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Texto: Jacqueline Nóbrega Publicado em

Dançarinos profissionais optam por se deslocarem de suas cidades de nascença no Brasil para viver da profissão em outros países, ou até mesmo para participarem de competições ou darem aula. Apesar de não existir oficialmente um órgão que contabilize o número de brasileiros que vivem da dança no exterior (o que existe é um mapeamento da dança que traz o diagnóstico da área em oito capitais de cinco regiões do Brasil, incluindo Fortaleza), basta uma conversa com pessoas do meio para perceber que são muitos os que tomam essa decisão, independente do estilo que dançam. Ernesto Gadelha é um exemplo. Ele começou a dançar em 1984 e, desde então, morou em lugares como Campinas, São Paulo, Alemanha e Holanda, onde trabalhou como bailarino profissional.

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Ele retornou para Fortaleza em 1998, onde mora desde então. Recentemente fez o curso de Licenciatura em Dança na Universidade Federal do Ceará (UFC), já que sua formação na Alemanha não era reconhecida no Brasil. "A gente conta nos dedos as companhias oficiais de dança subvencionadas pelos estados brasileiros regularmente. Tem o Balé Teatro Guaíra, do Paraná, a São Paulo Companhia de Dança, o Balé da Cidade de São Paulo, o Ballet do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, que, aliás, os bailarinos estão em uma situação precária. Também tem a Cia. de Dança Palácio das Artes, em Belo Horizonte, e o Balé Teatro Castro Alves, em Salvador. Basicamente é isso, além de uma ou outra companhia menor, subvencionadas por cidades. Imagina o contingente de pessoas procurando trabalho no Brasil em dança, pois hoje é exceção bailarinos que vivam exclusivamente de dançar. A maioria das pessoas tem outros trabalhos, como professores, que é o mais recorrente. As pessoas que querem dançar têm que ir para onde tem trabalho. Isso é um problema porque elas acabam indo embora de seus contextos de origem em busca de trabalho".

O diretor artístico da Bienal Internacional de Dança do Ceará ainda reforça que não só a dança, mas as artes em geral são mais valorizadas em outros países. "Quando a gente fala outros países, não são muitos. São países que têm uma situação econômica melhor e que valorizam mais a produção artística. Temos alguns exemplos na Europa, por exemplo, de modelos de financiamento. A França é um caso, eu diria, singular, pela quantidade que o país injeta no financiamento da dança e das artes em geral. Por exemplo, existe um estatuto profissional batizado de intermitente, que é uma lei que permite que as pessoas, em seus momentos de desemprego, se elas tiverem cumprido uma carga horária definida pelo governo, recebam uma espécie de 'salário-desemprego'. Esse estatuto é feito para pessoas ligadas às artes cênicas, televisão, cinema. Então isso permite que bailarinos, atores, etc, possam se manter mesmo em períodos sem trabalho. A Alemanha também tem oportunidades, no entanto a concorrência aumentou com o fim da antiga União Soviética. Muitos bailarinos do leste europeu foram pra Alemanha, por isso o nível técnico lá é altíssimo. O Brasil também passou a produzir bailarinos muito mais competitivos, as escolas melhoraram, então eles continuam saindo em busca de trabalho, pois têm urgência, já que a carreira não permite que você passe cinco anos esperando por uma oportunidade. O bailarino precisa estar ativo para se manter na 'disputa' por postos de trabalho".

O Canadá também é citado por Ernesto como uma país que valoriza a dança. "Lá tem um financiamento mais híbrido, com parte do governo e parte da sociedade civil, além de um campo de trabalho muito grande. A cena canadense é muito interessante. É um país grande, com uma produção bem diversificada e não centralizada, embora você vá encontrar muitas companhias em Toronto, Vancouver e Montreal. O cenário, então, é esse: tem países que têm mais dinheiro e uma política de valorização das artes de uma forma geral, e a dança entra nesse meio, e eles se tornam lugares atraentes para as pessoas que estão em busca de trabalho e têm condições de ir para lá".

