Texto: Jacqueline Nóbrega Publicado em 26.06.2017

Se tem um período da vida que deixa saudades é a época de colégio. Em solo fortalezense, algumas escolas tradicionais até já deixaram de existir, mas o sentimento de saudosismo entre seus ex-alunos é presente até os dias atuais. Relembre a história de cada uma!

Colégio Cearense do Sagrado Coração

Três anos depois de sua fundação, o Colégio Cearense do Sagrado Coração mudou de nome para Marista Cearense. O colégio fechou as portas em dezembro de 2007 FOTO: ARQUIVO NIREZ

O Colégio Cearense do Sagrado Coração foi fundado pelos padres Missael Gomes, José Quinderé e Climério Chaves em 1913. No entanto, a administração da escola, três anos depois, foi repassada para os Irmãos Maristas, movimento que surgiu na França em 1817, pelo então padre Marcelino Champagnat e trazido ao Brasil em 1897.

O colégio era referência na cidade, não só pelo ensino, como também pela prática de esportes. Desde seu início, os Maristas incluíram na grade curricular atividades lúdicas. A escola, já com o nome Colégio Marista Cearense, fechou as portas em 31 de dezembro 2007. Ela funcionava na Avenida Duque de Caxias, no Centro da cidade.

Maya diz que foi difícil se adaptar ao clima cearense, mas um de seus programar preferidos é tomar banho de mar Foto: Arquivo pessoal
Em fevereiro de 2017, o prédio do Colégio Cearense foi tombado e se tornou patrimônio histórico e cultural do Ceará Foto: Lucas de Menezes

O anúncio foi feito pelo mesmo irmão que dirigiu a instituição nos tempos áureos, Ailton Arruda, por meio de um comunicado da União Norte Brasileira de Educação (Umbec). "O Marista não resistiu ao tempo, como a própria nota de sua direção expõe, nem a concorrência que transformou o setor educacional em uma das áreas de negócios mais rentáveis do Ceará e do Brasil", dizia a nota.

Na década de 80, o Colégio Marista Cearense chegou a ficar pequeno para comportar tantos alunos: eram 4.500 divididos em três turnos. Em 2007, quando fechou, no entanto, apenas 549 alunos estavam matriculados no turno da manhã, de acordo com matéria do Diário do Nordeste da época. A redução no número de educandos e o fechamento de outras escolas católicas em Fortaleza já sinalizavam o possível fechamento do Marista.

No mesmo endereço, funcionou durante anos a Faculdade Católica do Ceará. Em 2013, no entanto, depois de 10 anos, a instituição também fechou. O anúncio foi feito em outubro daquele ano. A faculdade não foi a primeira dirigida pelos Irmãos Maristas, já que de 1947 a 1966 funcionou no mesmo prédio a Faculdade Católica de Filosofia.

O centenário prédio que abrigou durante 90 anos o colégio ganhou registro de tombamento definitivo, no âmbito estadual. A decisão foi aprovada no dia 15 de fevereiro deste ano durante reunião do Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio (Coepa). Dessa maneira, a edificação passa a constituir bem cultural do Estado do Ceará ao figurar no livro de tombo histórico e etnográfico, conforme determinação da Lei do Patrimônio Cultural.

Colégio Estadual Liceu do Ceará

O Liceu é considerada uma das escolas mais tradicionais de Fortaleza. Cearenses como o historiador Raimundo Girão estudaram no estabelecimento FOTO: ARQUIVO NIREZ

De acordo com o livro "O Liceu do Ceará em Cem Anos", do autor Hugo Vitor, a escola é a 4ª mais antiga do País, fundada no ano de 1843. A instituição foi criada pelo Marechal Dr. José Maria da Silva Bitencourt, que era "engenheiro militar e foi o 13º presidente do Ceará e Comandante das Armas", de acordo com dissertação de mestrado "Moda e os uniformes escolares: aspectos históricos do fardamento escolar no Ceará", de Eveline Maria de Azevedo Silveira.

O primeiro diretor da escola foi o padre Dr. Thomaz Pompeu de Souza Brasil. Já o primeiro prédio do Liceu foi inaugurado em 1894, no Centro de Fortaleza, e lá permaneceu até 1937, quando se mudou para o seu atual endereço, na Rua Liberato Barroso, no bairro Jacarecanga.

Antes de se fixar neste endereço, no entanto, a escola passou por diversos prédios públicos e particulares, inclusive a Santa Casa e o antigo Quartel da Força Policial.

