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Publicado em 04.09.2017

"Nunca é tarde para voltar a estudar". Quem já ouviu essa frase relaciona, na maioria das vezes, aos casos de pessoas que resolveram voltar aos bancos da faculdade seja para a realização pessoal ou mesmo profissional.

A impossibilidade de cursar uma faculdade fez muita gente optar prioritariamente pela família ou por aquele emprego garantido. Apesar disso, retornar aos estudos é também uma alternativa em período de crise econômica no Brasil. Alia-se a isso o tão sonhado diploma universitário. Afinal ainda há muita gente que deseja o documento.

No Ceará, em 2015, foram mais de 19 mil matrículas realizadas por pessoas acima dos 40 anos, crescimento de mais de 10% em relação a 2014

De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao Ministério da Educação, 732 mil matrículas nos cursos de Graduação Presenciais e a Distância foram realizadas por pessoas acima de 40 anos, no Brasil, em 2015.

O número representa um aumento de 2,11% em relação ao ano de 2014, quando, no País, mais de 716 mil matrículas foram feitas nessa mesma faixa etária.

Número de matrículas por idade nos cursos de graduação presencial e à distância no Ceará

No Ceará, o crescimento do número de matrículas de estudantes com idade acima de 40 anos é ainda mais expressivo. Conforme o Inep, em 2015, foram mais de 19 mil matrículas de pessoas acima dos 40 anos, enquanto que em 2014, foram pouco mais de 17 mil. Conforme informou o Instituto, os dados mais atualizados são referentes a 2015, uma vez que as informações de 2016 ainda serão atualizadas este ano.

O retorno à faculdade

A coach e consultora de RH, Bernadete Pupo, afirma que há diversos motivos que levam as pessoas a decidirem pelo retorno às faculdades. "Muitas pessoas retornam para realização de um sonho. Profissionais também procuram um curso voltado para a área onde já atuam, para reforço teórico e aquisição de um diploma para conquistar um aumento salarial ou mesmo promoção".

Vários setores da atividade econômica estão cedendo espaços aos mais experientes, como aviação e telemarketing

Ela reitera que muitos profissionais perceberam que uma carreira não é mais formada pelo tempo de serviço e sim pelo acesso às informações.

"A idade do profissional no mundo corporativo está muito mais atrelada ao seu modo de ser e às maneiras como age. O estudo da empregabilidade ressalta e valoriza os profissionais, que independe da idade cronológica, e que possa agregar valor através da renovação de conhecimentos e de comportamentos ágeis e flexíveis. Nesse sentido, a carreira acadêmica é um caminho para os profissionais mais experientes que pretendem incrementar a empregabilidade", completa.

Bernadete Pupo afirma que integração dos mais velhos com os mais jovens em sala de aula tem melhorado com os anos. Foto: Arquivo pessoal

Ao retornar ao ambiente universitário, muitos estudantes acima de 40 anos se deparam com algumas dificuldades, sejam elas relacionadas à falta de tempo, integração com os mais jovens e até mesmo acesso à tecnologia.

No entanto a consultora de RH diz que a integração tem se tornado, cada vez mais, um ponto a favor dessas pessoas. "Como sou professora universitária, convivo diariamente com essa realidade. Aliás, certa ocasião a universidade onde eu atuava, ofereceu desconto especial para alunos acima de 40 anos. Diria que foi um sucesso e na sala de aula havia mescla entre os jovens com os mais experientes. Observava forte interação entre eles e em alguns momentos, os jovens auxiliavam os mais experientes e ora os mais experientes ajudavam os mais jovens".

De acordo com Bernadete, a adaptação ao ambiente universitário requer um certo tempo de maturação. Ela também observa que o nível de comprometimento dos mais experientes é mais evidente. "São pessoas mais envolvidas, comprometidas, presentes, participativas e levam muito a sério a proposta de aprendizado".

Segunda fase

Após o período de volta à faculdade, chega a hora de se reinserir no mercado de trabalho. Conforme Pupo, quando a empresa precisa de talentos com potencial ela recorre aos programas de trainee. Entretanto, se o cargo requer disseminação de valores e conhecimentos mais específicos, a empresa contrata pessoas mais experientes.

"Vários são os segmentos que estão cedendo espaço aos mais experientes. A aviação é um dos segmentos que passou a contratar profissionais mais experientes. Não são mais somente as jovens bonitas que conseguem emprego, mas especialmente as pessoas mais maduras e dinâmicas o suficiente para lidar com pessoas, que também estão conquistando essa oportunidade".

