora o fotógrafo está com um novo pacote, que tem como objetivo fotografar casais. “Algumas pessoas já fecharam, mas ainda não realizamos o ensaio".

Resultado final é consequência

Clarissa acredita que as clientes procuram o serviço do casal mais pela beleza do resultado final. “Quando elas chegam aqui e vivem a experiência do ensaio, percebem que vai muito além da beleza da foto”. A bancária entende que as mulheres se deparam com autoconhecimento e com a possibilidade de se expressar. “A gente pontua muito isso, que não é apenas uma foto”. Edson concorda e completa que a imagem é só consequência. “O que a gente promove é uma experiência sensorial. As pessoas pensam que é só fotografar, mas é muito além disso. Todo mundo quer ser bem tratado. Assim que a gente recebe uma mensagem no Instagram, tentamos dar atenção e responder o mais rápido possível”.

Edson entende que muitas clientes procuram o serviço do casal em um momento de fragilidade. "E a gente não pode tratar como simplesmente uma fotografia”

Como psicólogo, Edson entende que muitas clientes procuram o serviço do casal em um momento de fragilidade. “Algumas romperam um namoro, um casamento, perderam o emprego, passaram por momentos constrangedores de baixa autoestima... Elas estão em um momento frágil e a gente não pode tratar como simplesmente uma fotografia”. Com isso em mente, ele explica que sempre tenta entregar as melhores fotos que essa pessoa já fez até então. “Quando uma mulher nos procura, a primeira coisa que eu faço é olhar as fotos dela no Instagram, porque se ela tem fotos lindas, eu quero fazer melhor ainda".

Das 40 mulheres que posaram para o "Amanhe.Ser", apenas duas eram modelos profissionais. De acordo com Edson, o processo de transformação acontece antes da fotografia e já começa no tratamento, onde tentam quebrar o gelo. Como a maioria das clientes chegam muito nervosas, o profissional tenta acalmá-las de todo jeito. "Eu ofereço suco, café e até uma cerveja. Se a cliente quiser dormir uma hora, está tranquilo também”.

Durante o ensaio, Clarissa dirige a modelo enquanto Edson faz os cliques, mas nada impede que o fotógrafo interaja. "A gente não trabalha com moda, trabalhamos com a beleza”. Segundo ele, leva algum tempo para transformar uma pessoa sem experiência em uma modelo. “A cliente precisa se acostumar com a situação porque geralmente ela fica nua, que é um estado de vulnerabilidade, e para chegar nesse ponto, requer muita confiança”.

Quarenta modelos já posaram para o projeto, mas só duas mulheres eram modelos profissionais FOTO: Reprodução / Instagram / Amanhe.Ser

Influência

Edson explica que sua referência para o projeto iniciou na pornografia, mas ele trabalhou seu olhar para sair do óbvio. "Percebi que o óbvio não é tão sensual”. A esposa também traz uma contribuição essencial para o projeto. “A Clarissa traz esse olhar delicado, da mulher".

O fotógrafo ressalta ainda que tem outras influências vindas de fontes diversas, como literatura e música, e que a esposa completa o pacote com o olhar vindo da área do design. “A questão da concepção de luz e sombra vem da arte, do renascimento e do impressionismo, mas foi da fotografia boudoir que nasceu o "Amanhe.Ser”.

Resultado surpreendeu

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Celina Fontenele, de 21 anos, viu uma postagem de Clarissa em uma rede social falando sobre o projeto "Amanhe.Ser" e procurando pessoas que topassem fazer as fotos e, em um impulso, comentou que se interessava. “Achei que nem ia dar em nada e, para minha surpresa, ela me chamou”. A estudante de Direito nunca havia sido fotografada profissionalmente. “Além de muito tímida, tinha um problema de autoestima, e quando vi a publicação dela, estava justamente tentando melhorar isso”.

Celina aceitou o convite e encarou o desafio . “A Clarissa falou comigo e a gente começou a conversar pra combinar o dia e a hora, sempre muito atenciosa e me explicando como funcionava e o que eu ia precisar para o ensaio”. No dia marcado, a estudante revela que estava um pouco nervosa. “É um passo muito grande, principalmente para quem tem problema de autoestima, mas eles acolhem a gente muito bem e fazem você se sentir extremamente confortável”. Ela revela que nem percebeu exatamente quando começou o ensaio. “Quando você vê tá rindo, brincando, conversando e nem percebe que tá sendo fotografada”.