O prédio do Liceu do Ceará atualmente recebe estudantes da rede pública do Estado Foto: Guatavo Pellizzon

O Liceu é considerada uma das escolas mais tradicionais de Fortaleza. Cearenses como Raimundo Girão, historiador e jornalista; Rodolfo Teófilo; médico e escritor; César Cals, ex-governador, Clóvis Beviláqua, jurista e professor e Barão de Studart, historiador, estudaram no estabelecimento.

Para conseguir ingressar no Liceu, os jovens necessitavam passar por rigoroso teste de admissão, porém a prova era democrática, pois era comum encontrar estudantes liceístas de várias classes sociais.

"No Liceu havia muitos estudantes vindos do Interior, com poucos recursos, mas com muita vontade de vencer. Alunos que residiam com parentes ou na Casa do Estudante e que concluíam o curso com enorme sacrifício. Muitos trabalhavam, eram balconistas de lojas, empregados de escritórios, do Exército, da Aeronáutica. Outros, como eu, eram o que se conhece como estudantes profissionais, aqueles que viviam para estudar. Nesse ponto, fui privilegiado. Mas tanto eu como os outros temos um ponto a nos unir: o orgulho com que usávamos a tradicional farda cáqui do Liceu e as lembranças que guardaremos dessa instituição exemplar de ensino", disse Lúcio Alcântara no livro "O Liceu do meu tempo: 160 anos de história".

Praça Gustavo Barroso
O colégio fica em frente a praça Gustavo Barroso, escritor cearense e ex-presidente da Academia Cearense de Letras, mas é mais conhecida como Praça do Liceu Foto: Kika Silva

Foi no ano de 1947 que o governador estadual, o desembargador Faustino de Albuquerque, decidiu que apenas os homens poderiam frequentar o Liceu. Várias garotas, então, passaram a estudar na Escola Normal Justiniano de Serpa.

"Quando ingressei no Liceu, em 1947, mulheres não podiam mais frequentá-lo. Alguns anos antes, recordo-me, ambos os sexos sentavam-se em bancos escolares, conjuntamente, sem o menor problema. Mas em 1950, ressurgiu o Liceu Feminino. Não no meu prédio. Colocaram as nossas colegas no prédio da antiga Escola Normal, hoje Colégio Justiniano de Serpa. Não perdíamos oportunidades de lá comparecer", conta Auriberto Cavalcante, autor do livro "O Liceu do Meu Tempo Volume II".

Colégio da Imaculada Conceição

O Imaculada Conceição foi criado com o intuito de abrigar órfãs. Hoje é um dos colégios situado no Centro de Fortaleza Foto: Guatavo Pellizzon

O Colégio da Imaculada Conceição foi fundado em 1865 com a finalidade de abrigar e educar meninas órfãs que, além da educação, deveriam aprender outras atividades úteis. A princípio, foi instalado na Rua Formosa, número 28 e 30, mas com a grande demanda teve que mudar de endereço. Em 1867, passou a funcionar na Avenida Santos Dumont, número 55, no Centro de Fortaleza, onde está até os dias atuais.

As primeiras Irmãs de Caridade do Colégio da Imaculada Conceição eram francesas e constituíam todo o corpo docente e administrativo do estabelecimento de ensino.

A primeira diretora foi a francesa Irmã Bazet, sucedida pelas Irmãs Gagné, Henriot e Mahieu, que, durante mais de cinquenta anos estiveram à frente do colégio.

As primeiras irmãs que dirigiram o colégio eram francesas Foto: Patrícia Araújo

Colégio Militar de Fortaleza

No início, o Colégio Militar de Fortaleza só aceitava alunos homens. Em fevereiro de 1989, a escola passou a receber mulheres FOTO: Comunicação CMF

Localizado na Avenida Santos Dumont, o Colégio Militar de Fortaleza (CMF) chama atenção por sua imponência. A forma de ingresso no colégio atualmente é através de concurso, além de abrigar filhos de militares, no entanto, a história da Casa de Eudoro Corrêa começou muitos anos atrás.

O Colégio Militar de Fortaleza foi fundado em 17 de novembro de 1961. Somente anos depois, em 1989, mais precisamente no dia 23 de fevereiro, o CMF passou a receber alunas mulheres. Ao todo, 24 moças passaram a representar menos de 5% do efetivo discente da instituição, na época. Sete anos depois, após cumprir todo o período letivo do CMF, uma das alunas dessa turma, tornou-se a primeira coronel-aluno ao conquistar o 1° lugar do 3° ano. Ládia Mara Duarte Chaves foi a primeira mulher a comandar o Batalhão Escolar, como é chamado o corpo discente, nas solenidades e formaturas.