"Nós, aqui em Fortaleza, especificamente, cuidamos muito da questão da formação. Tanto que hoje a gente tem instâncias públicas de iniciação à dança, de profissionalização, curso superior, mas as nossas políticas de fomento à manutenção de grupos, de produção, de circulação, tudo isso ainda é muito 'capenga'. Isso é muito importante para que você possa manter os profissionais em um determinado contexto, trabalhando, desenvolvendo suas propostas artísticas. Se a gente não faz isso, tem um aspecto até meio cruel, porque acabamos formando as pessoas para elas irem embora. Por outro lado, é ótimo para que as pessoas saiam e vejam outras coisas e depois voltem. Mas que voltem e tenham condição de se estabelecer aqui e trabalhar, tragam referências interessantes", completa Ernesto.

Bailarina que reside no Canadá

Giovanna Lamboglia, de 24 anos, é bailarina e hoje reside em Toronto, no Canadá, por conta da profissão. Ela nasceu em Goiânia, mas aos 4 meses se mudou para Fortaleza, pois é a cidade de nascença de sua mãe, por isso se considera cearense de coração.

Atualmente Giovanna mora no Canadá, onde é bailarina profissional Foto: Reprodução/Instagram

Ela conta que antes do Canadá, já tinha morado na França por seis meses devido ao balé. "A segunda mudança não foi tão diferente para mim. Desde pequena sempre sonhei em poder trabalhar fora do meu País, pois eu sabia, infelizmente, que a dança tem mais investimento fora do Brasil".

Atualmente ela dança balé contemporâneo. Seu primeiro trabalho no Canadá foi como solista na companhia Ballet Jörgen. A rotina da bailarina era difícil: ensaiava das 9h30 às 18h, com apenas uma hora de intervalo.

Infelizmente a dança tem mais investimento fora do Brasil"
Giovanna Lamboglia

Agora ela trabalha em um grupo dirigido pela bailarina canadense Evelyn Hart, que visa a técnica Balanchine. A técnica reúne elementos do tradicional, pré-Vaganova treinamento de balé com o neo-classicismo criado pelo bailarino russo George Balanchine no século 20. A velocidade é talvez a característica mais notável do método.

"Tenho propostas de trabalho nos Estados Unidos também. Dou aula de balé para crianças e adolescentes duas vezes na semana. E tento conciliar meus horários com musculação para complementar minha resistência e trabalho muscular".

A bailarina ressalta que a experiência de conhecer o mundo por conta de seu trabalho é incrível. "Além de ter dançado em mais de 30 cidades do Canadá, também viajei fazendo turnês em mais de 15 cidades dos Estados Unidos. Visitei países como Singapura, Finlândia, Itália e Argentina em virtude de competições ou aulas. As viagens proporcionam que você aprenda um pouco da cultura e estilos de danças que te inspiram de alguma forma".

No Canadá, ela conta que existem cinco grandes companhias de balé e que o público lota os teatros quando acontecem apresentações. "As pessoas geralmente ficam surpresas quando digo que sou bailarina profissional e acham a coisa mais impressionante do mundo. Geralmente falam que deve ser muito bom trabalhar com o que se ama".

Ela já esteve em lugares como Singapura e Finlândia por conta do balé Foto: Reprodução/Instagram

Giovanna ainda afirma que consegue se manter no exterior como bailarina, já que a profissão é valorizada. "Não necessariamente precisamos fazer outros tipos de trabalho em paralelo para ajudar".

Ainda como bailarina, apesar de já ser realizada na profissão, ela sonha em interpretar grandes papéis como Onegin ou Giselle. "Acho que posso dizer que quem queira seguir nessa carreira não pode nunca desistir. É um trabalho árduo, mas com certeza muito recompensador.