O Diário Plus acompanhou os bastidores do ensaio de Celina FOTO: Saulo Roberto
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"Você fica meio perdida e não sabe o que fazer, mas eles orientam a gente com uma naturalidade tão grande que simplesmente flui”. Ela conta que o namorado aceitou bem o ensaio, mas que as amigas fizeram críticas. A família também não fez objeções, apesar do pai ter “ficado meio assim”. Eu conversei e expliquei que era uma coisa mais artística e que tinha me feito muito bem, tinha me ajudado muito”.

Para a estudante, o resultado foi totalmente inesperado. “Quando você vê o resultado, está se vendo pelos olhos de outra pessoa. Uma coisa é alguém chegar e dizer 'você é bonita' e outra coisa é alguém te mostrar um lado seu que você não imaginava que existia”. Celina conta que o projeto teve um impacto não apenas nela, mas em pessoas próximas. “Várias amigas minhas, depois que viram as fotos, falaram que era incrível e quiseram fazer o ensaio também”.

Um presente

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A médica Neoma Mendes, 30, acompanha o trabalho do "Amanhe.Ser" desde o início do ano. A profissional da saúde conta que conheceu o casal pelas redes sociais e, depois que amadureceu a ideia, criou coragem e decidiu marcar o ensaio. Ela revela que não é modelo, mas que adora tirar fotos e a escolha de participar do projeto foi uma espécie de presente que se deu para celebrar a chegada da nova idade. “Eu fiz 30 anos esse ano e venho num processo de autoconhecimento, amadurecendo minha feminilidade, de estar bem comigo mesma, com meu corpo e minha mente,”. Nascida em Belo Horizonte, ela se formou na cidade natal, mas quando conseguiu uma vaga como médica de família se mudou para Jericoacoara.

“A experiência foi maravilhosa”, revela. Para a médica, perceber o olhar delicado em relação à mulher e ao corpo feminino foi um diferencial na escolha do casal. Ela ainda pontua que a decisão de tirar as peças de roupa foi totalmente dela. “Isso foi acontecendo durante o ensaio, à medida que eu fui me sentindo à vontade, fui retirando e fazendo as poses”. Neoma recorda que houve respeito durante todo o ensaio e que foi muito bem direcionada ao longo das fotos. “No final das contas foi lindo. As fotos ficaram lindas e o Edson teve um olhar muito legal”.

Sociedade impõe exigências

O sociólogo e mestre em Psicologia pela Universidade de Fortaleza (Unifor) Emanuel Ramos explica que a autoestima é a capacidade do sujeito de se valorizar. “É um processo complexo de autoconhecimento, de saber seus pontos altos e baixos”. Ele explica que para a mulher é algo bem mais elaborado, já que a sociedade impõe mais exigências sobre elas. “Ela tem que ser esposa, mãe, bem-sucedida, feminina, ter hábitos saudáveis, além de estar dentro dos padrões de beleza exigidos”. Ele pontua que os autores da área chamam esse momento de “a era da sobrecarga para a mulher”, porque sai a figura da Amélia e entra a da Mulher Maravilha, que deve conciliar tudo.

"Eu conversei com algumas mulheres que fizeram o ensaio e essa questão da surpresa delas com o trabalho final é surpreendente. Elas dizem que não sabiam que eram tão bonitas"
Emanuel Ramos, psicólogo

“Nós vivemos em um momento em que a mulher é muito cobrada culturalmente acerca da beleza e isso muitas vezes é um fator gerador de culpa”. Ele esclarece que não conseguir alcançar o padrão de beleza imposto pela sociedade gera uma intensa insatisfação e isso tem um desdobramento na autoestima. “Se ela não se enquadra nesse padrão vai gerar um processo baixa autoestima e isso pode desencadear uma série de outros transtornos, como anorexia ou bulimia”. Emanuel pontua que os transtornos ligados a questões de não aceitação do corpo podem levar ainda a quadros depressivos.

Para ajudar, o professor universitário do Instituto Dom José (IDJ) afirma que é importante saber a origem da baixa autoestima. “Às vezes não é só a questão dessa cultura física do corpo, já que nós vivemos em um momento de crise”. Segundo ele, o desemprego também é uma questão séria que provoca estigmas. “O sujeito na sociedade capitalista só é visto se ele tiver poder de consumo”. Independente da origem do problema, o diálogo em todas as instâncias é valido.

Emanuel garante que ensaios que exaltam a beleza da mulher, como o projeto "Amanhe.Ser" e o da fotógrafa Tainah Picanço, de fato fazem bem. “Eu conversei com algumas mulheres que fizeram o ensaio e essa questão da surpresa delas com o trabalho final é surpreendente. Elas dizem que não sabiam que eram tão bonitas, ou que não imaginavam que pudessem ser tão sensuais".