As raízes históricas do estabelecimento datam de 1º de fevereiro de 1889, quando no mesmo endereço foi criada a Escola Militar do Ceará, de acordo com informações do setor de Comunicação Social do colégio. Entre os anos de 1911 e 1917, o atual endereço do CMF foi sede da Força Pública do Estado do Ceará (Polícia Militar) e, até 1919, o 9° Regimento de Artilharia Montada ocupou o local, segundo relato do livro-reportagem "Para sempre, custe o que custar: Memórias da Casa de Eudoro Corrêa", de Juscelino Filho.

Em 1919, foi criado o Colégio Militar do Ceará (CMC). Nesse período, destaque para o General de Divisão Eudoro Corrêa, que exerceu o comando da escola por mais de treze anos (de 1923 a 1936) e foi o responsável pelas modificações mais significativas do espaço físico da instituição, como uma ala para 200 alunos, um almoxarifado geral, uma barbearia, além de rouparias e um depósito de armamento, ainda segundo o livro-reportagem. É por isso que o Colégio Militar de Fortaleza é conhecido como Casa de Eudoro Corrêa. O CMC foi extinto em 1938. Durante o período de extinção, funcionou ainda no prédio o Colégio Floriano, uma escola civil mantida pelo Governo Federal.

Em 1942, retorna ao Ceará o ensino militar com a criação da Escola Preparatória de Cadetes de Fortaleza (EPF). A escola durou quase 20 anos, até o surgimento do Colégio Militar de Fortaleza.

Dorotéias

Fachada do Colégio Dorotéias, na Av. Visconde do Rio Branco, anterior à década de 40 Foto: Reprodução / Facebook

O Colégio de Nossa Senhora do Sagrado Coração das irmãs Dorotéias foi criado em 1915. O prédio possuía linhas arquitetônicas do estilo eclético, surgido na França, ainda na metade do século XIX e era dirigido pelas irmãs de Santa Dorotéia.

No início, apenas mulheres poderiam ser alunas da escola, que era tradicional entre as famílias de classe média, no entanto, depois o estabelecimento foi transformado em escola mista. Após uma crise financeira, fechou as portas em 2005. Antes, durante a década de 90, chegou a ser local de uma das sedes do grupo educacional particular Geo Studio.

Pela história que representa para a cidade e por sua arquitetura da fachada preservada, em 2008, de acordo com matéria do Diário do Nordeste publicada no mesmo ano, o prédio da escola foi tombado pelo Conselho de Patrimônio Histórico-Cultural (Comphic). A decisão é um alívio para quem temia que a ex- escola permanecesse somente na memória dos ex-alunos.

O prédio do Colégio Dorotéias foi comprado pelo grupo universitário, com sede em Recife, Maurício de Nassau. A unidade em Fortaleza, localizada na Avenida Visconde do Rio Branco, recebeu o nome da tradicional escola em forma de homenagem. No espaço, agora existem mais de 70 salas, 21 laboratórios, além de estacionamento para 100 veículos.

Igreja do Colégio de Nossa Senhora do Sagrado Coração das Irmãs Dorotéias
Após a compra do prédio por um grupo universitário, na Igreja do Dorotéias funciona a biblioteca da faculdade Foto: Marília Camelo

Apesar de todas as mudanças que a instituição passou durante os anos, as lembranças dos ex-alunos ainda existem com saudosismo. Teresa Frota chegou ao colégio na década de 60, no ginásio, e ficou até concluir o normal (atual ensino médio). Ela, que é natural de Crateús, interior do Ceará, contou que seus pais queriam que ela estudasse na mesma escola que toda sua família estudou, por isso se mudou para Fortaleza, onde foi interna durante anos no Dorotéias. "Foi uma época maravilhosa da minha vida. O colégio, apesar de ser conservador, era confortável, muito limpo e nos oferecia algumas modalidades de esportes, música e a religião católica. As irmãs, apesar de terem regras firmes, nos transmitiam segurança, ética, cidadania... Claro que só agora reconheço".

Anos depois, apesar de residir atualmente em Brasília, reencontrou as amigas da época e hoje todas mantêm contato através do aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp. As que moram em Fortaleza, marcam encontros anualmente. Em 2016, as amigas se reuniram para celebrar 50 anos que terminaram o ginásio. "É maravilhoso meu reencontro com minhas colegas externas e internas, elas são minha doce lembrança. Das mestras, lembro de todas. Infelizmente, devido à idade, muitas já nos deixaram".