Experiência de levar suas alunas para a Disney

Na contramão de quem muda de país para conseguir viver da dança, a coreógrafa Larissa Thé consegue realizar todos os seus sonhos como coreógrafa em sua cidade natal, Fortaleza. Ela é professora da Academia de Dança Vera Passos e, em abril, embarca para os Estados Unidos com um grupo de 48 pessoas, incluindo bailarinas que tem entre 9 e 31 anos, coreógrafos e a diretora da academia, Vera Passos, para se apresentar em solo americano. O destino? A tão sonhada Disney de Orlando.

Larissa Thé viaja com um grupo da academia Vera Passos este ano para Orlando, nos Estados Unidos Foto: Reprodução/Instagram

Em 2015, alunas de Larissa e a própria coreógrafa dançaram em Orlando, no Disney Springs (naquela época o local ainda era chamado de Downtown Disney). O convite partiu da agência Qualité Turismo, do Rio de Janeiro, responsável no Brasil pelo programa "Disney Performing Arts". No ano seguinte, em 2016, continuaram o contato com a agência e o grupo foi selecionado para dançar na Disney localizada em Anaheim, em Los Angeles. "Nós fomos o primeiro grupo, sem ser americano, a dançar na Disney de Los Angeles. Geralmente as pessoas só dançam na Disney de Orlando", explicou Larissa.

Em 2017, mais um desafio: dançaram na Disneyland Paris. "Esse ano, nós iríamos dançar com um grupo na Disney de Hong Kong e com outro na Disney de Orlando, mas surgiu a proposta da NBA". O time de basquete de Orlando, Orlando Magic, tem um programa onde interessados para dançar durante o jogo podem se inscrever. Mais uma vez, com o intermédio da Qualité Turismo, elas foram selecionas para o projeto.

Ou seja, este ano, em 1º de abril elas se apresentam mais uma vez na Disney de Orlando, com seis coreografias, sendo 3 de hip hop, 2 de jazz e 1 de sapateado, e dia 4 em um jogo da NBA. Larissa foi a única professora e coreógrafa que viajou todos os anos com o grupo da Vera Passos. Este ano, as coreógrafas Aline Vasconcelos e Marina Viana também irão. Outra professora, Marina Esteves, também esteve envolvida nas coreografias que serão apresentas em Orlando, mas devido ao nascimento de sua primeira filha, não poderá viajar. As coreografias criadas para serem apresentadas na Disney foram criadas em parceria com as outras professoras, mas a da NBA é assinada somente por Larissa.

Os ensaios para as apresentações no exterior começaram em janeiro Foto: JL Rosa

"Nós começamos os ensaios em janeiro e praticamente ensaiamos todos os dias, de segunda a sábado. Temos só o domingo para descansar. Os ensaios duram em torno de uma hora e meia. No sábado, às vezes, o ensaio tem duração de até três horas", explicou Larissa, que reforçou que as alunas que irão se apresentar em Orlando foram escolhidas por meio de audição.

A coreógrafa reforça que dançar no exterior traz grande visibilidade. "Dançar na Disney envolve muitos sonhos. Todo ano entram novas crianças, adolescentes e jovens na nossa academia em busca do sonho de dançar no exterior e em grandes competições no nosso País, além de trazer novas experiências. Em Paris, ano passado, por exemplo, visitamos os principais museus. Los Angeles é o grande centro mundial da dança, tem as melhores academias de dança do mundo, então a gente fez cursos na Millennium Dance Complex, uma escola de grande visibilidade no mundo, principalmente no hip hop, quando estivemos lá".

Este ano, além de passear e visitar os parques do complexo, o grupo fará cursos com professores de dança da Disney.

Em 2018, Larissa completa 10 anos como professora de hip hop da Academia Vera Passos, apesar de ser formada em direito. "É o estilo que eu amo, me identifico, que eu estudei. Depois que eu me formei, passei um mês em Nova York estudando dança pra colocar minha cabeça no lugar. Optei pela dança e não me arrependo em nenhum momento disso". Ela conta que também dança jazz, mas por hobby. "Eu simpatizo com todos os tipos de dança. O hip hop é minha paixão, mas eu acho lindo o jazz, acho o sapateado maravilho, assim como o balé, dança contemporânea, de salão. Acho que tudo vem para agregar". Ela, hoje, se mantém financeiramente como coreógrafa de dança. Além da academia, ela faz coreografias para festas de 15 anos e para semanas culturais de colégios.