Segundo ela, muitos jovens enfrentam problemas pelas ausências constantes de suas bases. "Já o mais experiente, geralmente com a sua vida estabilizada, tem mais disponibilidade para ficar mais tempo fora de casa. Algumas operadoras de telemarketing estão adotando essa estratégia, visto a grande dificuldade em encontrar profissionais disponíveis e comprometidos".

"Por conviver constantemente com esse público, e ver o quão é gratificante a superação de desafios, diria que nunca é tarde para estudar", reforça a consultora de RH.

Inquietude e sonhos

O gosto pelos estudos e a procura por conhecimento são de certa forma os caminhos encontrados por pessoas que não pararam de estudar. Gorete Oliveira, 56 anos, é uma delas. Formada em Letras na Universidade Estadual do Ceará (Uece), com especialização, mestrado e doutorado em Arte pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ela optou por continuar a busca por mais conhecimentos e decidiu entrar para o curso de Rádio e TV. Para Gorete, essa inquietude é da pessoa.

"Eu sempre fui inquieta em relação ao conhecimento. Sempre fui curiosa, eu gosto de aprender coisas novas. Resolvi estudar isso porque eu acho bacana, é comunicação e tem um diálogo com a minha faculdade de Letras. Estou inquieta, sou movida a movimento, gosto de me renovar".

Estudar faz parte da vida de Gorete. Com apoio da família, ela seguiu os estudos e ainda tem muitos projetos pela frente FOTO: Kid Júnior

Ela conta que tinha certeza que na faculdade ia encontrar sangue novo em pessoas jovens. Depois de anos sendo professora do curso de Teatro do Instituto Federal de Educação Tecnológica do Ceará (IFCE), Gorete acreditava que ficar em casa "congelando conhecimento" não ia fazê-la completa.

A estudante de Rádio e TV queria encontrar sangue novo na faculdade para poder compartilhar conhecimento

"Eu gosto de fazer novas amizades, sou livre e ativa no meio das pessoas. Se eu ficasse em casa eu ia conviver somente com a minha família", observa.

Sempre disposta a abrir novos caminhos, a professora aposentada diz que a família a apoiou. "Minha filha inclusive já terminou a segunda graduação. Acho que isso é de família, de não conseguir ficar parada".

Gorete é firme ao dizer que não se entende sem estudar. "Mesmo durante o tempo que eu fui professora por 29 anos, mesmo neste tempo eu não deixei de estudar". Questão de escolhas ou não, de preferências ou não, a estudante acredita que não parar de estudar é uma filosofia de vida. "Uma questão de índole".

Aplaudida pelos ex-alunos ao anunciar que voltaria à academia, Gorete discorda que a idade deva ser escondida. "Não muda nada não dizer a idade". A estudante, do 5º semestre, se diz entrosada na faculdade e reconhece que cada passo tem que ser dado de acordo com o tempo.

"Eu sou inquieta, mas eu não atropelo os caminhos. Termino uma coisa para começar outra. Eu ainda não fiz um estágio, mas estou pensando no próximo semestre me matricular na disciplina de estágio".

'A vida depende de conhecimento'

Aproveitar o tempo enquanto a juventude não passa. Este é um dos conselhos que o jornalista Alzir França, 69 anos, dá aos desavisados. Formado primeiramente em Economia, Alzir voltou à faculdade e se formou em Jornalismo. "Vivemos em um mundo cada vez mais evoluído. A vida depende de conhecimento. Então eu resolvi me formar em outro curso porque sempre desejei fazer Jornalismo. Aproveitei a oportunidade e fiz".

A formatura de Alzir em Jornalismo aconteceu há pouco tempo. Ele já quer fazer outra faculdade, dessa vez Direito FOTO: Arquivo Pessoal

Contrariando um pouco a vontade dos filhos, que disseram que o pai já estava cansado, Alzir foi adiante e conta feliz que a oportunidade foi bem aproveitada. "Foi uma escola para mim. Eu sempre dizia que seria bom e foi. O 'cara' idoso é mais experiente, mas os jovens de hoje são mais sagazes. Eu aprendi demais. Ficava na aula muitas vezes observando a 'sacada' das pessoas", diz.

Alzir afirma que já foi empresário por muitos anos e que resolveu parar um pouco com essa correria do trabalho. Dessa forma pôde voltar a estudar e ficar em contato constante com os mais jovens e com o conhecimento, que ele diz que é uma das coisas mais importantes para ele.

"Eu queria aprender tudo. Tenho até o pensamento de fazer outro curso futuramente, talvez Direito, quem sabe. Quero ser advogado agora. Eu tenho coragem de enfrentar outro curso", finaliza.