“O colégio ocupa espaço importante na minha memória afetiva. Até hoje quando venho a Fortaleza, saindo do aeroporto, faço questão de passar em frente a ele”, Isabel Lustosa, ex-aluna do Dorotéias

"São muitas histórias daquela época. Os passeios, em especial um para Sobral, patrocinado pelo pai da colega Ana Carmem. Nós dançamos, namoramos, as refeições foram maravilhosas", relembra ainda Teresa Frota. "Para a minha pessoa, que fui professora e advogada (atualmente aposentada), aprendi a ser amiga, ética e gostar de obedecer no Dorotéias".

Isabel Lustosa é outra ex-aluna saudosa do Colégio Dorotéias. Ela estudou no estabelecimento do jardim de infância até quarta série do ginásio, quando o local ainda era exclusivamente feminino.

"O colégio ocupa espaço importante na minha memória afetiva. Até hoje quando venho a Fortaleza (ela mora atualmente no Rio de Janeiro), saindo do aeroporto, faço questão de passar em frente a ele". As memórias dos tempos de Dorotéias, inclusive, viraram tema de uma coluna que escreveu em 2015 para Diário do Nordeste:

"Madre Torrinha, muito baixinha e que nos ensinava religião com todos aqueles elementos assustadores sobre o risco que havia em se morder a hóstia consagrada durante a comunhão. O padre que estacionava o carro no pátio do recreio e o vestia com uma roupa especial para evitar que alguém riscasse. Da vez em que todas as saias foram medidas para ver se estavam acima do que determinava o padrão e as que não estavam tinham o abanhado desfeito com a pessoa voltando para casa assim".

Justiniano de Serpa

O prédio do Justiano de Serpa abrigou, no início do século XX, a Escola Normal do Ceará que formava professoras do ensino primário Foto: Agência Diário

A criação da primeira Escola Normal no Brasil aconteceu em 1835, em Niterói, no Rio de Janeiro. No Ceará, a intenção de construir uma escola que formasse professores nasceu no governo de José Martiniano Pereira de Alencar, em 1837. Porém, a efetiva criação da Escola Normal do Ceará ocorreu cerca de 50 anos depois, em 1884, no governo do doutor Sátiro de Oliveira Dias. O objetivo do estabelecimento era formar moças para ingressar no magistério do ensino primário, ou seja, formar professoras, de acordo com a dissertação de mestrado "Moda e os uniformes escolares: Aspectos históricos do fardamento escolar no Ceará", de Eveline Maria de Azevedo Silveira.

Desde sua criação até o início do século XX, a organização curricular do curso passou por modificações. No início, os alunos aprendiam sobre matemática, geografia, história, pedagogia e ginástica. Em 1918, outras disciplinas como datilografia, estenografia, ginástica sueca foram incorporadas à grade, mas a experiência não deu certo.

O professor Lourenço Filho também foi chamado para organizar o ensino do estabelecimento. O profissional era conhecido por valorizar o ensino experimental, a participação dos alunos, combater a memorização e os dogmatismos arcaicos.

Pátio Interno
O professor Lourenço Filho foi chamado para organizar o ensino da escola Foto: Francisco de Souza

A Escola Normal do Ceará teve de passar por algumas mudanças de endereço. Ocupou importantes prédios históricos da cidade de Fortaleza, como por exemplo, o atual prédio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), no Centro, o prédio da Escola Fênix Caixeiral e a sede do atual Colégio Justiniano de Serpa, inaugurada em 1923, local sede da Escola Normal até 1958. Depois desse período, o estabelecimento foi transferido para o Bairro de Fátima.

Ainda segundo a dissertação de mestrado de Eveline Silveira, depois de 1958, as alunas normalistas que faziam o ginasial, que equivale na atualidade do 6º ao 9º anos escolar, no prédio da Escola Normal Justiniano de Serpa, e que desejassem seguir o curso normal e se tornarem professoras de primeiras letras, precisariam se deslocar para o prédio do Instituto de Educação do Ceará, localizado no Bairro de Fátima. As garotas, mesmo cursando o ginasial na Escola Normal Justiniano de Serpa, que optassem por cursar o científico, ou ensino médio atualmente, continuavam estudando no mesmo prédio. Naquela época quem cursava o científico tinha intenção de ingressar em algum curso da universidade.