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Um grande sonho que a coreógrafa ainda tem é levar seus alunos para dançar em Las Vegas, no campeonato mundial de hip hop, chamado de Hip Hop International, que acontece todo ano, em agosto, na cidade americana. "Lá é um evento um pouco mais rígido, envolve passar por uma seletiva no Brasil. É um sonho que eu tenho para um futuro próximo".

Outro grande feito da coreógrafa é que em 2017, uma aluna dela, Rafaela Gurgel, foi escolhido para dançar em um show do cantor Justin Bieber. "Ter uma aluna minha, minha cria, que faz hip hop comigo desde os 7 anos, ser escolhida para dançar no palco com o Justin Bieber foi um dos ápices da minha carreira. Eu que fui com ela, tivemos ensaio com os coreógrafos do cantor, com os bailarinos e a banda. Ficamos em uma área VIP".

Vale destacar que em 2014 um grupo da Vera Passos já tinha se apresentado em Nova York, incluindo Larissa. Em maio de 2019, ainda de acordo com a professora, elas embarcam para o Hong Kong Disneyland Resort, onde dançarão em uma tradicional parada da empresa.

Salsa é o ritmo mais dançado do planeta

Os cearenses Carine Morais e Rafael Barros viajam ao redor do mundo divulgando a salsa. A dupla teve o primeiro contato com a dança em suas respectivas famílias, com o forró e em grandes festas da cidade.

Eles começaram, primeiro, dançando forró, em seguida foram para a dança de salão e, ainda na Capital cearense, tiveram o primeiro contato com a salsa, apesar do ritmo ter origem cubana e porto-riquenha. Hoje eles são referência e octa campeões mundiais de salsa. Em 2010, ano que ganharam o campeonato mundial pela primeira vez, inclusive, deram uma entrevista ao apresentador Jô Soares, na Rede Globo.

Na imagem, Carine e Rafael aparecem em um campeonato na Turquia Foto: Reprodução/Instagram

Atualmente eles vivem em São Paulo. Às quartas ou quintas-feiras, eles viajam para algum destino no exterior e retornam na terça da semana seguinte. "Treinamos e ensaiamos todos os momentos que conseguimos. Nossa rotina está cada vez mais apertada. Além das viagens, administramos nossa escola de dança em São Paulo e ainda organizamos o maior evento de competição e congresso de dança de salão do Brasil", contam. O evento no qual se referem é o Brasil Latin Open, que em 2018 acontece de 15 a 17 de junho em São Paulo.

No Brasil, eles são acompanhados por um fisioterapeuta e por um treinador físico. "Antes de viajar tanto, conseguíamos ter uma rotina maior de treinos e ensaios. Agora fazemos de acordo com a disponibilidade. Tem semana que ensaiamos bastante e outras que não ensaiamos quase nada.

O casal pontua que a salsa é o ritmo mais dançado no planeta. No entanto, países como Estados Unidos, Itália, México e Colômbia tem um número superior de adepto do que outros lugares, incluindo o Brasil. Carine e Rafael contam que são muito bem recebidos em todos os destinos que desembarcam. "Todos nos conhecem, querem atenção, fotos e dançar conosco. Nossas aulas são bem cheias e nos sentimos muito bem em todos os países que vamos. Nos sentimos valorizados por onde vamos e enaltecidos por termos essa oportunidade".

A dupla diz que se sente valorizada por onde passam Foto: Reprodução/Instagram

Ainda sobre a salsa, eles pontuam a grande vantagem: ser viável para todas as idades. O ritmo ainda pode ser dançado em par ou sozinho. "A salsa é um ritmo alegre, dinâmico e contagiante".

A dupla ainda frisa o orgulho que eles têm em serem cearenses. "Sempre, em todos os países, falamos que representamos Fortaleza e o Brasil".